quinta-feira, 30 de abril de 2009

"Brinquedos"

(Publicado no CORREIO DO RIBATEJO de 4 de Dezembro de 1992)

O poema da minha prima Anel com que terminei o primeiro escrito, trouxe-me à memória os brinquedos (há regatas com barcos de papel) os jogos e outros entretenimentos infantis (mesmo quando a canalha joga com botões).

Quem sabe se fui eu próprio que lhe dei essa imagem que anos depois se transformou em palavras harmoniosas?

Lembro-me que, enquanto brincava com os meus companheiros, ela observava-nos da janela, sem qualquer hipótese de se nos juntar pois nessa época, as meninas (mais ou menos educadas) não brincavam com os rapazes.

Fastienta por natureza, ficava-se pela janela onde a mãe ou a avó, lhe metia a sopa pela boca abaixo! É um quadro que tenho sempre presente e ainda espero retratar aos seus netos, quando os tiver!
***
As crianças de hoje brincam (!) com sofisticados “brinquedos” de milhares de escudos e dezenas de contos, isto para não falar nos de centenas que são relativamente vulgares mesmo no nosso país.

Tudo era naturalmente diferente nessa época, na minha rua e no MEU BAIRRO. Já, então, as bonecas e bolas eram o enlevo de raparigas e rapazes. Nós tínhamos as “trapeiras”, as bolas feitas de trapos metidos numa meia velha de mulher e que tinha a sua “ciência” na feitura, sendo o remate final feito com o auxílio de fio e agulha pois tratava-se de uma cosedura circular a que chamávamos “cu de galinha”.
Quando bem feitas, e havia especialistas, saltavam como se fossem de borracha. De pé descalço pois quem tinha sapatos não os podia estragar e quem o quisesse fazer não era permitido pela vantagem com que ficavam, faziam-se grandes jogatanas de mudar aos cinco e acabar aos dez.

O grande mal para as “trapeiras” era a água pois ao encharcarem-se ficavam muito pesadas e nada convidativo para o jogo.

Fugir à frente do polícia era nossa tarefa diária pois nem no pátio da escola podíamos jogar!

Havia guardas que apareciam para cumprir a sua obrigação, mas outros, que bem conhecíamos, faziam-nos perseguições prolongadas. Até os “à paisana” apareciam! Outros tempos.



As raparigas tinham as suas marafonas conforme a habilidade da mãe ou familiares.
As caixas de folha-de-flandres, normalmente utilizadas em conservas de peixe, eram muito procuradas pela pequenada que as atava umas às outras, formando “vistosos” comboios, procurando-se os desenhos (marcas) mais aconselhados para o efeito. As nossas vozes procuravam imitar o mais possível o apitar.

E as canas que colhíamos arriscadamente nos canaviais vizinhos, depois de peladas a rigor, eram abertas na parte mais grossa para fazermos entrar, devidamente recortada, a cabeça de um cavalo que alguém, mais habilidoso, desenhava no fundo de uma caixa de sapatos. Com um buraco por onde passasse um fio, constituía-se a rédea do “animal”.

Com o auxílio de uma varinha (pedaço de cana mais fino) batia-se no bicho para andar mais depressa. Com uma folha de jornal, faziam-se os “bivaques” e em grupo constituíamos uma “unidade militar” de que fui o general que ainda sou!
Toda a rapaziada tinha um arco, fosse lá do que fosse e que rodávamos com o auxílio da mão, de um pau ou de uma gancheta.

Eu tinha um de madeira (!) que era todo o meu encanto, oriundo de uma antiga bicicleta de corrida. Ainda hoje tenho saudades do meu arco!

Tinha uma gancheta de arame grosso com um cabo de madeira e na extremidade a curva era coberta com um carrinho de linhas, de madeira, a fim de facilitar o andamento.
Os recados, quando fossem feitos de arco, custavam menos a fazer.

Organizávamos corridas, dirigidas quase sempre por um mais velho que estipulava as regras que todos cumpríamos. Havia um amigo que tinha um arco pesadão, de borracha. Ficava por isso, para trás, mas quando nos aproximávamos da meta e já cansados, num último esforço, embalava o dele. Parava gritando que tinha ganho pois, efectivamente, o arco passava sozinho por todos nós!

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Falemos agora dos brinquedos “comprados”, dos “a sério” e que nem todos tinham.
A aquisição era feita nas Feiras do Milagre e da Piedade. Havia dois tipos principais de brinquedos, os de madeira e os de barro. Dos primeiros lembro-me das camionetas de carga, de carros de bois carregados de pipos, das pombinhas que batiam as asas quando as faziam rodar pelo chão e dos ciclistas que ao pedalar provocavam um tilintar que nos agradava. O amarelo e o vermelho com que eram pintados, cativavam-nos surpreendentemente.

Os brinquedos de barro eram constituídos por bonecos, apitos implantados em galos, toiros e outras figuras e pífaros, estes de cor branca e listados de cores garridas.

***
Muito mais tarde as trapeiras começaram a ser substituídas por bolas de borracha e estas, muito excepcionalmente, por de couro (!) a maioria proveniente de colecções de “bonecos da bola”, grande loucura da miudagem da época. Posso mesmo dizer que ainda guardo “religiosamente” algumas dessas colecções que tanto prazer me deram efectuar.

As raparigas começaram a ter bonecas de pasta de papelão e ainda conheci algumas de celulóide.

Só agora me lembro de outro brinquedo que nunca mais vi (daquele tipo) e era bastante engraçado – o papagaio.

O Outono era a época mais propícia ao seu uso. Tive muitos que o meu pai tinha a paciência de construir e que causavam o gáudio da pequenada. A distância a que eram lançados, transformava-os em mosquitos.

Deitados do fundo da Avenida ou do recinto da escola primária, sobrevoavam o campo de futebol da União Operária, o Chã das Padeiras. A força por vezes era tanta (havia exemplares enormes) que tinham de ser atados ao muro do recinto da escola e quando o vento apertava mais, a corda partia e lá iam sem nunca mais se verem.

Hoje poucos miúdos conhecerão os “papagaios”. Recordarei que a estrutura da cabeça era feita com o atado de três tiras de cana, do mesmo tamanho e no ponto intermédio.

As extremidades eram ligadas, depois da conveniente adaptação, por corda ou fio, formando em hexágono regular que era coberto de papel de seda, jornal ou qualquer outro mais resistente, colado com cola de farinha.

Do centro e de dois vértices consecutivos saíam fios, a que se chamavam guias e se uniam num ponto comum e equidistante. Da feitura das guias dependia muito a boa ou má navegabilidade.

A outra parte era o rabo, fio comprido que partia da junção de duas guias e ao qual, a distâncias curtas, se iam atando laços de papel, terminando com molho de fitas.

O comprimento do rabo tinha de estar, naturalmente, em consonância com a cabeça para assim se estabelecer o equilíbrio necessário.

A cabeça podia tomar outras formas, menos usuais. Quando de quatro pontas, iguais duas a duas, tomava a designação de “bacalhau” e quando de oito, todas iguais, de “estrela”.

Também eu vim a construir um papagaio para o meu filho, mas agora sem sobrevoar o Moinho de Fau, mas sim Espanha, levando o alvoroço aos “espanholitos”.

Quero terminar esta MEMÓRIA DO MEU BAIRRO com a indicação do brinquedo que mais me deslumbrou, pertencente a um vizinho já crescidote e de que não me lembro do nome.
Instalado no corredor da sua casa, (1) essa sim, sei muito bem qual era, um comboio eléctrico, deixou-me para sempre fascinado e ainda hoje parece que o estou vendo a percorrer as linhas.

Vim a comprar um a meu filho... talvez para tentar tapar a frustração que tive.

NOTA
(1) – Já não existe a construção que tinha uma fachada interessante com pintura de tipo marmóreo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Efeméride Trágica - Um centenário a não esquecer - Rua 18 de Fevereiro de 1896 - uma sugestão

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE16 DE FEVEREIRO DE 1996)




A minha curiosidade de criança de poucos anos era chamada a atenção para aquela “coisa” diferente das outras que víamos nas visitas que, pela mão de nossa mãe, fazíamos às campas de familiares no cemitério dos Capuchos.

A curiosidade provocava sempre a mesma pergunta e lá vinha a explicação efectuada de maneira que pudéssemos compreender melhor.

Os anos foram passando e naturalmente a compreensão dos factos aumentou. Já não íamos pela mão, agora sabíamos soletrar e quedávamo-nos sempre frente àquele mausoléu - monumento, admirando-o na sua execução mas principalmente no significado que encerra.

Hoje continuamos a passar pelo local e paramos igualmente durante segundos ou minutos, agora sós pois a mão que nos conduzia também já repousa naquele campo santo. Não nos é possível passar por ali sem o fazer – é uma força interior que a isso nos leva – são as reminiscências de criança que, conforme os anos vão passando, mais nítidas se tornam.

Mas não era só no cemitério que se falava naquela tragédia, apesar dos anos decorridos, já que, uma tia por afinidade e a nossa insistência, nos falava e relatava o que tinha ouvido a seus antepassados, já que dois deles lá tinham perecido.

O pavoroso incêndio no Clube Artístico que deflagrou no dia 18 de Fevereiro de 1896, acompanhou sempre o nosso imaginário.

Interessará aqui e na passagem deste primeiro centenário, dar uma ideia, em traços largos, do que se passou e constituiu uma das maiores tragédias que se desenrolaram em Santarém.

Para o efeito, respigámos no que conseguimos encontrar escrito sobre o assunto, os seguintes dados.

O dia 18 de Fevereiro de 1896 era o último do Carnaval desse ano.

Durante o dia, pelas ruas da cidade havia as brincadeiras tradicionais, umas mais agradáveis do que outras: rebentavam cartuxos cheios de farinha ou outros pós, bisnagas expeliam perfumes baratos e seringas líquidos de várias origens, nem sempre recomendáveis. Batalhas com artigos de arremesso variáveis, não faltando os tremoços e saquinhos de serradura ou grainha.

A noite estava guardada para os bailes que se realizavam nas agremiações locais. No Clube Artístico juntavam-se a classe média e o operariado, gozando os seus bailes de justificada fama.

A sede da agremiação situava-se a meio da Travessa dos Sete Cantos, sinuosa e estreita ruela entre as ruas Direita e de S. Nicolau, onde existe hoje a larga Rua Guilherme de Azevedo e no local em parte ocupado pelo Hotel Central.

O alferes de Lanceiros, António Rodrigues Montez, natural de Santarém, companheiro de Mouzinho, bateu-se em Inhambane, Coolela e em Manjacaze, na luta contra o Gungunhana. No regresso à Pátria, passa no dia 28 de Janeiro na estação de Santarém onde lhe foi prestada apoteótica manifestação e em 2 de Fevereiro, na sede do Clube Artístico, é novamente homenageado por aquela associação, tendo-se procedido aos ornamentos que o caso requeria, sendo a escada de acesso ao primeiro andar com ramos de louro e outros enfeites e iluminada com tigelinhas.

Esta ornamentação manteve-se até ao dia 18 mas, apesar de ser Inverno, com quinze dias passados as ramagens secaram.

O baile iniciou-se e a animação crescia mas pouco depois das vinte e três horas ouve-se o alarme – Fogo! Há fogo!!

A confusão era enorme. As chamas irrompem da escada com grande violência, o que foi facilitado pelo seco das ramagens decorativas que ardiam facilmente.

O outro foco de incêndio localizou-se no rés-do-chão, onde existia um celeiro. Surpreendeu a rapidez com que abateu o sobrado o que causou muitas vítimas. Morreram trinta e cinco pessoas, vinte e nove mulheres e seis homens e rapazes, apesar de se terem conseguido salvar bastantes, principalmente através das janelas de onde se lançavam ou eram lançadas para a rua. Nesta missão destacaram-se o guarda da polícia António Coelho, o calceteiro Manuel António Suspiro, ambos vieram a ser agraciados e ainda Frederico Bettencourt que eu penso ter sido contador no Tribunal e ainda hoje muito lembrado, António Peixoto e outros.

Do edifício apenas restaram as paredes enegrecidas.

A rainha D. Amélia e o rei D. Carlos visitaram o local da catástrofe no dia seguinte solidarizando-se com o pesar do seu povo e acudindo aos mais necessitados.

Na inspecção feita aos escombros parece ter-se concluído que se tratou de fogo posto.

A agremiação tinha os seus inimigos e pouco tempo antes assaltaram a sede deixando no pano do bilhar escrita a palavra VINGANÇA.

A vingança teria sido a prática deste criminoso acto?

Termino como comecei:- agora que novos arruamentos vão crescendo nos arrabaldes da cidade, pensamos que não seria descabido que um deles ostentasse uma placa toponímica com os seguintes dizeres: RUA 18 DE FEVEREIRO DE 1896. Tem a palavra a edilidade.

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Correio da Extremadura de 29.02.1896
Ribatejo Histórico e Monumental, 1938, Francisco Câncio
Santarém Lenda e História, 1940, Eugénio de Lemos
“Santarém Viveu Horas de Horrível Angústia no Mês de Fevereiro de 1896”, Amadeu César da Silva, in Vida Ribatejana, nº especial de 1950, Vila Franca de Xira

domingo, 26 de abril de 2009

João António Arruda



(Publicado no Correio do Ribatejo de 3 de Março de 1995)


Resolvemos começar esta série de FIGURAS RIBATEJANAS com o fundador deste semanário que viu a luz do dia do distante ano de 1891.

João Arruda não é só lembrado por constar do cabeçalho do jornal, pelo menos uma vez por ano é feita uma referência de maior amplitude pelos directores que o seguiram, seu filho o Dr. Virgílio Arruda e pelo actual director, Bernardo de Figueiredo. Nada de mais justo.

Estas são as referências certas, mas outras aparecem, oriundas das mais variadas penas.

Por outro lado os seus artigos voltam às páginas do jornal, como acontece com os MEMORANDOS, da Dra. Rosalina Melro e “CORREIO CENTENÁRIO”, só para referir os últimos exemplos.

Começar por João Arruda tem para nós o sentido da única homenagem que lhe podemos prestar, ainda que bem simples.
***
João António Arruda, de seu nome completo, nasceu em 18 de Novembro de 1868 na Ribeira de Santarém e faleceu nesta cidade a 14 de Maio de 1934.

Dedicou sempre à terra natal acrisolado amor, mas nunca esqueceu os interesses de toda a região.

Iniciando a sua vida profissional com as maiores dificuldades materiais, como tipógrafo, imediatamente começou a ilustrar-se e foi um dos maiores autodidactas portugueses.

Aos vinte e dois anos fundou o semanário “O Santareno”, que escrevia, compunha e imprimia, isto é, fazia o trabalho que devia pertencer a uma equipa!

Em 9 de Abril de 1891 sai o primeiro número do “Correio da Extremadura” que substituiu o título anterior.

Espírito culto abordou todos os tipos de jornalismo, o que fez com muita dedicação e competência.

Percorreu grande parte da Europa e Norte de África, tendo publicado as suas impressões de viagem em livros que intitulou “Cartas de um Viajor” e “Céus de Itália”. Publicou ainda, “Através de Santarém”,

Escreveu para revista, “Marmelos de Alcorça” que versava temas locais e que obteve grande número de representações e as farsas populares “O Enterro do Bacalhau” e “A Serração da Velha”, que obtiveram êxitos espectaculares.

Vereador do Município de Santarém, administrador do concelho de Almeirim e Procurador à Junta Geral do Distrito de Santarém.

Dirigiu, até falecer, o seu jornal, por isso durante quarenta e três anos, sendo substituído por seu filho.

João Arruda foi distinguido a título póstumo pelo Chefe do Estado, em 1992, com a “Comenda de Mérito”, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

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Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971
Correio do Ribatejo de 1983.07.10, de 1986.11.21, de 1988.11.25 e de 1992.06.19.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O apodo



(Publicado no Correio do Ribatejo de 27 de Novembro de 1992)

O Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5ª Edição, esclarece:- Apodo (ô) s.m. alcunha afrontosa, motejo, zombaria.

O MEU BAIRRO começou por uma rua comprida, puseram-lhe árvores nos passeios, em canteiros hexagonais. É uma avenida.

Eu morava no 408, hoje cento e vinte e tal e quando para lá fui, mal andava. Já decorreu mais de meia centúria!



As ruas (e não avenidas) paralelas e perpendiculares começaram a aparecer. Lembro-me da construção da maioria dos prédios. Na minha rua eram quase todas casinhas de rés-do-chão e ainda não se dispensava o quintal, com muro alto, onde vicejavam meia dúzia de couves, a salsa e a hortelã. O galinheiro, feito conforme as posses e habilidade do proprietário, possibilitava os ovos e quando necessário, o matar de um “bico” para caldinhos ao enfermo.

De primeiro andar, lembro-me de dois a que assisti à construção, ambos propriedade de industriais.

A minha rua e o MEU BAIRRO constituem na década de quarenta, a parte nova da cidade, destinada ao povo. A burguesia e a “nobreza”, situava-se no lado oposto com as suas vivendas e jardins.

Começava a expansão da velha urbe, a saída das ruelas estreitas e tortuosas, da época medieval, com construções encavalitadas umas sobre as outras. A minha rua era então larga, direita como um fuso e as casas não andavam às “cavaleiras”. Por serem edifícios de rés-do-chão, relativamente pequenos e simples, chamavam ao MEU BAIRRO, de que a minha rua é a via principal, ALDEIA de uma coisa que eu não quero dizer pelo respeito que me mereciam os anciãos da minha meninice que iam aos “arames” quando lhes diziam tal!

Os macacos do velho burgo e arrabaldes, falavam era de inveja, não é verdade?
A zona rústica do Rego de Manços começava a transformar-se em zona urbana.

Com a sensibilidade de poetisa, a minha prima Anel, que nasceu e ainda vive na minha rua, agora um pouco mais abaixo, via-a assim:

POEMA À MINHA RUA

É comprida, estreita, triste
A minha rua.
Se chove, entopem-se
As sarjetas e fica nas valetas
Água,
Água porca e cinzenta
Há regatas com barcos de papel
E de calças arregaçadas molham
Os pés mirrados, aos garotos
De nariz sujo.

E quando o sol chega
Vem a miudagem da rua
Com os seus gestos malcriados
E palavras descuidadas
Ferir os ouvidos das meninas,
Mais ou menos educadas.

Mas gosto da minha rua
Mesmo quando a canalha
Joga com botões
E desenha na parede
A giz e a carvão,
Uns tantos palavrões.

Oh! Como eu gosto
Da minha rua
Com casas velhinhas,
Mal caiadas
Mal cuidadas,
Mas que me parecem
Castelos,
Dos mais lindos,
Dos mais belos!

É a rua pobre, daquela gente
Ordinária... Indecente
Mas gente
Que sobrevive, trabalha
E também sente.

É assim a minha rua
Com miúdos malcriados,
Árvores tortas a dar
Jeito
De avenida
À minha rua, estreita
Triste
E tão comprida.

Santarém, 03/01/1963

Com este poema, quase com trinta anos e que agora trago a público, que me perdoe a minha prima por esta colaboração “forçada”, termino a primeira MEMÓRIA.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A Capela de Sto. António, "Ex-Libris" de Vilgateira

(Publicado no Correio do Ribatejo de 22 de Fevereiro de 1991)


Situada no centro da aldeia, talvez tenha sido o seu pólo de desenvolvimento.

Data pelo menos do século XVII, conforme atesta o lintel da porta principalal onde está gravado o ano de 1623.

A sua existência tem sido difícil e já por várias vezes estado em ruína, chegando mesmo a ser proposta a sua utilização para outros fins.


[A Capela se Sto. António. Desenho de J.V.]

Pinho Leal dá-nos conta de um restauro efectuado em 1880, pelo povo e de iniciativa do benemérito Padre António de Carvalho. (1)

Em 4 de Janeiro daquele ano, o Presidente da Junta de Paróquia propõe que se levasse o “Sto. António” para a Igreja Matriz, onde estaria com a decência devida. O regedor Joaquim Ferreira disse que se responsabilizava pelo arranjo da capela. (2)

As obras iniciaram-se nos fins de Abril e no dia 25 levou-se processionalmente a imagem do padroeiro para a igreja matriz, onde se conservou até ao dia 14 de Agosto, data em que a capela foi reaberta ao culto.

Diz-se que ficou lindíssima e um pouco mais ampla. (1)

Às seis da tarde o prior da freguesia de Nª Sª da Várzea, Reverendo Padre António de Carvalho, benzeu-a solenemente conforme o ritual romano e na presença da Junta de Paróquia e da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Regressado o padroeiro ao seu altar, também em procissão, subiu ao púlpito o Reverendo Manuel de Carvalho que em breve e comovente prática avivou a devoção dos fiéis para com o padroeiro e agradeceu a eficaz cooperação de todos para a rápida conclusão das obras. (1)

Os festejos continuaram por mais dois dias com missas cantadas e sermões, música de igreja e de arraial pela Banda de Rio Maior e na tarde dos dois últimos dias as célebres cavalhadas. (1)

Pinho Leal ao afirmar que a iniciativa pertenceu ao Padre António de Carvalho, parece não corresponder à verdade, já que a Junta de Paróquia deliberou, em reunião (3), agradecer ao Sr. Joaquim Ferreira (Regedor) e à benemérita Comissão que o acompanhou nos esforços que empregaram para concluir a obra da “reedificação da Capella de Sto. António”.

Pelo terramoto de 1909 que assolou o Ribatejo, principalmente a zona de Benavente – Salvaterra de Magos, também ficou danificada, paredes fendidas e a ameaçar ruína.

Cinco anos depois encontrava-se novamente em mau estado e o Presidente da Junta propõe a retirada da imagem do padroeiro, pois a capela está a ruir. Adverte de que se os fiéis não a repararem, a Junta adapta-a a escola ou casa para fins diversos mas de utilidade para a paróquia.

Parece assim, deduzir-se, que “fins religiosos” não eram úteis na interpretação da Junta (Republicana).

Mas não foi desta que a capela desapareceu, pois mais uma vez surgem vilgateirenses a constituirem-se em Comissão e a evitar o seu desaparecimento. Coube essa honra a Joaquim António Montez (vulgo Joaquim da Mariana), também regedor, Joaquim Vargas e João Lourenço.


[Joaquim António Montez, vulgo Joaquim da Mariana, frente à sua casa, hoje sede dos Galitos da Várzea]

A capelinha foi alpendrada (1) mas, sofrendo novamente grande reparação em 1939, pois encontrava-se em ruína, havendo mesmo quem alvitrasse a hipótese de palheiro, substituíram o alpendre por escadaria semicircular de cimento, onde se encontra lavrada aquela data.

A fachada de bico é encimada por cruz de alvenaria e possui pequeno óculo oval que areja e ilumina o templo. Tem sineta. Porta rectangular de ombreiras e lintel de pedra lisa. Cada uma das paredes laterais possui janela gradeada.

Ao entrar, deparam-se-nos dois colunelos de pedra já carcomidos pelo tempo, sendo cada um constituído por duas peças e que suportam um pequeno coro. Debaixo deste, uma área ladrilhada.

Planta rectangular. O tecto é de madeira e de três panos. Altar de pintura marmórea. Em lugar de destaque o padroeiro com o Menino. Ladeiam-no duas pequenas imagens:- Stº Isidro e Nª Sª de Lurdes. Existiu outra que desapareceu não há muitos anos. Trata-se de uma imagem de pedra, muito antiga e representando Sant `Ana. Onde estará? (5)

A sacristia toda ladrilhada tem acesso exterior por escada adossada em cujos degraus estão integrados vários fragmentos de lápides sepulcrais dos séculos XVII e XVIII de impossível reconstituição. (6)

Estas pedras são oriundas do antigo cemitério paroquial, próximo da igreja matriz. (7)

De notar um curioso ex-voto sobre tábua (cerca de 20X45 cm) de fins do século XVIII, figurando Sto. António a aparecer a uma devota. (7)

No tosco armário uma imagem de Cristo, dois cálices e um missal de 1860. Parece-nos de interesse um grupo de azulejos soltos que talvez sejam peças do século XVII.

Tal como as restantes então existentes na freguesia a capelinha sofreu o jacobinismo dos soldados de Massena. (8)

Teve romaria muito movimentada.

Passando por variadíssimas vicissitudes, apesar disso o povo dedica-lhe estima e nas aflições “agarram-se” a Sto. António.

O altar era, e pensamos que ainda é, iluminado com azeite oferecido pelos vilgateirenses que o fazem com devoção.

Não é descabido dedicar uma palavra à memória da Sra. Maria Amália, grande devota de Sto. António que durante muitos e muitos anos foi claviculária da Capelinha, prestando-lhe toda a assistência possível:- ornamento, limpeza e promovendo peditórios para resolver algumas necessidades.

Muito recentemente por estar em obras a igreja matriz fez as suas vezes.

Inscrita na matriz predial sob o nº 189, pertence à Fábrica da Igreja Paroquial e tem uma área de 65 m2.

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NOTAS

(1)-Portugal Antigo e Moderno, 1873-1890.
(2)–Livro de Actas da Junta de Paróquia iniciado em 1873, acta de 4 de Janeiro de 1880.
(3)–Idem, acta de 14 de Agosto de Agosto de 1880.
(4)–Livro de Registo de Actas da Junta de Paróquia, nº 2, termo de abertura de 16 de Janeiro de 1908, acta da sessão de 26 de Abril de 1914.
(5)–A identificação das imagens foi feita pela Sra. Maria Amália.
(6)–Tesouros Artísticos de Portugal, Selecçõae do Reader´s Digest, 1976.
(7)-Informação prestada por António Eloi Godinho que na altura presidia à Junta de Freguesia.
(8)–Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

APRESENTAÇÃO

A criação deste blogue, confesso, não foi de minha iniciativa, mas sim das pessoas mais próximas, mulher e filho.

Ela, porque de tudo o que tenho escrito, o que sempre leu com muito interesse foram AS MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, nunca descurando os TEMAS VARZEENSES e até AS FIGURAS RIBATEJANAS, que ultimamente têm estado um pouco desprezadas por outras ocupações minhas.

Tirando estas rubricas que de vez em quando ainda vão saindo, existem escritos soltos organizados pelos mais variados motivos.

O primeiro artigo publicado foi em 22 de Fevereiro de 1991 pelo que já lá vão uns bons anos.

Se a nossa contabilidade estiver certa, contam-se 372, mas isto comparado com os meus amigos, João Moreira e Bertino Martins, é uma gota de água no oceano!

Será a altura de dizer que este blogue irá servir para “republicar” os escritos que tenho feito e foram publicados no velhinho de 118 anos, CORREIO DO RIBATEJO que se publica na cidade de Santarém.

Terão assim os possíveis interessados e de uma maneira prática, ler ou reler esses artigos, que serão inseridos como o foram no jornal, havendo apenas a alteração de algumas ilustrações novas para tornar os textos mais alegres.

Nunca fui contactado como foi a minha colega de escrita Vanda do Nascimento para escrever noutro jornal, mas se o fosse teria a mesma reacção.

A introdução no título de CORREIO é por motivos óbvios uma singela homenagem ao sempre jovem semanário onde quase aprendi a ler.

A postagem será feita por ordem de antiguidade, intercalando os TEMAS.