domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um poeta

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 13 DE ABRIL DE 2006)

Chegou-me há dias, por e-mail, um poema acabadinho de sair da verve de um velho amigo que já não vejo à perto de trinta anos mas nem por isso deixamos de contactar, por vezes com distância de anos, conforma as ocupações e confusão da vida nos possibilitam, em momentos especiais nunca nos esquecemos.

Nada me admirou a origem até porque conheço o pseudónimo de Ricardo Ilhéu, à volta de cinquenta e cinco anos, ou seja, praticamente desde a altura em que começou a rimar.

Fui sempre um confidente, como o ser humano gosta de usufruir e naquelas idades ainda mais. Mostrava-os e procurava-me explicar, como só um poeta sabe, o jogo e significado das palavras com a liberdade que lhe é própria.

Não lhe podia retribuir na mesma moeda pois nunca tive engenho para tal mas, mesmo assim consegui fazer a muito custo, ainda que mal feitas meia dúzia de coisas, confirmando a gíria popular de que todos os portugueses alguma vez na vida, fizeram rimas ou jogaram com as palavras.

Ricardo Ilhéu, cujo pseudónimo tem a ver com as suas origens, é neto materno de um poeta laureado e a que me referi, pelo menos duas vezes, nos meus Temas Varzeenses, apresentando mesmo poesia inédita.

Conheci o meu velho amigo nos bancos do liceu de Santarém, no primeiro ano, ele era o nº 3 e eu o 6, o que nunca nos esqueceu.

No ano seguinte vem viver com a família para o MEU BAIRRO, morando junto às escadinhas da Rua Fernão Lopes de Castanheda num prédio acabado de construir e aqui passou toda a adolescência, entrando com facilidade no ambiente que se vivia no bairro, sendo um dos fundadores do Grupo Desportivo Bairro dos Combatentes.

[Escadinhas da Rua Fernão Lopes de Castanheda. Foto JV]

Eu não sou ninguém para avaliar o trabalho. Há poemas que por mais que leia, não me dizem nada. Possivelmente o mal é meu; contudo, outros soam-me bem ao ouvido, o jogo de palavras é harmonioso e consigo aproximar-me, julgo eu, do sentir do poeta, foi o que aconteceu com este.


GAIVOTA? HUM!...













Ali estava ela!
Gaivota, beleza alada,
Perdida, pousada
No peitoril da janela.

Que queria ela?

Está perto do mar,
É certo,
Mas para ela, decerto
Aqui é deserto!!

Que tenho para lhe dar?

O aconchego de um lar
Que não tenho?

Restos de um repasto que não tive?

Remanso de um lugar
Onde não estive?

Gaivota
É como velha devota.
Volta sempre ao lugar que a alimenta,
Quieta no silêncio,
Para depois soltar o grito
Aflito
Afastando-se da tormenta,
Voando no vazio.
Pássaro vadio,
Filho, enteado do mar
Que o acolhe quando escurece,
Que o afasta quando se enfurece.

Esconde-se entre os penedos
Sem os mesmos medos
Que me assolam
Nas noites sós,
Agora já não atormentadas
De dependente, superdependente
De um amor ardente
Que me consumiu
- lugar comum –
para depois me reabilitar
e voltar
a permitir-me viver,
Viver,
VIVER!
Como sempre quis estar
Nesta vida
Sofrida,
Bailada,
Balanceada
entre o comum e o erudito,
entre o dito e o não dito,
rasgo luminoso que me orienta.
Placenta
que serve de caldo
a um novo ser
que há-de viver,
sem sofrer,
igualar,
egualitar,
estar com ela com verdade,
sem ansiedade

gritando:

VIVA A LIBERDADE!!!


Algures no Porto, 2006.03.03

RICARDO ILHÉU


Aqui fica este poema que eu não sei avaliar tecnicamente mas que me soa bem e onde sinto perpassarem angústias e desilusões mas ainda e sempre, vontade de VIVER.

Ricardo Ilhéu que viveu no MEU BAIRRO, ainda que não tantos anos como eu, mas na minha época e que acabou por motivar esta MEMÓRIA, está preparando nesta fase de vida o seu primeiro livro de poesia.

Que venha ele, meu velho e que a vontade de VIVER nunca te falte.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A minha tabacaria

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 7 DE AGOSTO DE 2009)

Na minha juventude as tabacarias eram estabelecimentos comerciais com um certo requinte e que além de tabaco representado pelos maços de cigarros de variadas marcas de que me lembro como o Português Suave, Paris, depois Avis, Porto, Sporting, eu sei lá, um nunca mais acabar de marcas. Ainda que existisse, já tinha caído em desuso o tabaco de onça, tendo quase todas as marcas se adaptado aos cigarros feitos.

Vendia-se em carteiras o tabaco para cachimbo, caixas de cigarrilhas e charutos, com destaque para os cubanos, já afamados.

Para os apreciadores existiam à venda cachimbos e boquilhas, algumas apetrechadas com filtros no sentido de reter a nicotina.

Vendiam-se as caixas de fósforos “Joaninha” ou “Quinas”, carteiras para os mais pretensiosos e livros de mortalhas (Fundador? Conquistador?)

Não faltavam as cigarreiras de tipos e preços variados.

Como complemento, havia as que vendiam lotaria, jornais, revistas, pequenas utilidades e “souvenires”.

Tudo isto naturalmente se transformou e as tabacarias estão hoje transformadas em máquinas “self-service” que além de evitar a mão-de-obra e engano nos trocos, eliminam quem se ia embora sem pagar!

Quando comecei a fumar o meu cigarrinho e não me esqueço que era da marca Avis, não havia dinheiro para comprar um maço, nem pensar, nem eu nem a quase totalidade dos meus amigos e colegas.

Nós não tínhamos dinheiro para ir às tabacarias e existiam várias na cidade, situadas em pontos estratégicos e que não precisavam de grandes espaços. A mais conhecida talvez fosse a que se situava ao fundo da Rua Guilherme de Azevedo. Outra de que me lembro optou pela Rua de S. Nicolau.

A urbanização dos terrenos entre Sta. Clara e S. Bento após a construção do liceu e de que me recordo em grande parte, constituía a residência da burguesia/nobreza não existindo, como ainda acontece, qualquer estabelecimento comercial, como bem se compreende.

Nas “costas” do Convento de S. Francisco, ultimamente bem badalado por bons motivos, no começo da Travessa de Santa Clara, existia um pequeno estabelecimento comercial misto, se a memória não me atraiçoa, uma merceariazita e uma pequena tasca, onde nunca entrei.

[Local onde se encontrava a mercearia do Sr. António. Foto JV]

O Sr. António, penso que era esse o seu nome, era o protótipo do comerciante do ramo e da época.

Olhos e cabelo preto, puxado para trás, rosto redondo onde sobressaía aparado bigode, estatura meã, para o forte, tinha sempre vestido o guarda-pó, peça característica dos comerciantes do ramo.

Ao meio do balcão de madeira, estava a grande balança “Pessoa” que controlava os pesos, pois nessa época ainda eram poucos os embalados.

Uma gaveta que se abria e fechava à chave sempre que dela necessitava era o local do dinheiro. De outra ao lado, aviava-nos vendendo três cigarros “Avis” por cinco tostões e era um corrupio!

Tornava-se a maneira de ele vender tabaco e nós de fumarmos um cigarrinho visto não haver dinheiro para um maço. Por outro lado se alguém comprasse um maço os veteranos acabavam com ele.

Dos três cigarros que comprávamos, na melhor das hipóteses fumávamos dois pois o outro era “cravado”por um amigo. E cinco tostões só havia uma vez por semana!

O Sr. António era uma pessoa muito compreensiva e educada. Nunca me lembro de qualquer zaragata com ele.

Então, não é que numa das últimas visitas que fiz à cidade, quando olhei para recordar a minha “tabacaria” já não existia! Tive de fazer uma fotografia! Que pena não a ter feito antes! Mesmo em ruína gostava de olhar para aquela casa onde ia comprar os meus cigarritos e recordar o Sr. António.

Os cigarros acabaram para mim há 28 anos.

Os lugares de referência da minha adolescência vão desaparecendo.

Qualquer dia não sei andar na cidade!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Um fantasma chamado bicicleta

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 16 DE JANEIRO DE 2009)

Há quanto tempo eu não escrevo uma MEMÓRIA DO MEU BAIRRO!

Tive que recorrer ao meu arquivo pessoal para me certificar!

A LXVI teve por título UM POETA e foi publicada em 13 de Abril de 2006! Já lá vão quase três anos!

A falta de publicação não tem a ver com a menor falta de interesse pela rubrica, mas sim pela falta de assuntos que venham à nossa memória.

Quem escreve principalmente sobre o passado, como acontece comigo, tem que encontrar assunto para o fazer, que aparece quando menos se espera. Salta o clique e o tema começa a germinar até dar origem a um pequeno escrito sobre o passado distante mas que a memória ainda conserva, se não com total rigor, pelo menos no que é fundamental.

Avô babado não tenho vergonha de o dizer, apesar da minha neta ainda não ter três anos, além daquilo que ela desejava, um tambor, resolvi comprar-lhe uma bicicleta com o argumento de que para o ano posso já não estar cá. Até agora não pensava nisso, mas pela idade ou pela presença da neta, já me vem muito ao pensamento.

Afinal eu não estou a escrever para falar da minha neta, mas sim de algo que me fez recuar cerca de sessenta anos.

Depois de escolhido o velocípede (tamanho, cor etc.) em casa da especialidade e não naquelas grandes que têm à porta para chamar a atenção, muitas vezes uns grandes “balões”com uns hieróglifos que desconhecemos, fomos efectuar o pagamento.

O balcão servia de montra para mostrar interessantes miniaturas de veículos de duas e três rodas, havendo um que me atraiu especialmente, prendendo a minha atenção. Tratava-se de um biciclo muito parecido com um que via circular lentamente no MEU BAIRRO e que levava toda a garotada atrás.

A roda dianteira é muito maior do que a traseira e é essa circunstância que define o biciclo.

Para nós era uma bicicleta FANTASMA com o condutor lá em cima. Bastaria isto para nos despertar a curiosidade, mas havia mais. O homem vestia um fato branco e penso que tinha um laço em vez de gravata. Usava chapéu alto (preto? branco? não posso precisar). Para ser bem ouvido, falava através de um altifalante (espécie de funil), lançando pregões no sentido de vender o seu jogo (lotaria).

Não era muito frequente a sua aparição no MEU BAIRRO, pelo contrário, mas quando aparecia funcionava como dia de festa para a rapaziada que aos magotes o seguiam, isto enquanto estivesse no bairro porque a partir daí, a grande maioria, como a mim me acontecia, não tinha autorização dos pais para ir para a cidade, como na altura se dizia. O Bairro era o bairro, a Cidade a cidade!

Se a memória não me atraiçoa, o meu pai dizia-me que aquela bicicleta era propriedade de um meu tio-avô, que a alugava aos interessados.

Certamente haverá leitores que recordarão este quadro tão bem ou melhor do que eu.

Quando irá acontecer uma nova MEMÓRIA? Não faço ideia, é preciso que o clique apareça e faça faísca.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Xavier do Monte

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE FEVEREIRO DE 2009)

Esta rubrica podemos considerá-la infinita tal o número de Figuras que pode ser referido numa área geográfica tão vasta.

Num destes dias e a fim de nos podermos documentar para um pequeno escrito que estamos a organizar dirigimo-nos à biblioteca local para efectuarmos algumas consultas, principalmente na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que, digam o que disserem e apesar de algumas desactualizações é uma fonte de informação geral que não reconheço outra igual.

Ao fazermos a nossa busca, apareceu-nos esta Figura Escalabitana que desconhecíamos totalmente e que considerámos com algum importância.

Dos autores que conheço e penso que são os principais que se dedicaram a compilações deste tipo, nenhum a refere, possivelmente pela importância ser relativa.

Depois desta pequena informação que não indica as datas do nascimento nem do falecimento, procurámos nos actuais meios tecnológicos mais informação, mas a verdade é que o pouco que aparece é praticamente aquilo que a Grande Enciclopédica Portuguesa e Brasileira nos fornece.

Penso que transpor para este periódico os dados que recolhemos se justifica.

José Pedro Xavier do Monte nasceu em Santarém onde exerceu medicina e teria falecido depois de 1788, data do último livro que publicou e que se conhece.

Publica e tendo por base o seu saber científico, O homem médico de si mesmo, ou sciencia, e arte nova de conservar cada hum a si próprio a saúde, e destruir a sua doença... Lisboa, na Off. de António Vicente da Silva, 1760.

O título apresenta alguma curiosidade.

Em 1767 escreveu O Chumacinho Furtado, epopeia jocosa dedicada à Ilustríssima e Excelentíssima Senhora D. Ana Genovena Ferreira Nobre Rossi, por um Ermitão do Parnaso, (que constituía o seu pseudónimo), 1767.

A outro dos seus poemas deu o título:- Sapatos de Cetim Azul Ferrete, poema herói-cómico em seis cantos, por um Hortelão do Helicon (possivelmente outro pseudónimo que utilizou), dedicado à Excelentíssima Senhora D. Isabel Bernarda Xavier de Moura Latre, religiosa do Convento da Santa Clara de Santarém, 1769.

[Convento da Santa Clara em Santarém. Fins do séc.XIX, Foto Sequeira]

Conhece-se depois À feliz aclamação da Augustíssima Rainha Nossa Senhora D. Maria no trono da monarquia portuguesa, Lisboa Régia Off. Typográfica, 1777.

O último trabalho literário que se lhe conhece, também tem a ver com a terra onde nasceu e intitula-se: A Egidéa: poema ou a Historia da protentosa vida do grande Penitente S. Fr. Gil Portuguez... Offerece-a ao mesmo Santo como advogado contre sezões, e gota, hum Santareno devoto do seu Tumulo, e Veneráveis Relíquias, que se venerão incorruptas na própria Capella do Convento da sua mesma Ordem, na famosa e sempre Leal Villa de Santarém, Lisboa: na Off. de Simão Thaddeo Ferreira, 1758.

Há quem atribua este poema a Frei José do Espírito Santo Monte, franciscano, igualmente natural de Santarém, pregador e cantochanista de renome.

Foi o que conseguimos obter sobre esta Figura Escalabitana.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Pequena nota
Recentemente, encontrei referências a esta Figura no Dicionário Bibliográfico Português, de Inocêncio Francisco da Silva, Tomo IV, 1860 que pouco adianta a não ser algumas considerações não lisonjeiras sobre o médico e escritor.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pombinhas de Santarém, pombinhas!

[Pombinhas. Retirado com a devida vénia de http://aminhacasaaopormenor.blogspot.com]

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE NOVEMBRO DE 2008)

Numa noite de insónias, frequente na minha idade, a fita da memória, sem sabermos porquê, começou a passar.

O que foi buscar para relembrar? Algo que conheci há cerca de sessenta anos!

Com certeza que muita gente da cidade se lembra daquilo que a “fita” me trouxe à memória.

Com cerca de dez anos, primeiro acompanhado de familiares, depois só, deslocava-me frequentemente à então vila de Almeirim que nessa altura, e como é compreensível, era uma sombra do que é hoje.

Para a deslocação eram utilizados os autocarros da extinta Camionagem Ribatejana, situada na Rua Passos Canavarro, vulgo travessa do Postigo. Lembro-me muito bem dos dois gerentes que eu penso serem igualmente proprietários. Um deles, para o forte, baixo, um pouco calvo e de aparado bigode bem preto. O outro, aparentemente mais velho, de pele clara, menos efusivo, muito calmo e extremamente delicado, delicadeza que o seu colega igualmente compartilhava.

Eram conhecidos dos meus pais que com eles trocavam sempre uma saudação quando não uma troca de palavras mais desenvolvida.

Mas afinal o que é que isto tem a ver com o título desta croniqueta?

O comércio ambulante, em regra utilizando produtos artesanais, feitos pelos próprios, por familiares ou adquiridos a artesãos, rondava pelos locais onde as pessoas mais se juntavam, como eram por exemplo os transportes públicos, pois nessa altura, ao contrário de hoje, bem poucos possuíam transporte próprio.

As camionetas entravam e saíam da garagem num rodopio e em muitos casos eram necessários desdobramentos!

Entre os vendedores ambulantes que frequentavam aquelas paragens, um ficou na minha memória e que dificilmente esquecerei.

De estatura meã e para o débil, era de origem africana, vestindo sempre fato branco que assim contrastava com a cor da sua pele.

Num tabuleiro de madeira que uma correia de cabedal ajudava a suportar, passando atrás do pescoço, arrumava as suas “pombinhas” feitas de massa de farinha de trigo, muito branca e levemente adocicada. O feitio representava as pombinhas como se estivessem deitadas no choco. Não lhes faltava o biquinho bem feito, tal como o rabo e apresentavam-se bem tostadinhas, estaladiças. Cobri-as com uma espécie de tule branco.

Pelo que já escrevi, compreende-se a razão pela qual ficou na memória de uma criança que rondava os dez anos, mas ainda há mais e certamente mais marcante.

Pressionando o polegar com o dedo médio, da mão direita, num movimento rápido fazia bater neles o indicador, provocando um estalido, acompanhado por uma espécie de assobio que lhe era muito peculiar e provocado pela posição da língua! Ao mesmo tempo ia dizendo: POMBINHAS DE SANTARÉM, POMBINHAS!

Usando este chamariz / pregão, atraindo as crianças, assim ia ganhando a vida!

As “POMBINHAS DE SANTARÉM” chegaram a ser muito conhecidas e até referidas como características da cidade, mas foi coisa que nunca mais vi, em parte nenhuma.

Pequena nota
Quando escrevi este texto, desconhecia completamente que ainda se faziam pombinhas de Santarém para vender.Primeiro uma familiar residente no concelho deu-me essa informação, algum tempo depois foi a vez de fazê-lo um colaborador do jornal. Recentemente a internet deu-me algumas dicas.
As pombinhas do meu tempo e já lá vão mais de 60 anos, tinham uma modelação próxima com a realidade e uma côr mais clara.

JV

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Visita às origens

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 31 DE OUTUBRO DE 2008)

Quem não gosta de ir, pelo menos por umas horas, à freguesia que está inserta no seu documento de identificação? Poucos serão, certamente.

De vez em quando por lá aparecemos, umas vezes por iniciativa própria, outras a convite.

Num dos últimos fins de semana isso aconteceu mais uma vez, sendo protesto para uma almoçarada e ainda que nos encontrássemos satisfeitos, não resistimos à tentação de comer uma caracolada, guisada com batatas e ervilhas, que alvitrei e que foi apoiada pela maioria dos convivas.

[Prato de caracóis, batatas e ervilhas]

Às oito e meia da noite lá estávamos para degustar o petisco. Confesso que é dos pratos que mais aprecio e que costumo confeccionar. Ainda que um pouco diferente do que costumo fazer, estavam muito agradáveis e todos elogiaram o cozinheiro.

Seríamos cerca de uma dúzia de pessoas e eu era o decano. No lado oposto, estava uma sobrinha bisneta!

A maioria escolheu a caracolada, muito usada e típica dos varzeenses.

Entretanto, numa mesa ao lado, sentou-se um casal igualmente para jantar.

Em determinada altura e tendo-me eu voltado um pouco para trás, acabaram por meter conversa comigo demonstrando que me conheceriam, afirmando que eu era o José Varzeano dos escritos no Correio do Ribatejo sobre a Várzea e que quando ainda estavam no activo das suas profissões, lá para as bandas de Lisboa, se deliciavam com tais leituras sobre a freguesia das suas origens e que pacientemente foram recortando do jornal, coleccionando, o que ainda hoje acontece.

Palavra puxa palavra, não conhecia aqueles meus conterrâneos, mas conhecia, depois da explicação, os seus pais.

Durante muito tempo foi para eles intrigante o tal José Varzeano que supunham ser da Várzea mas que não conseguiam identificar. Só bem mais tarde isso aconteceu.

Para este casal e para muitos mais conterrâneos, se não fossem as croniquetas que há alguns anos venho publicando neste centenário semanário, que possui muitos assinantes e leitores na freguesia, eu passar-lhes-ia completamente despercebido, o que era naturalíssimo pois só vivi quatro anos na minha freguesia natal.

[Casa típica no Cortelo. Foto JV]

Restará dizer que este conterrâneo brindou, a meu pedido, os presentes com três castiços fados, sendo o último o conhecido fado do embuçado.

O fado, que teve sempre cultores no Ribatejo, também se manifesta na freguesia da Várzea, concelho de Santarém.

Obrigado pelas suas palavras.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Torcato Pinheiro

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 29 DE AGOSTO DE 2008)



Alfredo Torquato Pinheiro nasceu em Santarém a 23 de Outubro de 1850.

Dividiu a sua actividade por três áreas: - militar, professor e artista plástico.

Na Escola do Exército, em Lisboa, tirou o curso de Infantaria, frequentando também a Academia de Belas Artes, nas modalidades de desenho e pintura, o que o relacionou com grandes artistas do seu tempo.

É colocado em 1882, como militar, num regimento da cidade do Porto e aí cria amizade com o escultor Soares do Reis e o pintor Marques de Oliveira.

É frequentador assíduo do “atelier” do escultor, autor da estátua O Desterrado, e a seu convite colaborou com primorosos desenhos na revista Arte Portuguesa, do Porto.

Entretanto concorre ao lugar de professor da Escola de Desenho Industrial de Passos Manuel, em Vila Nova de Gaia, sendo provido do lugar. Transfere-se depois para a Escola Industrial Infante D. Henrique, no Porto, sendo depois nomeado seu director.

Continuava contudo ligado à vida militar que conciliava com esta, até que, por exigências da sua carreira militar, teve de abandonar aquelas funções, sendo-lhe prestada afectuosa homenagem por professores e alunos.

[Pintura de Torcato Pinheiro]

Os seus tempos livres consagrava-os à pintura, apresentando quadros de paisagens em várias exposições, tendo realizado uma individual, no ano de 1899.

Está representado em alguns museus e galerias particulares.

Faleceu na vila da Barquinha em 13 de Fevereiro de 1910 quando se encontrava reformado de general.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971