(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 18 DE OUTUBRO DE 1991)
Aqueles que têm seguido o desenvolvimento destes “temas”, já próximo do seu final, estranham de ainda não nos termos referido ao principal templo da freguesia, que afinal também será o seu mais representativo monumento, o que aliás é vulgar acontecer por essas freguesias rurais do País.
Não se trata de um esquecimento, como agora se prova, Já nestas páginas a aflorámos
(1), mas cabe hoje referi-la tentando dizer tudo o que nos foi possível obter, com a convicção de que nem tudo está dito.
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A igreja que tem por invocação Nª Sª da Conceição da Várzea, matriz da freguesia, situa-se na extremidade nordeste da mesma, num outeiro, pelo que vulgarmente a designam por Igreja do Outeiro.
Larga escadaria de dez lanços, onde têm pousado gerações de noivos, no cimo da qual se erguem duas colunas de alvenaria com trabalhos de argamassa, rematam um muro, dando acesso a amplo adro, todo murado, antigo cemitério e construído com base em materiais da anterior e demolida igreja paroquial.
A passadeira que nos leva ao portal é empedrada toscamente e rematada por três pedras sepulcrais, possuindo a última, em baixo relevo, o brasão de armas dos Galaches (2).
Numa das outras, ainda se nota a palavra Mafarra, pelo que o sepultado deve de estar relacionado com aquela quinta.
[Portal. Foto JV, 2005]
A sua fundação é do século XIX, erguida, segundo se crê, sobre as ruínas da antiquíssima ermida de São Miguel (3), à qual já nos referimos (4).
No século XVI há referências a uma Nª Sª do Outeiro e em 1875 fala-se numa propriedade perto da igreja matriz, intitulada “o facho de São Miguel” (5).
Tal como agora se chama com frequência Igreja do Outeiro, talvez nessa altura a ermida de S. Miguel também fosse conhecida por Nª Sª do Outeiro, devido à sua localização.
Lê-se que a antiga igreja matriz teria sido demolida cerca de 1860 (6).
Em pedra colocada numa das colunas que dão acesso0 ao adro e posta recentemente a descoberto, pode ler-se a seguinte inscrição: - IRMANDADE DO S.S. – 1863.
Parece-nos de admitir esta data como a da construção do adro e fundação da matriz.
É um templo de singelo aspecto arquitectónico, de empena de bico, torre sineira atarracada (7), de secção quadrangular e de três olhais, na qual foi colocado em 1 de Janeiro de 1971 um relógio, oferta do Tenente-Coronel Fonseca Guedes e esposa, naturais desta freguesia (8).
A igreja mede desde o arco cruzeiro até à porta principal, 25,5 m. e de largura, 6,2 m. (9)
[Capitel do portal]
O portal é decorado com duas colunas jónicas que se prolongam em pináculos sobre a pequena arquitrave (7).
De uma só nave, coberta por tecto de madeira de três panos; nas paredes corre um silhar de azulejos do tipo padrão do século XVII, de tipologia invulgar, desenvolvendo um motivo de maçaroca em pintura verde, azul e amarelo, com figurinhas quase profanas de anjos, num conjunto de belo efeito decorativo (7).
Sobre a porta principal está o coro assente sobre duas colunas de cantaria lavrada com capitéis da mesma ordem (9).
A capela-mor tem cerca de 25 m2 e uma campa rasa com a seguinte inscrição:- ESTA SEPVLVRA QVEEIS HE DO PADRE IOM LVIS ELE PEDE A QVEM PARA ELA OLHAR HUM PADRE NOSSO O QVEIRA AIVDAR 1646 (9).
Esta campa parece ter vindo da antiga capela de S. Miguel, uma vez que apresenta uma data muito anterior à indicada para a edificação da igreja.
O trono e o retábulo são detalha dourada.
[Altar. Foto JV, 2008]
O corpo da igreja possui mais quatro altares laterais, sendo um deles do lado da epístola, dedicado a Nª Sª da Graça. Esta imagem é de pedra e denota grande antiguidade, julgando que é oriunda da antiga igreja matriz. Gustavo de Matos Sequeira, considera-a quinhentista (10). Tem de altura, 0,98 m.
Na sacristia um painel sobre tela de autor desconhecido (Se. XVII), muito deteriorado, figurando Cristo crucificado e rodeado de religiosos jesuítas. (7)
No presbitério admira-se um raro tapete de Arraiolos do início do séc. XVIII (7), medindo 4,33 X 4,10 m.
Pinho Leal informa no seu conhecido dicionário que é um templo muito bem conservado, asseado e com todos os paramentos e alfaias necessárias para o culto divino, sendo uma das freguesias mais religiosas do distrito de Santarém.
Sabemos que em 1899 o tecto ameaçava ruína e constituía um verdadeiro perigo para os fiéis que concorriam aos ofícios divinos. Foi pedido um subsídio ao cofre da “Bulla da Santa Cruzada” e proposto obter o restante por subscrição entre as pessoas mais abastadas e piedosas. (11)
Inscrito na respectiva matriz predial sob o nº 882 tem uma área coberta de 237 m2 e descoberta de 1132. A sacristia tem 17,2 m2 e a torre sineira, 11,70.
O que acabámos de escrever sobre a matriz varzeense, há muito que estava feito, muito antes das obras de restauro que beneficiou por volta de 1987. Daí o seu desajustamento à situação actual, ainda que, no decorrer dos trabalhos a ela nos abeirássemos no intuito da avaliarmos as alterações efectuadas.
Depois da conclusão, não tivemos oportunidade, por variadíssimos motivos, de a visitar, já que, quando o fizemos, encontrava-se fechada.
Não conhecemos por isso bem o assunto.
Dizem-nos que a obra se efectuou por estar a ruir o tecto e quando se lhe tocou, outros sectores se sentiram agravando-se a situação.
Exteriormente, a mudança da configuração da fachada não a prejudicou, já que manteve inalterável o portal, conjunto de valor artístico.
Substituíram a simples janela que iluminava o templo por um nicho (dizem que oriundo do seu interior, com uma imagem.
Parece-nos que um óculo circular ou elíptico, protegido por grade de ferro forjado, não destoaria, pelo contrário, e além de iluminar, arejava o templo.
A área da igreja foi aumentada, não sabemos se por vontade própria, se por a parede lateral ameaçar ruir. Igualmente desconhecemos o que aconteceu ao silhar de azulejos a que oportunamente nos referimos. Se foi destruído, lamentamos profundamente o facto, já que constituía um dos motivos artísticos de maior valor da igreja.
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Aqui contraíram casamento os meus pai há sessenta e quatro anos. Aqui recebi o sacramento do baptismo há cinquenta e três.
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NOTAS
(1)– “Porquê Freguesia da Várzea”, nº de 22.03.1991.
(2) – Trata-se da sepultura do avô de D. Josefina Sacoto Galache, madrinha de D. Isabel Rodrigues Casqueiro que nos prestou a informação.
(3) - Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.
(4) “As dez capelas que possuía nos começos do Séc. XIX”, in Correio do Ribatejo de 16.08.1991.
(5) – Acta da Sessão de 30.04.1875, da Junta de Paróquia.
(6) – Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(7) - Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, 1976.
(8) – Acta da Sessão de 21.12.1970, da Junta de Freguesia.
(9) – Portugal Antigo e Moderno, A. S. B. Pinho Leal.
(10) – Inventário Artístico de Portugal, Lisboa, 1949, Vol. III, pág. 96.
(11) – Acta da Sessão de 30.04.1899, da Junta de Paróquia.