sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
O Professor Oliveira Feijão, médico e lavrador
(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 de OUUBRO DE 1991)
Voltemos hoje a esta variante dos TEMAS, as FIGURAS.
Se algumas que já referimos são pouco conhecidas e outras, nem por isso, com a de hoje já assim não acontece pois trata-se de uma personalidade bem marcante da sua época.
Também não é varzeense pelo nascimento pois viu a luz do dia em Almada a 24 de Novembro de 1850.
Faleceu contudo nesta freguesia na sua Quinta da Mafarra a 11 de Novembro de 1918 e onde passou os últimos anos da sua vida.
Há pelo menos oitenta anos a sua fotografia encontrava-se na escola primária de Vilgateira. Qualquer manifestação de interesse colectivo da freguesia tinha de contar com a presença do SENHOR DA MAFARRA, como lhe chamou o Dr. Virgílio Arruda.
Temos conhecimento, por exemplo, que a pequena mas significativa festa do “Dia da Árvore” de 1914 (?) em que além de recitação de várias quadras alusivas ao dia se plantou a amoreira de Vilgateira, já aqui referida, contou com a sua presença.
Lembramo-nos que há trinta anos e a nossa solicitação, qualquer homem “maduro” da freguesia o descrevia, lembrando o seu porte.
É incontestável a ligação à freguesia e muito fácil organizar uma “biografia” desta figura, já que a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira o não podia deixar de referir e o Dr. Virgílio Arruda, baseado no In Memoriam, do Dr. Francisco Tavares Proença, o lembrou nas páginas deste jornal (1) na passagem do 60º aniversário do seu falecimento e isto, convém dizê-lo, pela ajuda dada por outra figura varzeense, já aqui referida, o Tenente-Coronel Fonseca Guedes.
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[Portão da Quinta da Mafarra. Des. de JV]
O Doutor Francisco Augusto de Oliveira Feijão, de seu nome completo, concluiu o curso de medicina em 22 de Julho de 1873. Foi nomeado para o banco do Hospital de S. José em 3 de Fevereiro de 1874 e era director de enfermaria em 3.12.1885.
Hábil cirurgião, sabia intervir nas várias situações patológicas. Não admira que em 1880 já regesse a cadeira de Obstetrícia. Promovido por Decreto de 29.09.1881 a Lente, foi-lhe destinada a cadeira de Clínica-cirúrgica.
Foi o primeiro cirurgião que em Portugal extirpou pela ovariotomia um tumor do ovário e fez a operação da tiroidectonia (intervenção cirúrgica sobre a glândula tiróide).
Médico da Real Câmara, acompanhou nessa qualidade a Rainha D. Amélia e o Rei D. Carlos na viagem que os soberanos fizeram aos Açores.
Foi também médico assistente de muito diplomatas.
Após a implantação da República, deixou de exercer a medicina, dedicando-se exclusivamente ao ensino e à sua actividade de lavrador. (2)
Era grande a paixão que o Professor Oliveira Feijão possuía pela agricultura, a que se dedicou com entusiasmo.
Em 1888 entra como sócio para a associação Central da Agricultura Portuguesa. Em 20 de Março de 1902 é escolhido para o cargo de Presidente. Procura que através da agricultura que se arrancasse a província ao marasmo em que jazia.
O ilustre clínico empenhou-se na instrução e educação da gente dos campos pois estava convencido que sem pessoas aptas para as novas tecnologias não seria possível divulgar e pôr em prática os novos processos de trabalho agrícola.
“Quando se acumulam inventos que tendem a abreviar o tempo e o espaço, mal vai quem não acompanha o progredir da sua época” – são palavras do sapiente médico o mostram como via i futuro da Humanidade.
Sugere a fundação de adegas sociais e a organização de cooperativas de produção e de venda que iriam ter efeitos positivos na comercialização.
Como deputado independente, defendeu a causa dos agricultores.
Participou em vários congressos, entre eles ode olivicultura e indústria do azeite, em 1905, ao qual apresentou uma comunicação intitulada, A Época da Maturação e Apanha da Azeitona, Escolha e Lavagem do Fruto.
Já anteriormente, em 1900, tinha tomado parte, como representante do sindicato agrícola do distrito de Santarém, no congresso vinícola promovido pela Associação de Agricultura.
Também se interessou muito pela cultura dos cereais e pode dizer-se que da sua quinta fez um laboratório agrário.
Abandonou por motivos de saúde a presidência da Associação Central de Agricultores em 17 de Agosto de 1914.
Na pecuária tinha predilecção especial pelos ovinos e a fama dos carneiros da Mafarra ultrapassou as fronteiras nacionais.
Além de artigos dispersos por vários jornais, publicou: Organismo e Traumatismo, Lisboa, 1813, Patogenia das Metástases, Lisboa, 1875, Feridas e Pensos, Lisboa, 1877 e “Lições de clínica cirúrgica feitas no anfiteatro anexo às enfermarias de clínicas escolares do Hospital Real de S. José, Lisboa, 1883.
Além de conhecer a fundo o Latim, era poliglota, tendo deixado algumas traduções. Discursava em Francês com a mesmo facilidade com que o fazia na língua mãe.
Também as musas não lhe foram alheias na sua mocidade, ainda que os poemas não tivessem saído de familiares e amigos.
Frequentou com muita assiduidade os grandes salões aristocráticos e diplomáticos, que abandonou após o regicídio.
Bom cavaleiro, montando com grande elegâncias, fazia equitação todas as manhãs, no que era acompanhado pela esposa, exímia amazona.
Além de caçador afamado, era amador de touradas não faltando às ferras promovidas pelos lavradores das redondezas.
[Ao fundo, a Quinta da Mafarra, Foto de JV]
O Doutor Oliveira Feijão nunca recusou a quantos dele se abeiravam, a sua abalizada opinião sobre as doenças que os apoquentavam, não recebendo contudo qualquer retribuição monetária. Muitos, eram os seus próprios trabalhadores e seus familiares.
A título de curiosidade, indicamos o número de receitas despachadas na Farmácia Mendes, em Vilgateira, assinadas pelo sapiente médico.
Em 1909, 12; 1910, 11; 1912, 26; 1913, 28; 1914, 23; 1915, 62; 1916, 23 e 1918, 8.
Aqui fica algo do que compilámos sobre esta impressionante figura, ainda na lembrança dos mais idosos varzeenses que relatam acontecimentos da época.
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NOTAS
(1)“O Senhor da Mafarra – Oliveira Feijão – e a sua exemplaridade na Medicina e na Lavoura – o médico que tentou revolucionar a agricultura”, Virgílio Arruda, in Correio do Ribatejo de 30 de Novembro de 1978.
(2)Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.