quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Largo das Amoreiras



Quem sabe em Santarém onde e como era o Largo das Amoreiras e do ambiente que o cercava? Só gente que ultrapassou os 65 e que foi criada no velho burgo e mesmo esses, só os que conseguem manter uma memória razoável.

O que vamos descrever tem, como não pode deixar de ser, falhas e lapsos que ao longo dos anos o decorrer da vida com as atribulações próprias nos fazem cometer.

O Largo das Amoreiras foi sempre assim que o ouvi chamar ainda que a designação oficial fosse Praça ou Largo Cândido dos Reis, em homenagem ao Almirante republicano que se suicidou em 5 de Outubro de 1910, pensando gorada a Revolução, situa-se em frente do antigo hospital de Jesus Cristo, fundado por João Afonso de Santarém ou João Afonso de Aguiar e cujos restos mortais repousam na Igreja de S. Nicolau.

O hospital foi aqui instalado (Convento do Sítio) depois de 1834.

Ficava assim ao cimo ou à entrada da Avenida dos Combatentes, artéria primeira e principal do “Meu Bairro”.

O antigo Convento das Donas, lembro-me muito bem de andar em obras, quando albergava o Regimento de Artilharia 6 e onde hoje se encontra instalada a PSP, uma ala lateral pintada de cor amarelada, que não me lembro de ter qualquer entrada, mas sim janelões altos, ocupava e ainda hoje lá está, o limite do Largo por este lado.

Quando era bem miúdo, por volta de 1943/44, não havia estrada, era caminho de terra batida e só mais tarde foi feita com passeio junto ao velho casarão e o do lado oposto que separava o largo.

A estrada para Lisboa bem estreita que era, passava junto ao antigo seminário e onde entroncava a travessa do Postigo, que ainda existe, passava junto ao estabelecimento comercial do Sr. Joaquim Vicente Serrão lembro-me bem da sua figura, pouco depois nela ia entroncar uma das principais vias da cidade que tinha como “baluartes” de um lado a nova estação dos CTT e do outro a C.G. Depósitos.

Recordo com alguma saudade uma cabina cilíndrica envidraçada a partir de determinada altura, pintada de vermelho e branco, se a memória não me engana, que se situava mesmo em frente da rua e constituía a estação semafórica da altura e onde se encontrava um polícia com capacete branco que manualmente ia regulando o trânsito através dos sinais luminosos de verde, amarelo e vermelho.

O povo chamava-lhe a “Gaiola do Canário”. A estrada para Lisboa continuava passando próximo do local onde se situou a Porta de Manços e onde fazia uma curva acentuada junto à qual e no Largo das Amoreiras se encontrava um fontanário muito movimentado e conhecido por” Fonte do Boneco”, desconhecendo eu a razão do topónimo. Lembro-me muito bem de que quando ia para a escola do Pereiro, não a actual mas a que foi destruída e isto em 1945/46, tivesse sede ou não, nunca deixava de ali beber água. A estrada continuava junto ao casario e onde se encontrava uma das mais afamadas tabernas de Santarém, a Taberna do Peste e ia passar mesmo junto à então capela mortuária do hospital. Pouco depois existiam as escadinhas de acesso à Rua Prior do Crato, então das mais novas do meu bairro, onde a construção subiu em altura mas sem rua pavimentada, o que aconteceu muito depois.

Mais abaixo e do lado esquerdo encontrava-se a antiquíssima Fonte das Padeiras, então de boa água e a que recorria a gente do meu bairro quando a água faltava nas torneiras.
Algumas vezes lembro de lá ir fazer a recolha.

Pelo que acabei de escrever, o Largo das Amoreiras situava-se entre o fachada principal do hospital de Jesus Cristo, a fachada lateral do Quartel do Regimento de Artilharia 6 e a estrada que ia para Lisboa passando junto àquele casario onde se destacava pelo movimento a Taberna do Peste onde havia sempre petinguinhas ou jaquinzinhos fritos e outros petiscos do género.

Era nesta taberna que se formalizava o contrato de pessoal para os serviços agrícolas selado com o pagamento do patrão ou seu representante (feitor, capataz) da molhadura, ou seja, meio litro de vinho.

Era em frente da taberna e no Largo das Amoreiras que ao domingo e dentro de determinado horário que o uso e costume marcou que se juntassem os homens à procura de trabalho e aqueles que precisavam deles.

O Largo das Amoreiras era totalmente térreo tendo alguns bancos espalhados junto do tronco de velhas árvores, muitas delas quase secas. Certamente que algumas seriam amoreiras para justificar o aparecimento do nome mas não tenho qualquer ideia sobre isso. Que eram troncos grossos e alguns meios secos, isso lembro-me bem, tal como dos bancos constituídos por duas únicas tábuas, uma servindo de assento e a outra para recosto. Eram fixas por grossos parafusos a dois pés de ferro forjado com alguma elegância e fixos a blocos de pedra calcária.

Lembro-me de ouvir contar ao meu pai que numa entrada de toiros, que eram da ganadaria (?) Caroça, os quadrúpedes arrancaram parte dos bancos, tal era a sua bravura!

Outra coisa que ainda permanece na minha memória é o facto de entre o Largo das Amoreiras e a fachada lateral do quartel, na altura das seculares Feiras da Piedade e do Milagre que tinham lugar no Campo Fora-de-Vila, os feirantes estenderem-se para aí, principalmente os vendedores de fruta (lembro-me dos peros aos montes) e de louça de barro.

Com a construção do Palácio da Justiça (fins da década de 50) e a abertura da Avenida Sá da Bandeira, a estrada para Lisboa mudou de trajectória indo passar ao meio do Largo das Amoreiras que desapareceu totalmente tendo-se procedido ao seu ajardinamento, à colocação da estátua de Pedro Álvares Cabral, hoje junto à Igreja da Graça, à instalação de uma ou duas “bombas de gasolina” e à feitura de sanitários subterrâneos.

Depois disto que conheci bem, sei que tem havido várias transformações mas que não sei descrever.

Quando por lá passo, parece-me que não sei onde estou!

N.B.
A foto apresentada e da autoria do Major Fernando de Carvalho Tártaro é um recorte da que consta do Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937 – 1940. Ainda não existia a “gaiola do canário”.
JV