segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O lume

(PUBLICADO CORREIO DO RIBATEJO DE 08 DE ABRIL DE 1993)

Quando pensei pôr em prática uma “ideia” que me acompanhava há bastante tempo, pelos cálculos que fiz, as MEMÓRIAS dariam para abordar uns doze assuntos. Como podeis verificar, esse número já lá vai e os assuntos ainda não esgotaram, mas já começo a sentir o seu término.
Tem chegado ultimamente ao meu conhecimento, que as MEMÓRIAS começam a ter um maior número de leitores assíduos que “reclamam” conhecer aquelas que foram publicadas mas que não leram, por falta de conhecimento.
Veremos quantos assuntos ainda conseguiremos encontrar no sótão das nossas recordações.

***

A primeira dificuldade que encontro para o desenvolvimento do tema de hoje, começou pela escolha do título.
Qualquer dicionário indica como sinónimos de lume, fogo, luz, fogueira e clarão.
Se lume e fogo são sinónimos, na minha infância, que passei no MEU BAIRRO, ouvia sempre dizer: - vou acender o lume. Já maduro e nas voltas que a profissão motivou, na região em que mais me enraizei, ouvia dizer: - vou fazer o fogo.
Reparei que os fumadores quando necessitam, pedem lume ou fogo, conforme os seus hábitos, o uso das regiões de origem.
Entre as duas designações, optei naturalmente pela da minha origem – aquela que o MEU BAIRRO me ensinou.
Mas afinal, o que é que o lume tem para dizer ou recordar?!
O leitor é capaz de ter razão, mas eu tenho a impressão que talvez consiga despertar o seu interesse e levá-lo a concluir a leitura deste escrito que certamente não será longa. Depois, ajuizará.

***


O lume, purificador e divinizado. A sua pureza era considerada pelos Antigos como o mais nobre dos elementos, o que mais se aproximava da divindade, e como que a imagem do astro do dia.
Na antiguidade greco-romana, o fogo não se deixava apagar em cada casa. De dia mais vivo, crepitava, de noite amortecia mais e ao raiar da manhã, “limpava-se” da cinza e novamente vivificava.
Os dois meios iniciais da produção do fogo foram a percussão e o atrito.
Em fins do século XVIII os habitantes de Azinheira (Rio Maior) ocupavam-se na manufactura de pedras para isqueiros que dali saíam para todo o lado e exportavam-se para o país vizinho.
São muito variáveis as aplicações do lume (fogo) que vão desde a iluminação à preparação dos alimentos. É fundamentalmente sobre este último aspecto que nos iremos referir, aquele que na minha infância mais feriu a nossa sensibilidade.
No MEU BAIRRO, nos fins da década de quarenta, só excepcionalmente uma ou outra moradia mais modesta (e ainda conheci algumas) não possuíam luz eléctrica. Não era contudo a electricidade que fornecia o calor para a preparação dos alimentos e outras actividades do lar, como o aquecimento, o passar da roupa e outras formas de higiene e manutenção.
As refeições eram esmagadoramente preparadas no calor do fogareiro de carvão. Havia três tipos: o fogareiro feito de uma panela velha de esmalte, em que se abriam também dois ou três furos para respirar e que, com o auxílio do barro (greda), se faziam as paredes, sendo a parte superior, onde ardia o carvão, separada por pequenas barrinhas de ferro, formando grelha e os apoios, normalmente três e um pouco mais elevados, constituídos pelo auxílio de pequenas chapas dobradas.
Sempre caiados, pois além de lhe dar um aspecto limpo, possibilitava uma contextura interior mais sólida. Sempre que se acendia o lume, o combustível provocava mascarras que a cal depois tapava.
Zé U, de Alfange, dedicava-se à feitura desses “aparelhos” que vendia pelas portas do MEU BAIRRO e por outros pontos da cidade.
De sentido mais evoluído, os oleiros faziam igualmente fogareiros e também os havia de ferro fundido.
A ideia que me ficou disto, é que os primeiros que referi, além de mais baratos, eram os que davam melhor rendimento na sua utilização, pelo menos era assim que a minha mãe se pronunciava.
Estes fogareiros trabalhavam a carvão, por vezes com o auxílio de bolas (pó de carvão amassado) consideradas mais duradouras e por isso, económicas. Ateadas com carqueja ou com qualquer outra acendalha que de momento se arranjava.
Era este o meio vulgar de produção de calor para a confecção dos alimentos.
Nalgumas casas e quando o dia ou número de pessoas o justificava, havia e utilizava-se o fogão de lenha.
Em minha casa existia um de ferro, feito pelo meu avô paterno, para mim muito bonito e que recordo com muita saudade.
Foi a minha mãe que deu as medidas, pouco antes ou depois de casar. Pelas contas que faço, por alto, durou mais de trinta anos ao nosso serviço e ainda continuou noutras mãos, sabe-se lá por quanto tempo.
Possuía duas bocas circulares, caldeira de cobre, ao lado da fornalha, seguindo-se o forno com duas divisões. Na parte superior tinha um varão de metal que andava sempre muito limpo, tal como a caldeira que possuía naturalmente uma torneira. A porta da fornalha e a do forno, possuíam à sua volta um aro de ferro, achatado, que era muito bem lixado, reluzindo como um espelho.
Quem trabalhava com ele conhecia-o bem e assim podia controlar o seu calor, principalmente quanto ao forno.
Em minha casa e penso era o normal, acendia-se sempre em dias de “nomeada” (como dizia a minha mãe) Natal, Páscoa, e aniversários natalícios ou quando havia mais gente em casa. Quando estava muito tempo sem se acender, a minha mãe tomava isso em consideração, dizendo que o tinha de fazer para assim manter a sua conservação, evitando a ferrugem. Quando isso acontecia, ficávamos sempre satisfeitos. Porquê? Além da culinária ser diferente, havia sempre o aproveitamento do forno para fazer uns bolinhos que desejávamos.
Também conheci nesta altura, ainda que de uso relativamente restrito, os fogões que trabalhavam a aparas de madeira.
De “carrinho de mão”, lá ia o pai ou algum filho mais grandote à estância do “Louro” comprar uma ou duas sacas de aparas, que traziam bem cheias, até não poderem levar mais.
O fogão era de ferro e cilíndrico. No sentido do eixo colocava-se o rolo, um bocado de madeira de forma igualmente cilíndrica. As aparas iam-se espalhando à sua volta e bem batidas com um pau. Operação trabalhosa, se o fogão não ficasse bem atacado, não trabalhava, isto é, as aparas não ardiam pois o lume abafava.
O pau redondo depois de retirado originava uma espécie de canal por onde circulava o ar que alimentava a combustão. Ateado por baixo, quando trabalhava bem, punha-se em brasa.
Gostava imenso de ajudar os meus amigos a atacar o fogão de aparas.
Anos depois, a evolução trouxe-nos outro tipo de fogareiro – o a petróleo. Desapareceram quase os de carvão mas manteve-se o fogão de lenha.
Havia vários formatos de fogareiros sendo o depósito da maioria, de metal. Três suportes sobre os quais assentava uma base circular, possibilitavam o colocar da vasilha.
Existiam dois tipos de “cabeça”, os silenciosos e as ruidosas. Se as primeiras não provocavam barulho, as segundas eram mais rápidas e avariavam menos.
O álcool desnaturado enchia um pequeno reservatório que circulava a cabeça. A sua combustão aquecia-a. O petróleo, pressionado pela introdução de ar por intermédio de uma bomba, era lançado em combustão cuja chama o espalhador distribuía. O bico por onde o petróleo saía, desobstruía-se por intermédio do espevitador
Quando funcionavam bem, era uma alegria a sua utilização, mas quando avariavam provocavam irritações enormes e ... o almoço não estava pronto a horas. Lá ia eu, de fogareiro metido numa alcofa, a caminho da oficina do meu tio para se proceder à reparação. Dava-me logo outro para trazer para casa e mandava-me voltar com ele à tarde ou no dia seguinte, conforme o trabalho que tinha e a reparação a efectuar
Os fogareiros a petróleo (de que possuo um como relíquia e que já tenho posto a trabalhar para a gente nova conhecer) e os fogões de lenha vieram a ser vencidos de uma maneira quase efectiva, no MEU BAIRRO, nos fins da década de cinquenta, pelo gás de botija.

***


O aquecimento das casas era feito principalmente pela combustão do cisco (aparas de carvão) colocado em alguidares velhos ou “braseiras” feitas de folha zincada, cobre ou metal, conforme as posses. Colocavam-se estas últimas em caixas (estrados) de maneira que iam dos de forma quadrada aos oitavados.
Numa ou noutra casa já havia aquecedor eléctrico (um luxo) mas que só dava para uma pessoa e não para a família, como se pretendia e nesse tempo havia família e quase sempre numerosa, o que hoje raramente acontece. Naturalmente que este meio de aquecimento veio a desenvolver-se, juntamente com o do gás e hoje carvão, não é fácil de encontrar, quanto mais cisco! Além de sujar as casas, havia que ter cuidado com o anidrido carbónico que quando não havia cuidado, causava a sua vítima.
O passar da roupa era feito com um pesado ferro de passar que foi buscar o nome à substância de que é feito. Estes interessantes objectos, tinham pega de madeira. Além dos orifícios para estimular a combustão, atraía-nos o fecho, que em muito exemplares, tinha o feitio de um galo.
Lembro-me muito bem do primeiro ferro eléctrico que entrou na minha casa. Muito rudimentar, custou cem escudos e foi adquirido no Sr. José de Oliveira que além de barbeiro, vendia telefonias e ferros eléctricos, pelo menos. Situava-se ao lado do desaparecido Café Portugal que me traz muitas recordações.
Penso que escrevi tudo o que tinha imaginado.
Agora caro leitor, ajuíze se mereceu a pena gastar cinco minutos com esta leitura.
Afinal, tudo é muito diferente, naturalmente, do que se passa hoje. Mas é bom não esquecer o passado.

sábado, 26 de setembro de 2009

Afonso de Albuquerque

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE JULHO DE 1995)



Se há figuras que nos causam algumas complicações devido ao seu currículo ser muito sucinto, não possibilitando uma apresentação isolada, havendo necessidade de recorrer ao grupo, outras oferecem-nos “problemas” muito semelhantes mas de sinal contrário, já que são figuras nacionais, ou mesmo internacionais, com extensos dados ao dispor pelo que temos a necessidade de resumir, escolhendo, o que não se torna fácil de executar.
Está neste caso a “figura” que hoje iremos referir, o “leão dos mares” e a quem Camões chamou “terríbel”.

***
Afonso de Albuquerque nasceu na quinta do Paraíso, junto a Alhandra, entre 1445 e 1462.

Foi o segundo filho do 3º Senhor de Vila Verde dos Francos, Gonçalo de Albuquerque, conselheiro de D. Afonso V, e de D. Leonor de Meneses. Era neto e bisneto dos escrivães da puridade de D. João I e de D. Duarte, Gonçalo Lourenço e João Gonçalves de Gomide.

Fidalgo de linhagem, tomou parte na batalha do Totó (1476). Participou também no socorro enviado por D. Afonso V ao rei de Nápoles, apoquentado pelos turcos em 1480. Quatro anos depois faz parte da expedição de socorro à fortaleza marroquina da Graciosa.

Foi estribeiro-mor de D. João II. Quando este morreu, voltou a África com um irmão que aí morreu em luta com os mouros.

Regressando a Portugal, foi integrado na guarda do rei D. Manuel.

Em 1503 parte para a Índia chefiado uma capitania de três naus (a outra ia sobre o comando de seu primo, Francisco de Albuquerque) que sofreram grandes temporais mas logo que chegaram ao Oriente, obtiveram assinalados êxitos.

Não se demora muito tempo por aquelas paragens pois a 25 de Janeiro do ano seguinte regressa a Portugal começando a ser notórias as conferências secretas que tem com o Venturoso.

Em 1506 e possivelmente em resultado dessas conferências, parte novamente com destino ao Oriente, na armada de Tristão da Cunha, comandando seis velas e devia acompanhá-lo até à ilha de Socotorá.

Afonso de Albuquerque fazia-se acompanhar, secretamente, de um documento que o nomeava Governador da Índia logo que D. Francisco de Almeida terminasse o seu mandato (1505/1508). Até essa altura, tinha a missão de vigiar com a sua armada, o mar da Arábia.

Ataca e faz render Curiate, seguem-se-lhe Mascate, Soar, Orfacate e Ormuz. Aqui a peleja foi terrífica e o próprio Albuquerque sai ligeiramente ferido da refrega.

Procura então dar início e abre os alicerces de uma fortaleza nesta cidade mas não obtém o apoio dos capitães, Afonso Lopes da Costa, António do Campo e João da Nova, que se insubordinam e o abandonam.

Ficando apenas com dois navios, Albuquerque dirige-se novamente a Socotorá onde inverna enquanto os capitães com ele desavindos, vão acusá-lo ao Vice-Rei, D. Francisco de Almeida que lhe ordena a uma devassa.

As ideias do domínio do comércio no Oriente eram diferentes entre eles. Enquanto D. Francisco procurava dominar pela força naval, devendo para o efeito manter no mar poderosa armada, Afonso de Albuquerque procurava o domínio da terra com a ocupação de pontos chave e a edificação de fortalezas.

Sabendo do que se estava congeminando contra si, Albuquerque dirige-se a Cananor onde se encontrava o vice-rei.

Naturalmente que o encontro não foi amistoso (Dezembro de 1508) e Afonso de Albuquerque já conhecedor das ordens do Reino, exige a entrega do Governo o que o vice-rei recusa.

O ódio entre os dois aumenta, a devassa prossegue acabando com a prisão de Afonso de Albuquerque.

Chegou pouco tempo depois o Marechal Fernando Coutinho, com Ordens do Reino, cujo primeiro acto é soltar Albuquerque, seguindo os dois para Cochim, onde chegaram a 29 de Outubro de 1509.

D. Francisco de Almeida parte a 20 de Novembro para Portugal e Afonso de Albuquerque assumiu finalmente o lugar de Governador da Índia.

Durante o seu governo tomou duas vezes a cidade de Goa e a de Malaca, construiu a fortaleza de Calecut, foi ao estreito de Ormuz, levantou uma fortaleza na ilha de Diu e outra na cidade de Goa.

Procurou criar laços familiares entre naturais e portugueses, favorecendo o casamento de mulheres indígenas com militares e funcionários portugueses.

Lançou os fundamentos do Grande Império Português que se manteve próspero por mais de um século.

Faleceu na barra da Aguada a 15 de Dezembro de 1515, um domingo, quando regressava a Goa, depois da conquista de Ormuz, vítima da ingratidão do monarca que premiou os seus grandes serviços demitindo-o do cargo, sendo substituído por Lopo Soares de Albergaria.

Pouco antes de morrer, teria pronunciado a frase que ficou célebre:- “Mal com os homens por amor de el-rei e mal com el-rei, por amor dos homens” E morreu.
_____________________________________

Os Vice-Reis da Índia no Período da Expansão (1505-1581), José F. Ferreira Martins, 1986.
História de Portugal, Vol. V, dir. de João Medina.
Dicionário de História de Portugal, Vol. 1, dir. de Joel Serrão.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
Os Descobrimentos Portugueses, Luís Albuquerque, 1986.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O artesanato


(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 DE AGOSTO DE 1991)
Todos nós temos conhecimento da importância que o artesanato hoje pode representar para uma região.

O artesanato é o processo manual de transformação de matérias primas, para o que se exige sentido estético , habilidade e perícia e não é isso muitas vezes o que nos é apresentado nas casas ditas da especialidade.

Diz Pinho Lel np seu “Portugal Antigo e Moderno (1873-1890)” que a freguesia da Várzea é a mais rica da comarca de Santarém e uma das mais ricas e férteis do Distrito Administrativo. Se efectivamente o era, não o foi em arte popular, talvez por isso mesmo.

É muito pobre e quase inexistente o artesanato varzeense, pelo que não é fácil falar dela. Não concebíamos deixar completamente em branco este assunto na análise que temos vindo a fazer da vida varzeense e, afinal, se tivermos sentido de observação, sempre algo encontramos que mereça ser referido.

Vamos por isso assim indicar dois tipos de artesanato,um, próprio do homem, o outro, da sua companheira.

***

O homem civilizado preocupou-se sempre com a higiene, ainda que essa preocupação tenha passado por fases bem diferenciadas.

Há muito que a vassoura é utensílio indispensável em casas, pátios, jardins, quintais, palheiros, ruas, eu sei lá, em todo o lugar em que seja necessário recolher o lixo.

Hoje temos nas nossas casas vassouras provenientes de fábricas, onde predominam os materiais sintéticos, com relevância para o plástico.

A piaçaba ainda vai aparecendo, mas a palma, é raro ver-se.

Estas vassouras começaram por constituir um artesanato, mas mais tarde e naturalmente apareceu a industrialização do produto. Se ela se impôs no fabrico de vassouras para casa (interior), o mesmo não aconteceu para os grande espaços e outros de menor requinte.

Ainda hoje a rua por onde passámos estava a ser varrida com vassouras de giesta e não material sintético.

É claro que o homem para as fazer tem de recorrer ao que tem à mão, ao mais fácil de obter, tanto no aspecto de quantidade como de qualidade. Fazem-se vassouras das mais variadas plantas e arbustos por esse Portugal fora. No nordeste algarvio encontramos vassouras de tamuje e de mata-pulga, por exemplo.

O que fazia o varzeense para suprir as suas necessidades? A que recorria?

A ineixa é uma planta herbácea de pequenas flores amarelas, da família das crucíferas, a que pertencem também a couve, o nabo e o goiveiro, espontânea e muito vulgar na freguesia.

Depois de seca, o varzeense colhia variadíssimos pés que acomodava à volta de um pau, ou mesmo de um bocado de cana, formando o cabo com o auxílio de arame de fardo e antes do aparecimento deste, com corda.

A rama era ajeitada também com arame ou corda, colocada de maneira a armar a ramalhuda vassoura, de uma forma levemente achatada.

Segundo nos informaram, a vassoura só ficava em condições ideais para servir, depois de acamada, isto é, de servir uns dias.

A feitura desta vassouras, algumas bem avantajadas, era arte conhecida de todos os varzeenses, variando a qualidade com a habilidade do artista e o tamanho com a utilização que se lhe pretendia dar. Tudo varriam e consideradas insubstituíveis para separar o casulo nas eiras.

Pensamos que presentemente e devido a vários condicionalismos a sua existência deve ser muito precária.

***

Ao artesanato feminino já nos referimos muito levemente quando abordámos o tipo de habitação. (1)

Trata-se de trabalho de agulha e dedal que actua sobre titãs de diversos tecidos de molde a confeccionar cobertas (para cama e malas), almofadas, tapetes, passadeiras e até sacos.

Cortavam-se tiras que se cosiam sobre um fundo, de modo a formar figuras geométricas, onde predominavam rectângulos, quadrados e triângulos. Estes normalmente utilizados nas cercaduras.

Apareciam trabalhos interessantíssimos já que a selecção das cores e oe tipos (estampados), proporcionavam arranjos harmoniosos.

Era principalmente neste campo e na perfeição de execução que se distinguiam uns dos outros, já que as formas pouco variavam.

Constituíam, como então dissemos, o principal recheio decorativo da habitação. Lá estavam na cozinha o saco pendurado, na casa de fora os tapetes e as passadeiras, não esquecendo as almofadas sobre as cadeiras e nos quartos de cama. As cobertas, almofadas ou almofadões.

Não era arte exclusiva da freguesia, já que se estendia por outras zonas, nomeadamente pelo maciço de Porto de Mós, mantendo ainda vivo algumas, ao contrário do que aqui acontece.

Não conhecemos qualquer outro tipo de artesanato digno de referência, já que o fabrico de queijo e de pão fogem ao âmbito da nossa concepção.

É, como vedes e dissemos, muito pobre o artesanato varzeense.

Que razões poderemos encontrar para isso? Falta de matérias-primas? A existência de mercados abastecedores bem perto como acontecia coma as feiras de Santarém? Ou seria que as outras ocupações se tornavam mais rendosas? Talvez esta última hipótese e em consonância com Pinho Leal, tenha mais razão de ser.

_______________________________

Nota
(1) – Correio do Ribatejo de 12 de Junho de 1991.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A tuberculose, a sida da minha infância

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 DE ABRIL DE 1993)




Nesta vivência do MEU BAIRRO não se abordam só assuntos que nos causam saudades e que gostamos de recordar. Também existe naturalmente o outro lado. Nele, haverá assuntos que marcaram a nossa existência e que não podemos esquecer.

Já referimos a Guerra 39/45 que sentimos, ainda que não profundamente, de uma maneira que deixou marcas.

Hoje iremos lembrar com alguma amargura, outro assunto. Ainda que tivéssemos tido a felicidade de nenhum familiar próximo ter sido vítima dessa terrífica doença, apesar da nossa pouca idade, sentimos bem o ambiente que se respirava, deixando assim e também as suas marcas.

Doença infecto-contagiosa, produzida por um bacilo (bacilo de Koch) ataca sobretudo os pulmões.

Lembro-me muito bem de moradores no MEU BAIRRO serem vítimas desta então mortífera doença, para além disso, extremamente contagiosa.

Havia necessidade de evitar um certo número de contactos pelo que, apesar da nossa tenra idade, éramos constantemente alertados para isso.

Quando se dizia que fulano estava tuberculoso, o seu destino facilmente se adivinhava. Os padecentes emagreciam, apresentavam-se pálidos (macilentos) uma ponta de febre, tosse seca (tosse de cão), débeis, aparecendo por fim as hemoptises.

Quando se chegava a este ponto, era o terror, a possibilidade de contágio e alguns dos meus amigos tinham familiares doentes.

Quando havia posses, os doentes iam para o campo respirar ares puros, repouso absoluto e uma super alimentação, avultando a carne grelhada, muito mal passada, de maneira que o sangue escorresse.

Outros iam para os sanatórios, situados principalmente em lugares altos, sendo a serra do Caramulo um ponto bem marcante.

As pessoas afectadas tinham louça própria e nada podiam compartilhar com os outros. Havia uma desinfecção cuidadosa de tudo o que usavam e quando faleciam, era tudo queimado.

Lembro-me também de se ir ao dispensário fazer o “pneuma”.

Por volta de 1942 o aparecimento da estreptomicina começa a resolver os problemas e então já a grande maioria se salvava.

Aqui fica esta meia dúzia de palavras que recorda uma época difícil da nossa infância em que a doença fez vítimas em muitas famílias do MEU BAIRRO.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

José de Amorim Barbosa

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DE JULHO DE 1995)

Nos trabalhos que conhecemos e consultamos sobre figuras escalabitanas, nunca encontrámos referido este personagem que para nós foi-nos revelada pela Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
Não será uma figura notabilíssima mas o seu perfil deve ser conhecido, se mais não seja, pelos seus conterrâneos.

José de Freitas Amorim Barbosa, de seu nome completo, nasceu em Santarém no dia 2 de Abril de 1799, sendo filho de Boaventura Luiz de Freitas Amorim e de D. Maria de Jesus Nobre.

Cavaleiro da Ordem de Cristo, liberal convicto, assentou praça como soldado voluntário em 28 de Setembro de 1833, no Batalhão Nacional Móvel do Ribatejo mas pouco tempo depois é promovido a tenente.

Em 1834 serviu como ajudante o Governo Militar instalado no Cartaxo.

Sofreu duas vezes a prisão pelos ideais políticos que defendia.

António Barbosa exerceu a advocacia sendo um jurisconsulto considerado pois a sua opinião era sempre tida como muito abalizada.

Escreveu: - Memória Jurídica em que se demonstra que os Hospitais não são Corpos de Mão Morta, Lisboa, 1858; Duas Palavras à Nação Portuguesa, Lisboa, 1826; As Heranças e os Institutos Pios, Lisboa, 1860; As Principais Peças do Novo Processo de Redução da Última Vontade Contra Parte, Lisboa, etc.

Foi colaborador da Gazeta dos Tribunais, Revista Jurídica, Tribunal Popular, Revista Universal Lisbonense, Revolução, etc.

Desconheço a data do seu falecimento.
________________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O cemitério da freguesia através dos tempos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 26 DE JULHO DE 1991)




Quem ficou admirado de abordarmos este assunto? Não será o cemitério o términus da nossa vida, pelo menos no sentido da matéria? É tão importante falar deste tema como de qualquer outro que já abordámos ou que venhamos a abordar. Aliás, não é a primeira vez que o “estudamos” (1) pois uma análise mais profunda obriga-nos a estabelecer diferenças que muito têm a ver com a vida espiritual e material das gentes.

***
Com a implantação do liberalismo e por decreto de 21 de Setembro de 1835, criaram-se os cemitérios públicos, mas só em 1844, Costa Cabral faz publicar o diploma que determina ser expressamente proibido enterrar os mortos dentro de qualquer igreja ou capela da freguesia onde houver cemitério.

O cumprimento desta determinação legal não era fácil pelos mais variados motivos, repartidos pelo poder de Estado e pelas populações.

São conhecidas as revoltas ditas populares que se deram com o pretexto do não enterramento nos templos e foram necessários alguns anos para que as populações começassem a aceitar os cemitérios públicos.

Além do aspecto religioso havia também a dificuldade de encontrar os terrenos viso as autarquias não possuírem recursos para os adquirir.

Na freguesia da Várzea, como em qualquer outra, os enterramentos faziam-se nas igrejas, capelas e seus adros, com maior incidência, como é natural, na igreja matriz. Como aqui já dissemos, a igreja matriz situava-se numa várzea da ribeira de Perofilho, principal curso de água que corre na freguesia, perto da Quinta de São Martinho. Naturalmente que seria nela e no seu adro que os varzeenses encontravam sepultura – os filhos de algo, no seu interior, os plebeus, no adro.

Pelo menos nos anos cinquenta, as luzinhas provenientes do fósforo, eram muito referenciadas pelos varzeenses que passavam naqueles sítios, nas noites de Verão.

Com a ruína deste templo, que tinha por invocação, Nª Sª da Várzea, a que não esteve alheio a acção “jacobina” dos franceses, construiu-se (ou adaptou-se a antiga capela de S. Miguel) no lugar do Outeiro, nos primeiros anos da década de sessenta do século passado, possivelmente em 1863, uma nova matriz.

Passaram para aí, então, os enterramentos, efectuados no amplo adro que se preparou, entrando nele, por aproveitamento, muitos materiais do antigo templo.

A pedra sepulcral mais próxima do portal possui um brasão de armas em relevo, dos Galaches.

Para os menos jovens diremos que se trata da sepultura do avô de D. Josefina Sacoto Galache, que bem conheceram e que foi, como os seus ascendentes, proprietária da Quinta do Freixo. Segundo nos diziam, esta Senhora, quando ia à missa, a que normalmente não faltava, nunca pisava aquela pedra, como sinal de respeito por aquele seu antepassado.

Sabemos que em 1947 existia o mesmo brasão de armas num palacete da Rua Direita, em Vila França de Xira (2).



Segundo informação fidedigna recentemente prestada, em operações de reconstrução de um prédio em terrenos contíguos ao adro, quando do arrancamento de uma oliveira, foi encontrado grande número de ossadas humanas que possivelmente teriam constituído uma vala comum.

Sabemos que em 15 de Abril de 1877 a Junta de Paróquia reúne-se na sacristia da igreja e aprova por unanimidade, o Regulamento do Cemitério. Era presidente o Padre António de Carvalho (3).

Este facto parece indicar-nos que o novo cemitério, nas traseiras da igreja, e bem perto dela, funcionaria por estas alturas, ainda que à entrada se possa ver uma lápide gravado com J.P. 1892.

Ainda conhecemos este cemitério com bastantes pedras sepulcrais, pois os restos mortais de muitos não foram trasladados para o cemitério actual, pelos mais variados motivos.

Por lá passámos algumas vezes, lendo os epitáfios e temos pena de não os ter recolhido pois ajudar-nos-iam a decifrar hoje algumas situações que em nós permanecem obscuras.

Algumas dessas pedras vieram a ser utilizadas pela Junta de Freguesia nas pias para dar de beber aos animais e nas escadas da sacristia da Capela de Sto. António, em Vilgateira.

Em 5 de Junho de 1906 o Presidente da Junta chama a atenção do coveiro no sentido de manter o cemitério limpo e dois meses depois, acaba por despedi-lo.

Delibera-se por esta altura fazer uma capela e levar pedra para o local. Pretende-se terreno de 4X5 m e falar com o dono do foro que vivia na vila de Óbidos.

Pensamos que a capela não chegou a ser construída, talvez por dificuldades na otenção do terreno e só se volta a falar no cemitério após a Implantação da República, para fixar novas taxas.

Assim, os covachos, como são designados os covais, obrigam ao dispêndio das seguintes verbas:

ADULTOS – Urna, 1.500 réis, Caixão, 800 réis; e Corpo à terra, 500 réis.

CRIANÇAS – Urna, 800 réis, Caixão, 240 réis e Corpo à terra, 200 réis.

Ficavam isentos os que apresentavam certidão de miséria passada pelo regedor (4).

Em 18 de Janeiro de 1914 considera a Junta de Paróquia conveniente a construção de uma casa mortuária que pensamos também não ter sido construída, talvez pelos mesmos motivos,

Nas actas das sessões da Junta só na de 15 de Fevereiro de 1928 se volta a falar no cemitério e desta vez no sentido de se construir um novo. Foi deliberado em reunião, solicitar um subsídio e mais qualquer auxílio no sentido de construir com urgência um novo cemitério, pois o actual é insuficiente para a mortalidade da freguesia e encontra-se num local impróprio, condenado pela Lei.

O novo cemitério veio efectivamente a ser feito no Alto da Olaia, possivelmente em 1934, já que é esta a data que consta do portão de acesso.

De 1933 a 1944 a Junta se reunia não lavrava actas, daí a dificuldade em confirmar esta data.



Sempre me constou que o terreno tinha sido oferecido pelo lavrador, Guilherme Vargas, cujo jazigo de família foi o primeiro a ser construído.

Em 2 de Fevereiro de 1971 é deliberado criar um talhão para os “Combatentes” e em 6 de Setembro do mesmo ano é pedido um subsídio à Câmara Municipal para a construção de quarenta e oito gavetões que são feitos no ano seguinte.

Constou-me que recentemente o cemitério foi consideravelmente aumentado.

Ao terminar este tema não resisto à tentação de relatar um facto que desde bem pequeno ouvimos contar a nosso pai.

Indo acompanhar ao cemitério um amigo que tinha falecido em Vilgateira, ouviu o seguinte diálogo que nunca esqueceu e repetia com muito realismo, segundo pensamos.

Coveiro – Oh Fulano, queres que lhe ponha cal?
Genro do falecido – Ouve lá, tenho que a pagar?
Coveiro – Tens.
Genro do falecido – Então, “prantalalá”.

Nesses tempos. Era hábito na freguesia o coveiro faltar a este seu dever, o que a família enlutada muito agradecia, pela má impressão que lhe causava e... para o coveiro, a mesma cal era paga por muitos.

Aqui fica o que até agora consegui reunir sobre o assunto.

________________________________

Notas

(1) – “Cemitério da Vila de Alcoutim, da origem aos nossos dias” in Jornal do Algarve de 10 e 17 de Março de 1988.
(2) – “Vila Franca de Xira”, Fausto Dias, in Vida Ribatejana, nº especial de Julho de 1947.
(3) – Acta da Sessão de 15 de Abril de 1877.
(4) – Acta da Sessão de 1 de Dezembro de 1910.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Hospital de Jesus Cristo e a sua igreja

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 26.03.1993)




A MEMÓRIA de hoje é um pouco diferente das que os nossos leitores estão habituados, mas pensamos que tem todo o interesse, ainda que não haja praticamente nada de inédito.

O nosso bairro, novo como é, e fundamentalmente destinado ao povo, às classes trabalhadoras, não tem no seu interior monumento para mostrar. Contudo, o bairro construiu-se a partir da retaguarda de dois antigos conventos, o da Ordem Terceira de S. Francisco e o das Donas, que tinham sido edificados para além das muralhas do velho burgo, “em distância de setenta passos, quase a poente”, no dizer do Padre Inácio, o autor de “Santarém Edificada” e a que já nos referimos quando abordámos a toponímia.

Os dois seculares monumentos que têm sofrido variadíssimas transformações com o decorrer do tempo, são as balizas da Avenida dos Combatentes, acabando também por se poderem considerar, integrados de certa maneira no MEU BAIRRO.

Ao Hospital de Jesus Cristo, que me lembre, recorri duas vezes, por dois cortes, um, na língua (!) e o outro num pé. Nesta última situação não esqueço que foi o Sr. Manuel Machado, que foi futebolista de “Os Leões”, que me tirou do colo de minha mãe e me levou ao banco do hospital, onde me laquearam duas artérias. Já se passaram quase cinquenta anos!

***

No local da “Madalena” ou do “Sítio” existia o Palácio da Mitra (medieval) que foi o Paço dos Arcebispos de Lisboa.

Tramou-se aqui uma das conspirações contra D. João II, planeando eliminar o rei, prender o Príncipe D. Afonso, herdeiro do trono, que veio a falecer da queda de um cavalo ocorrida nas redondezas, e a subida ao trono do Duque de Viseu, D. Diogo, primo do monarca.

O rei, ao ter conhecimento da tramóia, veio a apunhalar o Duque de Viseu, seu cunhado, nos Paços de Setúbal (1484). Dos restantes conjurados, o bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, natural de Santarém e instigador da conjura, foi preso no Castelo de Palmela onde veio a morrer pouco tempo depois, envenenado; seu irmão, D. Fernando de Meneses e D. Pedro de Ataíde, foram logo degolados; D. Gutierres Coutinho, Comendador de Sesimbra, envenenado na torre do Castelo de Avís e D. Fernando de Ataíde, esquartejado.

D. Fernando da Silveira, que escapou para França, acabou por ser morto em Avinhão onde o alcançou a implacável vingança real. Isaac Abravanel, um dos mais ricos judeus da Península foi acusado de financiar a conjura e condenado à morte, mas conseguiu sair do país.

Em 1590, os frades Terceiros de S. Francisco que ocupavam o Convento de Sta. Catarina dos Olivais, no sítio das Assacaias – Saúde, a primeira casa dos Terceiros em Portugal, rogaram ao arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro, que lhes permitisse a transferência para aquele local, desejo que foi atendido e depois sancionado pelo Senado da Vila. Ocorre isto por volta de 1615.

Aconteceu que a essa transferência se opõem as Dominicanas do Convento vizinho, com base num Breve Pontifício que impedia a fundação, nas proximidades de outra mansão conventual. O processo arrastou-se por cerca de três anos pois só em fins de 1617 os frades puderam ocupar a sua casa.

Com a implantação do liberalismo, foram extintas as Ordens Religiosas em 1834 e desalojados os frades da Ordem Terceira de S. Francisco.

O Hospital de Jesus Cristo, fundado por João Afonso de Santarém e ao qual se tinham anexado, no reinado de D. Manuel, todos os outros que existiam em Santarém, em número de quinze, vem ocupar este lugar, deixando aquele em que se encontrava, ao “Canto da Cruz” e onde se encontra hoje o Teatro Sá da Bandeira.

Em 1987 o novo hospital distrital entra em funcionamento na zona de São Domingos pelo que o antigo foi desactivado. Nas instalações desenvolvem-se várias actividades no campo assistencial e de saúde.

***

A igreja chamada do Hospital de Jesus Cristo, foi fundada pelo arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro e as obras decorreram entre 1615 e 1649. Nesta última fase a cargo de Joana Coelha, natural de Cabo Verde e viúva de um capitão de Cacheu.

É de uma só nave. Fachada de “estilo chão” e disposta em três andares, duas torres sineiras laterais de base quadrangular e unidas por balaustrada.

O portal principal possui colunas clássicas. As outras duas portas, que ladeiam o portal são bastantes mais pequenas e de frontão interrompido, com volutas.

As nove janelas da fachada são decoradas por frontões, ora triangulares, ora curvos.
A capela-mor tem abóbada de meio canhão.

Algumas pinturas do século XVII.

Paredes cobertas de azulejo em branco e azul.

Na parede da capela mor está o túmulo de Pedro Escuro, companheiro de D. Afonso Henriques e por este incumbido de guardar a porta de Valada, quando da conquista aos mouros.

Diz a lenda que o alcaide mouro que governava a cidade em nome do rei de Sevilha, raivoso da derrota, promete voltar com reforços e então, pagar-se-ia. Pedro Escuro, responde-lhe: - Iedes e viredes e aqui me acharedes ou morto ou vivo.

Pedro Escuro não faltou ao que tinha prometido. Por testamento ordenou que ficasse sepultado junto à porta de Valada, onde ele próprio mandou edificar uma ermida e um hospital que se designou do “Reclamador e Palmeiro”.

Muitos anos depois é que os restos mortais do cavaleiro foram removidos para este jazigo.

Vítor Serrão classifica a Igreja do Hospital de Jesus Cristo como excelente espécime das peculiaridades arquitectónicas do “estilo chão” português, pela elegante projecção da sua frontaria, concebida em solução maneirista numa altura em que o resto da Europa se seduzia já pela ostentação do Barroco proselitista.
É considerado monumento nacional desde 1947.

__________________________________

BIBLIOGRAFIA

Vasconcellos, Padre Ignácio da Piedade e – História de Santarém edificada, 1740
Lemos, Eugénio de – Santarém. Lenda e História, 1940
Arruda, Virgílio – Santarém no Tempo, 1971
Luís Montez Matoso, historiador e jornalista, 1980
“A propósito do Paço dos Arcebispos e do que dele há a esperar”, in Correio do Ribatejo de 27.03.1987
Serrão, Vítor – Santarém, 1990

terça-feira, 15 de setembro de 2009

D. Leonor de Portugal

(PUBICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 7.7.1995)



Esta infanta, filha de D. Duarte e de D. Leonor de Aragão, nasceu, segundo uns, em Torres Novas, segundo outros, em Torres Vedras, no dia 18 de Setembro de 1434.

Pedida em casamento aos dezasseis anos para o Imperador da Alemanha, Frederico III, reinando seu irmão D. Afonso V, concedeu-lhe este um dote de 60 000 florins de ouro.

A celebração do consórcio tornava-se indispensável para o rei a fim de poder readquirir uma parte do prestígio internacional que tinha perdido pelo modo como se comportou com os tios e os primos.

O casamento realizou-se em Lisboa, por procuração, no dia 9 de Agosto de 1451 com pompa e circunstância.

As Cortes de Santarém de 1451 foram convocadas com o intuito do pedido de lançamento de uma contribuição para fazer face às despesas do casamento, o que ficou dos 150 000cruzados orçamentados.

Depois de faustosas comemorações saiu do Tejo no dia 25 de Outubro de 1451, numa frota comandada por Pedro Rodrigues de Castro e acompanhada de grande séquito.

A armada era composta por seis naus e vários navios menores tendo sido atacada pelos piratas que foram repelidos.

Chegando a Leorne a 2 de Fevereiro de 1452, o imperador mandou cumprimentá-la por altas figuras e fazê-la acompanhar até Sena, onde a estava esperando.

A comitiva seguiu depois para Roma onde os esposos foram coroados, primeiro ele de Imperador, depois a sua jovem, loira e esbelta esposa, de Imperatriz, o que foi feito pelo Papa Nicolau V.

Um dos fidalgos que assistiu à coroação, Lopo de Almeida, feito Conde de Abrantes, redigiu depois uma relação circunstanciada dos acontecimentos.

Do casamento nasceram quatro filhos, um dos quais foi o Imperador Maximiliano I, que veio a casar com Maria de Borgonha, filha e herdeira de Carlos, o Temerário e a ser pai de Filipe e avô d Carlos V.

D. Leonor, que morreu com trinta e três anos, a 3 de Setembro e ficou sepultada no Mosteiro da Ordem de Cister, na cidade de Neustadt, era muito estimada pelos alemães.
_____________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão
História da Europa, Vol II, João Ameal
História de Portugal, dir. J.H. Saraiva, Publicações Alfa
Dicionário da História de Portugal, dir. de Joel Serrão
Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Edições Alfa

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os Trajes

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 19 DE JULHO DE 1991)



[Antigo cavador da Várzea de Santarém. Foto cedida por Luís Fontes]

Quem se debruçar sobre o passado de uma região, mais ou menos circunscrita, nunca pode deixar de ter em consideração a maneira de vestir e calçar das suas gentes.

O seu conhecimento ajuda-nos a compreender melhor a região, desde a maneira de ser do seu povo aos trabalhos que então executavam.

Não vou apresentar aqui um estudo sobre o assunto, primeiro porque não tenho conhecimentos para isso, segundo porque não é esse o sentido do “escrito” e por último porque tem este semanário colaboradores verdadeiros especialistas na matéria que aliás têm com frequência tratado do assunto com propriedade.

Pretendemos sim, dentro das nossas modestas possibilidades, dar continuação a temas da vida varzeense que temos vindo a abordar e como tal não podíamos fugir a este.

É nesse sentido que aqui estamos.

***
A maneira de vestir e calçar esteve sempre ligada à actividade desenvolvida e ao meio em que ela se exerce.

O minhoto não traja como o alentejano, por exemplo, nem a mulher dos campos do Sorraia como a transmontana.

As diferenças são muit6as, desde as formas, passando pelos materiais e mesmo as cores.

Nesses tempos, era quase tudo feito pelas próprias pessoas ou por artesãos locais.

O desenvolvimento dos trabalhos agrícolas e artesanais com a introdução de novas tecnologias, a abertura de novas vias de comunicação e o aparecimento de novos meios, vieram estabelecer igualdades e paralelismos então inexistentes.

Hoje, a fábrica que produz camisas ou sapatos fá-lo para venda em todo o País e mesmo no estrangeiro. Chegam a todos os locais quase ao mesmo tempo.

Se o trabalho manual está reduzido ao mínimo possível, a maneira de trajar deixa naturalmente de se impor, por desnecessária.

Reparar que as grandes feiras anuais que se realizavam por todo o país, estão em completo declínio a favor dos mercados mensais que começaram a proliferar – mercados de um dia e não feiras de oito ou quinze, é a resposta dos novos tempos. Não mais o homem pode esperar um ano para adquirir o que necessita. Tudo naturalmente mudou.

***
Por volta dos finais da década de cinquenta e princípios da seguinte, dos nossos dias, ainda era possível ver na freguesia homens com os seus trajes característicos, ainda que o número já não fosse significativo, aparecendo muitos casos com desvirtuamento.

Na freguesia da Várzea não havia uma maneira própria de trajar. O varzeense trajava como qualquer outro homem do “Bairro de Santarém”.

Assim, usava calça à boca-de-sino, faixa, camisa branca e barrete ou chapéu de aba larga. As mulheres vestiam blusa, saia de pano grosso, pequeno avental (o seu luxo) garridamente bordado ou enfeitado com rendas e lenço de ramagens graciosamente posto na cabeça.

Nos trabalhos de campo, o calçado para ambos era de couro, ensebado para se conservar e cardado ou brochado para mais durar.

Para mim, e de todos que conheci, era o meu vizinho José Calhariz (localmente Calharizo), o que vestia mais genuinamente.

Quando o conheci, já estava bem entrado na idade, pelo que, entregou as fazendas ao genro e já não trabalhava.

Era uma figura meã, seco de carnes, a calça muito justinha, caindo sobre o atacado da bota cardada, a aba, o que fz lembrar, pelo recorte, a boca de um sino e daí, segundo pensamos o nome. Jaqueta bem justa.

Quando por ali estávamos, por volta das dez da manhã, contendia connosco. Dava um saltinho, muito característico para vencer a pequena regueira junto de sua casa e lá ia ao seu mata-bicho, que não dispensava.

Quando jovem, contava-nos a nossa mãe, dançava muito bem o fandango.

Com o seu desaparecimento, e já lá vão cerca de trinta anos, o nosso eleito passou a ser, José Ulisses (localmente Lícias), que nos lembramos muito bem ver enrolar a cinta preta que não dispensava, tal como o barrete.

Também não nos esquece o seu cumprimento ou agradecimento de barrete na mão.

Por estas alturas, havia mais homens ainda a cumprir a tradição já em franco declínio. Hoje, tudo acabou e se os jovens querem conhecer como vestiam os seus bisavós, terão de reparar num rancho folclórico de danças e cantares do bairro de Santarém, mas nem todos servem para observação.

domingo, 13 de setembro de 2009

Infante D. Luís



(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14.07.1995)


O quarto filho de D. Manuel e de sua segunda mulher, D. Maria, nasceu em Abrantes no dia 3 de Março de 1506, numa altura em que a corte tinha abandonado Lisboa, fugindo à peste que grassava na capital.

Cedo deu o infante provas de inteligência e dedicação ao estudo, tendo como mestre, entre outros, o sábio Pedro Nunes que lhe ministrou, Aritmética, Geometria e Filosofia, considerando-o um bom aluno.

O Infante D. Luís era de meã estatura, loiro e de bem parecer, bem disposto e prazenteiro no falar, galante no vestir, como o descreve Damião de Góis.

Além disso, era arguto, cauto e com um certo engenho literário e musical.

Acompanhou-o no estudo ministrado por Pedro Nunes, D. João de Castro que foi o 13º Governador e 4º Vice-Rei da Índia.

Condestável do Reino e fronteiro-mor da Comarca de Entre-Tejo e Guadiana, por carta de 16 de Novembro de 1521.

Foi o 5º Duque de Beja, Grão-Prior do Crato por carta de 10 de Março de 1529, pertenceu à Ordem de S. João de Jerusalém; Senhor das vilas de Covilhã, Seia, Almada, Moura, Serpa e de Marvão e dos concelhos de Lafões e Besteiros.

Era príncipe extremamente estimado no paço mas também pelo povo que lhe queria sinceramente pela sua jovialidade, franqueza e inteligência, o que contrastava com o feitio do rei D. João III, seu irmão e que parece não gostar da popularidade do irmão e tenta sempre contrariar os seus planos.

Apesar disso, foi considerado colaborador muito próximo do rei, juntamente com a rainha-mãe, D. Catarina e pelo Conde de Vimioso e de Castanheira que o aconselhavam na governação.

D. Luís era pessoa a quem os cristãos-novos recorriam para moderar o fanatismo de D. João III.

Fundou o Mosteiro de São João da penitencia das Religiosas Maltesas, na vila de Estremoz, para ser habitado por fidalgos pobres.

D. Luís desejava ir à Índia mas apesar de se mostrar à altura do comando dos portugueses naquelas terras do Oriente, o rei recusou-se a nomeá-lo o que naturalmente o Infante não gostou.

Entretanto, em 1530, Carlos V pede auxílio a Portugal para a expedição que ia empreender contra o corsário Barbaroxa, visto este ter-se assenhorado de Tunes e Argel, dominando o Mediterrâneo.

D. João presta efectivamente o auxílio solicitado enviando uma esquadra de vinte caravelas, duas naus e o galeão S. João, “o Botafogo”, considerado o melhor navio da época.

D. Luís pretende comandar a frota mas o rei, mais uma vez, a isso se furta, nomeando para o efeito, António de Saldanha.

Devido ao facto, o infante sai secretamente de Évora, onde a corte se encontrava e dirige-se a Barcelona, sendo recebido por Carlos V que o cumula de gentilezas, dando--lhe lugar na expedição. É então que o rei se vê obrigado a enviar carta ordenando a António de Saldanha que o infante fosse de todos obedecido durante a jornada, como se fosse ele próprio, rei.

D. Luís governando o Botafogo, com 366 peças de bronze, cortou a fortíssima cadeia de ferro que atravessava o porto de Goleta, dando entrada à frota e obrigando o corsário a fazer-se ao mar, onde a batalha lhe seria mais desfavorável, cumprindo assim a sua missão o que originou largo agradecimento de Carlos V.

Em 1534 são-lhe outorgadas as rendas e o senhorio de todo o termo de Beja. Foi protector de arquitectos, escritores e sábios e o fomentador do gosto renascentista.

Dedicaram-lhe obras vários vultos das nossas letras, como Gil Vicente, Sá de Miranda, Lourenço de Cáceres, D. João de Castro e mesmo o mestre sábio, Pedro Nunes.

O infante teve várias vezes o matrimónio negociado mas nunca concluído, vindo a morrer solteiro.

Estiveram nestas condições, Maria Tudor, então princesa, Cristina da Dinamarca, a sobrinha D. Maria que veio a ocupar o trono de Parma e a princesa Edviges da Polónia. Este último casamento negociado por Damião de Góis, foi considerado inoportuno por D. João III.

O Infante deixou contudo um filho legitimado, de Violante Gomes (a Pelicana), judia de rara beleza que se fez cristã e professou no Mosteiro de Almoster, onde veio a morrer. D. António que foi Prior do Crato como seu pai, foi pretendente ao trono de Portugal após a morte do Cardeal-Rei, seu tio.

O Infante D. Luís adoeceu na vila de Salvaterra de Magos, de onde foi levado para Lisboa, falecendo no dia 27 de Maio de 1555, ficando sepultado no Mosteiro de Belém.
_______________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão
História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão
O Mosteiro de Almoster, P. Joaquim Luís Batalha, 1975

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Lembrando o Dr. Silva Pereira no 110º Aniversário do seu Nascimento

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 05.07.1991)



Deixámos nas páginas deste jornal (10 de Maio de 1991), uma pequena biografia deste poeta varzeense quase desconhecido dos seus conterrâneos.

De um poeta, tem-se sempre algo mais para dizer, já que são sempre personalidades ricas e controversas.

Mas hoje, não é nesse campo que vamos entrar. Pretendemos apenas recordá-lo no seu aniversário que passa amanhã, dando a público um poema intitulado, ECOS DISTANTES, no qual o poeta, além de mostrar o seu valor literário, revela mais uma vez o grande apego ao lugar onde nasceu.


[Casa onde nasceu e faleceu o Dr. Silva Pereira. Foto JV]

ECOS DISTANTES

Vós, meninas dos meus olhos,
Aprendestes a chorar, a chorar,
Com a fonte de água fria
Que mansamente corria
Junto à casa em que eu nasci!

A chorar,... a cantar,...a rezar...
Que singular e estranho hino,
Murmurado, noite e dia!

Mas aquelas eram frias,
E vós sois quentes, requentes,
Lágrimas minhas dolentes.

Ah! mas quem me dera ali,
Quem me dera ser menino,
Junto à casa em que eu nasci!

E os rouxinóis e carriças,
Junto à fonte, junto ao rio,
Pelas quintas pequeninas,
Cantavam, ao desafio,
Te-deuns solenes e missas,
E vésperas e matinas!...

Foram estes os missais,
Por que eu aprendi,
A rezar, a cantar, a chorar,
Quando eu era pequenino,
Junta à casa em que eu nasci.

Correrá inda a fonte,
Ou ter-se-á secado o monte?
Terá caído a casa em que eu nasci?
Existirá o quadro em que eu sonhava d’antes?

Como tudo fica longe!
-Tristes ecos, já distantes,
Duma vida que eu vivi...

Ah! que saudades eu tenho
Da casa pequenina em que eu nasci!

Mas, não, não quero ver-te mais!
Que vendo-me nascer, sendo o meu berço,
Quiseste um dia ser o inverso:
- Foste e na minha ausência, a tumba de meus pais!


A fonte que abastecia a povoação, correndo mansamente, o seu murmúrio, noite e dia!, sempre o desejo (encoberto por vezes) de voltar à casa em que nasceu; os rouxinóis e as carriças que por ali ainda saltitam, com o seu cantar ao desafio; as quintas (tão características da freguesia) e o sentido religioso, sempre uma constante.

O terror que o invade ao admitir a fonte seca, a casa arruinada.

Sempre a saudade, a distância a que se encontra...

Nos quatro últimos versos, é o choque de posições, tão próprio dos poetas!

Aqui fica este poema, inédito segundo pensamos e escrito há mais de cinquenta anos! Mais uma vez a memória do poeta que nos perdoe o atrevimento.

Pensamos que possuindo a freguesia um grupo cénico, não seria descabido que nos seus espectáculos fossem ditos alguns poemas deste conterrâneo, principalmente aqueles em que lugares da freguesia se possam rever. Para mais, temos o grupo orientado no aspecto artístico por um senhor que muito bem dizia e que certamente continua a dizer, poesia, o que facilitava a possível escolha e preparação de um elemento que muito pode aprender com Nuno Neto de Almeida.

É uma sugestão que aqui deixamos.


[Actual estado da casa onde nasceu o Dr. Silva Pereira. Foto JV, 2009]


Pequena nota

Os textos aqui publicados são a cópia fiel dos que foram publicados no Correio do Ribatejo. Muitas vezes as ilustrações não são as mesmas pelos motivos mais variados, como neste acontece.
Ficam assim os nossos leitores alertados para o facto.

JV

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Grande Guerra 1939-1945

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 18.03.1993)

Como vai distante a segunda conflagração mundial mas que a minha memória infantil registou com profundidade, ainda que, como não podia deixar de ser, sem grande ligação entre os assuntos.

Como me lembro das senhas do racionamento da mercearia e do pão, pelo menos!

Pequeninos rectângulos destacados na aquisição dos produtos mas que não sei explicar em pormenor pois na altura também o não sabia.

Havia imensa dificuldade ou até impossibilidade na aquisição de determinados produtos, como acontecia por exemplo com o açúcar e o azeite.


Não havia açúcar para adoçar o café e quem o quisesse beber, ou fazia-o sem açúcar ou chupava rebuçados como acontecia em minha casa, para tirar o “amargo” do café!
Se o açúcar fazia falta, muito mais fazia o azeite. Indispensável na alimentação do homem do mediterrâneo. O pouco que se conseguia, era exclusivamente utilizado onde não podia ser substituído, e mesmo assim, em quantidades diminutas. Os preços eram extremamente especulativos!

Em minha casa eram cinco pessoas. Recordo pedir pão a minha mãe e ela não o ter para me dar visto nas padarias não lhe venderem mais e o da candonga ser a preços incomportáveis para a bolsa familiar.

Mesmo os endinheirados nem sempre conseguiam adquirir o que necessitavam, não por falta de dinheiro mas sim por falta dos produtos.

Lembro-me de o meu pai arranjar açúcar a preços elevados para um familiar pois a sua bolsa não suportava tal preço. Também faz parte da minha memória o auxílio de um tio que devido à sua profissão, percorria o país e ia trazendo o que podia dos sítios por onde passava na sua actividade. Quando trazia azeite, era uma festa!

A minha mãe dizia muita vez:- se isto se mantém por muito tempo, morremos todos de fome.

O gado cavalar era na altura um meio de transporte ainda importante. Lembro-me de o meu pai comentar em casa a remonta efectuada, pois era necessário prover o exército de mais gado.



Havia um vizinho no MEU BAIRRO que era industrial de transportes pelo que tinha duas ou três camionetas que trabalhavam a gasogénio (gás pobre) por falta de outros combustíveis melhores. A minha memória de criança regista um cano situado atrás da cabina por onde era expelida grande fumarada proveniente da combustão.

Também foi possível aperceber-me, apesar da tenra idade, das discussões entre “germanófilos” e “aliados”.

O meu pai comprava de vez em quando “O Século” para ir acompanhando o desenrolar dos acontecimentos. Habituei-me a conhecer Winston Churchill que descobria em qualquer reportagem fotográfica que o englobasse. Era o meu ídolo que designava por “Chucha”!
Vinte e cinco anos após o armistício, fui “prendado” com uma lata de cinco quilos de açúcar pilé, armazenado naquela altura e que surpreendentemente ainda estava em boas condições de utilização.

Que jeito tinha feito se o tivesse recebido vinte e muitos anos antes!

É pequena esta MEMÓRIA mas para nós trata-se de uma das mais significativas.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

João António da Costa e Andrade

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 30.06.1995)



[Pórtico do Convento S. Francisco, Santarém]


Outro santareno nascido em 18 de Novembro de 1702.

Exerceu a actividade de advogado na sua terra natal.

Publicou as seguintes obras: - Crisol Seráfico (à cerca da 3ª Ordem de S. Francisco), Conversação Erudita (sobre o terramoto de 1755) e Elogio do Sr. Sebastião Xavier da Gama Lobo.
Desconhece-se a data da sua morte.
____________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Frei Luís da Ascensão

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 30.06.1995)

Nasceu em Santarém em 1579 e faleceu no dia 28 de Abril de 1669, este religioso franciscano que professou no Convento de Santa Maria da Arrábida onde foi mestre de noviços.

Era homem virtuoso e zelador vigilante da pobreza evangélica nos mosteiros da sua Ordem, tendo sido prelado em quase todos.

Foi duas vezes definidor e uma provincial, cargo para que foi eleito em 4 de Dezembro de 1649.

Deixou manuscrito: Notícia da Fundação e Progressos da Província de Santa Maria da Arrábida.

[Convento de Santa Maria da Arrábida]

____________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Martim Anes

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 30.06.1995)


[D. AFONSO V]


Este mestre pedreiro de Santarém foi nomeado em 1474, por D. Afonso V, mestre das obras da vila em substituição de Afonso Pires que havia sido demitido por irregularidades que cometeu.
Sendo positivo o seu trabalho, veio a ser confirmado no lugar, por D. Manuel, em 1496, funções que desempenhou até 1504.
Por ser já velho, veio a ser substituído por Pedro Nunes, sendo-lhe contudo mantida a sua tença o que demonstra e atendendo à época, que era artista apreciado.
____________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O futebol

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 12.03.1993)


Entre os anos quarenta e cinquenta dos nossos dias, o descanso semanal circunscrevia-se ao domingo e mesmo assim, não era para todos.

Como ocupá-lo? Ouvir o relato de futebol feito pelo Domingos Lança Moreira ou por Amadeu José de Freitas, na telefonia da taberna mais próxima e que estava suficientemente alto para se ouvir bem na rua.

Numa ou noutra casa, já havia telefonia, e quando vinham ouvir o relato para a porta, os vizinhos aproveitavam.

Como não podia deixar de ser, de um lado os sportinguistas, do outro os benfiquista.
Nestes tempos não havia dinheiro para se ir ver os clubes da sua simpatia a Lisboa, como alguns anos depois veio a acontecer, mesmo ao estrangeiro. Por vezes havia, tal como agora, grandes discussões entre os mais ferrenhos. Era o tempo dos violinos, do Moreira e do Chico Ferreira, este que ainda vi, depois de se ter retirado, fazer uns jogos nos “Leões”, onde jogou algumas épocas o seu irmão António, que era o capitão da equipa. Entre os “leões” e as “águias”, metia-se um “pastel de Belém” ferrenhíssimo adepto do Clube da Cruz de Cristo.

Outros simpatizantes do futebol viravam-se para os jogos locais, havendo nessa altura dois agrupamentos de futebol sénior, o Sport Grupo Scalabitano Os Leões e o Sport Grupo União Operária (vulgo Operário) já que o Grupo de Futebol Empregados no Comércio (vulgo Caixeiros) e a Associação Académica de Santarém ou abandonaram a prática do futebol ou deixaram de ter essa categoria, e o Sport Lisboa e Santarém e “Os Treze”, tinham desaparecido completamente.

Os adeptos, como é natural, dividiam-se por uma e outra equipa. Os Leões, jogavam do estádio Alfredo Aguiar e o Operário no Campo Chã das Padeiras.

Os “dérbis” locais desapareceram quando os Leões jogaram vários anos na 2ª Divisão Nacional, o que nunca aconteceu ao grupo Operário. Os Leões estiveram mesmo a um passo da 1ª Divisão, o que nunca aconteceu ao União de Santarém, produto da fusão entre os dois clubes.

Neste período de diferença entre os dois grupos, a rivalidade aparecia quando se encontravam na categoria de juniores.

Tive o prazer de ser interveniente nesses prélios e no primeiro que disputei, os nervos eram tantos que quando me equipei, tive dificuldade em atar as botas! O jogo disputou-se no Estádio Alfredo Aguiar e na segunda-feira seguinte estive a contas com um professor que tinha assistido ao jogo e era adepto da equipa minha adversária, pois resolveu chamar-me para avaliar os meus conhecimentos. Afinal não era isso que estava em causa, o que ele queria era “mandar umas bocas” por causa de uma ou duas jogadas em que entrei mais rijo! Afinal, “ele” tinha ganho o jogo e folgadamente.

A miudagem do MEU BAIRRO nesses tempos, se os pais não eram adeptos do futebol, como acontecia com o meu, ia bem cedo para a porta dos campos e pedia a quem passava se podia entrar com ele. Já conhecedores da situação eram por vezes eles que nos chamavam para esse efeito e assim assistíamos a todos os jogos.

Lembro-me de uma vez me ter visto aflito ao entrar no Estádio Alfredo Aguiar pelo referido sistema. A avalanche era tal que sentia estar a ser esmagado pelo que tive de gritar o mais alto que pude – foi então que o meu protector e alguns homens que estavam perto conseguiram com muita dificuldade fazer um pequeno círculo que me deixou um pouco mais desafogado.

Tratava-se de um jogo de passagem de divisão, da 2ª para a 1ª. Se a memória não me atraiçoa, era entre o Elvas e o Oriental, que a equipa de Lisboa teria acabado por vencer.

Lembro-me bem do Sr. Leonel da Trindade Pinto, já falecido (vulgo Leonel Padeiro) ter uma grande bandeira do “Operário”, clube da sua simpatia e de que foi dirigente. Foi também grande entusiasta da columbofilia.

***
Viveram nesta época no MEU BAIRRO muitos praticantes de futebol que atingiram nível local ou mesmo nacional. Indicarei os que me vierem à MEMÓRIA, alguns já desaparecidos.

Jogaram em grandes de Lisboa, Octávio, Faustino e Cardoso que treinou várias vezes os Leões e o Operário e era considerado um bom técnico para a época, mas que nunca abraçou o profissionalismo.

Manuel Machado, José Pereira (vulgo Zé Catorze) e o extremo direito Lima, homens da terra que defenderam as cores dos Leões. Baptista, um profissional ex-Benfica, defesa e marcador de grandes penalidades.

O treinador Artur Quaresma, ex-jogador internacional de “Os Belenenses” também aqui viveu na Rua 2º Visconde de Santarém, enquanto treinou os Leões.

Do Operário, passou depois para os Leões, Miguel, um dos melhores guarda-redes que Santarém teve e que jogou até bastante tarde, Martinho, Fernando Pê e Lobato.

Madeira, treinou muitos anos os juniores da Académica.

Fernando Fontes (guarda-redes), os Torgais (José, Carlos e João) e José Aguiar (Zezinho) formaram outras gerações.

Muitos mais ficarão por referir.

Em escrito próprio, voltaremos ao futebol para recordar a grupo popular que na minha juventude se formou no MEU BAIRRO.