quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Piropos e coisas mais...

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 8 DE JANEIRO DE 1999)

[Interessante habitação de paredes forradas de azulejos e situada na Avenida do Meu Bairro. Foto JV]

Durante os passeios higiénicos que faço depois do jantar, caminhando tranquilamente pelas ruas da cidade em que resido, cruzo-me com muita gente, incluindo jovens, muitas vezes em grupo, quando a noite começa a cair e em maior número na época estival.

É frequente ouvir algo das suas conversas, já que o tom de voz é elevado, desinibido e esfuziante. Mau sinal era se a juventude não fosse irreverente!

Temos sempre tendência para pôr em paralelo o que agora existe com o que se passava nos nossos tempos. Não era melhor nem pior, era naturalmente diferente.

Havia mais paternalismo, mais “tabus” e muitíssimo menos poder económico.

A família era um todo, gravitando à volta do então chefe de família, o braço que angariava um salário baixo, que o cônjuge, além do desmedido trabalho caseiro (cozinhando, lavando, cosendo, etc.) tinha de administrar.

Mas... andando.

Na minha juventude os rapazes faziam grupos e a sua linguagem, ainda que livre, era comedida. As raparigas, quando muito, juntavam-se duas a duas.

Hoje, os grupos são mistos e o palavreado é muito mais claro e incisivo, fazendo gala na linguagem mais chocante, o sexo feminino (talvez em tentativa de afirmação) com predominância dos fedelhos de catorze, quinze anos, quando não menos.

No meu tempo havia genericamente um certo respeito pelos “grandes”, A sua aproximação motivava o alerta para o mais distraído e no sentido de haver moderação na linguagem. Se saía alguma mais forte, havia logo uma reprimenda feita por qualquer um, em voz alta, funcionando como o pedir desculpa ao venerando passante.

Na altura o contacto familiar era intenso - pais, filhos e muitas vezes avós. Não havia dispersão, havia um todo. Quando se sentava um à mesa, sentavam-se todos e só em circunstâncias raras e muito especiais sem o agora extinto chefe de família.

Se os velhotes não viviam com os filhos e continuavam nas suas residências, a assistência que se lhe dava era a mais intensa possível, sendo a mulher (filha ou nora) a responsável por mais esta árdua tarefa em que os homens colaboravam, segundo as regras, só em situações muito especiais.

Os avós constituíam o símbolo do trabalho, das boas maneiras, da honestidade. Os que ainda tinham alguma vitalidade, ajudavam os filhos na criação dos netos. Hoje, é tudo diferente. As crianças aos três, quatro meses vão para amas e depois para infantários. As mães não as podem ter junto de si já que têm de ir trabalhar fora para ajudar o orçamento familiar. Quando não existe a necessidade monetária, impõe-se a realização pessoal. Depois, dá-se o reverso da medalha, são os filhos que têm a necessidade de ir depositar os pais nos albergues ou lares como agora é costume chamar.

Afinal, estou a afastar-me daquilo a que me tinha proposto abordar.
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Na minha juventude estava na moda o piropo, galanteio ou madrigal de intenção lisonjeira, chegado à rua e muitas vezes deturpado pelos seus praticantes, chegando mesmo a cair no ridículo e no impropério.

Parece que o piropo teria origem nos grandes salões aristocráticos e que a pouco e pouco foi extravasando, chegando à rua, com as adulterações próprias de quem o maneja. Em consequência, o piropo foi também utilizado para o homossexual com um sentido de “crítica” e ultrapassou limites, caindo na ofensa como já referimos.

[Antiga e interessante habitação (hoje em ruínas) da Avenida do Meu Bairro]

Praticado pelo homem, como na altura não podia deixar de ser, eram os jovens os seus maiores utilizadores, ainda que os melhores piropeiros estivessem no homem feito. Eram das suas bocas que saíam oportunos e pronunciados num bom tom de voz. Estes, muitas vezes obrigavam a um leve sorriso da destinatária. Aceites com naturalidade, por vezes a corte iniciava-se com este sistema, dando origem ao namoro e casamento.

Tudo era motivo para o piropo, mas constituíam alvo preferencial o corpo da mulher e onde se destacavam os olhos, pernas, seios, etc.

Era certo que as moças da minha juventude evitavam passar perto de um grupo de rapazes no sentido de evitar o piropo.

Havia os piropeiros originais e os que se limitavam a reproduzir os que ouviam aos outros.

Dizia-se nesse tempo que mulher séria não tem ouvidos pelo que só em situações muito excepcionais havia uma retaliação. Era frequente, além de um leve sorriso e do baixar do olhar, um rápido “corar”.

O piropo dirigido a determinadas figuras locais era lançado com sentido provocatório visto o lançador saber de antemão ir receber a resposta adequada, por palavras ou acções o que originava muitas vezes e atempadamente “dar à sola” para evitar confusões.

O piropo, pelo menos o de rua, com o decorrer dos tempos foi entrando em desuso e há muito que está praticamente extinto. Pensamos que isso teve lugar devido à cada vez maior aproximação do sexo, cada vez a mulher è mais “homem” e o homem mais “mulher”. Cada vez a mulher desempenha mais funções que na altura eram exclusivas, mesmo por lei, dos homens e o homem já vai fazendo coisas que noutros tempos eram consideradas exclusivas da mulher.

Por outro lado o muro interposto entre o homem e a mulher foi ruindo a pouco e pouco e hoje um simples tijolo os separa.

A lei, procura a igualdade mas a realidade ainda é (até quando?) outra.