quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ferreira Gordo

Alhandrense que viu a luz do dia a 19 de Março de 1758, pensando-se ser filho de outro alhandrense, Manuel Ferreira Gordo, que foi desembargador da Legacia e a quem foi imposto a suspensão perpétua de advogar, tendo estado preso na Torre de S. Julião da Barra, pelas suas ideias liberais.

Joaquim José Ferreira Gordo, de seu nome completo, formou-se em Direito, recebeu o grau de doutor em 20 de Julho de 1783 e era bacharel em Cânones pela Universidade de Coimbra.

Foi presbítero, sendo monsenhor da Patriarcal de Lisboa e pertenceu ao Conselho da Rainha D. Maria II.

Sócio da Academia Real das Ciências. Bibliotecário - mor da Biblioteca Nacional de Lisboa.

Notável bibliófilo, organizou uma biblioteca de obras antigas portuguesas e espanholas. Por encargo da Academia, esteve em Madrid a estudar manuscritos referentes a Portugal, o que originou que publicasse Apontamentos para a História civil e literária de Portugal e seus domínios, coligidos de manuscritos, assim nacionais como estrangeiros, que existem na Biblioteca Real de Madrid; na do Escorial e nas de alguns senhores e letrados da corte de Madrid.

Escreveu também um livro sobre as Ordenações Manuelinas e Filipinas e dispersas ou extravagantes, publicado em 1792 e que teve nova edição, revista e aumentada em 1829.
Publicou igualmente a Memória sobre os Judeus em Portugal, obra consultada e citada por Alexandre Herculano, englobado na História e Memórias da Academia.

Nunca esqueceu a sua terra onde passava o pouco tempo que os seus afazeres lhe permitiam, interessando-se por tudo o que lhe dissesse respeito, apoiando com a sua influência as aspirações locais.

Pesquisou a sua história, deixando um manuscrito que se encontra na Biblioteca Pública de Lisboa e que intitulou de Memórias da Vila de Alhandra.

Ferreira Gordo expôs por escrito várias reclamações do povo de Alhandra num memorial que enviou a D. Francisco Rafael de Castro, “Principal da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa, reformador e reitor da Universidade de Coimbra e membro da Regência de Portugal em 1807, quando a família real retirou para o Brasil.

Camilo Castelo Branco, publicou em Noites de Insónia uma carta de Ferreira Gordo acerca da quotização dos académicos para o busto ao Duque de Lafões.
Faleceu em Lisboa aos 27 de Abril de 1838.


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Dicionário Bibliográfico Português, Inocêncio Francisco da Silva, 1858.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

"Um alhandrense ilustre - Joaquim José Ferreira Gordo, por Álvaro de Oliveira Pais, in Vida Ribatejana, nº Especial, 1965, p. 94.

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, nº 1, Anos de 1937/40.

"Alguna Valores da Província do Ribatejo", Octávio R. de Campos, Vida Ribatejana, nº Comemorativo dos Centenários da Fundação e Restauração de Portugal, Julho de 1940.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os partos

Surgiu há dias no meu pensamento, esta MEMÓRIA DO MEU BAIRRO. Veremos se lhe consigo dar sequência, com princípio, meio e fim, estrutura indispensável para poder ser apresentada aos nossos leitores.

Há três ou quatro dias passei pela minha cidade, depois de longa viagem, desta vez não tive tempo de passar pelo MEU BAIRRO de que continuo a ter saudades, dei uma pequena volta pela cidade, comprei uns livros, estive no “Correio” para um cumprimento rápido, obtive informações sobre alguns comentários que as MEMÓRIAS fazem chegar à redacção e tem graça que os poucos amigos que visitei na minha fugaz passagem, todos referiram as MEMÓRIAS como leitura que não lhes escapa e alguns só muito recentemente “conheceram” o José Varzeano, seu modesto autor.



Bem, deixemos este pequeno arrazoado que apareceu esporadicamente para abordarmos mais uma MEMÓRIA.

A adjudicação da empreitada de arruamentos e alcatroamento do MEU BAIRRO, ocorreu em 1941. Eu devia ter dois, três anos quando para lá fui morar e lembro-me perfeitamente de ser asfaltado o último troço da minha rua, a avenida que nessa altura não tinha saída, o que só veio a acontecer depois de ter deixado o MEU BAIRRO.

Como se vê, não nasci no MEU BAIRRO mas quatro dos meus sobrinhos ali viram pela primeira vez a luz do dia. Dois, na Avenida dos Combatentes, outro na Rua 2º Visconde de Santarém e o quarto na Rua Frei Gaspar do Casal. Infelizmente um faleceu bem jovem e os restantes já ultrapassaram a casa dos cinquenta. Só uma ficou ligada a Santarém onde exerce a sua actividade profissional.

Há cinquenta anos ainda se nascia em casa apesar de haver bem perto o hospital a que quase ninguém recorria. Quando abordei a Memória “A Doença”, referi a relação entre doente e hospital.

Já então existia uma maternidade no Hospital Jesus Cristo e a que recorriam as grávidas de menores recursos. Exerciam a sua actividade em Santarém, nessas alturas, várias enfermeiras - parteiras, devidamente diplomadas. Já não estávamos na época das “curiosas”. As parturientes já eram acompanhadas clinicamente. Na “hora”(era fundamental ter uma boa hora, como então as pessoas experientes diziam) familiares e vizinhas davam o seu apoio e o marido ou outro familiar próximo despachava-se a ir chamar a parteira, já que os telefones eram bem poucos - um luxo da época, a que hoje se opõe o “português - telemóvel”.

A parteira lá vinha toda apressada e quando necessário recorria-se ao aluguer de um automóvel, cuja praça se situava no centro da cidade, no vulgo Largo do Padre Chiquito.

De uma maneira geral as coisas decorriam com normalidade e o parto efectuava-se com maior ou menor dificuldade. Contudo, quando as coisas se complicavam, chamava-se um médico que tivesse nome nessa arte.

Já eu era grandote, no pátio do Sr. Leonel Padeiro, um parto começou a complicar-se e chamaram um médico que quando chegou, já a criança tinha nascido. A minha mãe que como vizinha prestou o seu auxílio, comentava sempre que o médico para justificar o dinheiro que ganhou, limitou-se a dar banho ao bebé e com muito pouco jeito!

[Pátio de Leonel da Trindade Pinto (vulgo Leonel Padeiro)]
Quando nasceu a minha sobrinha mais velha, tinha eu nove anos. Estava ansioso para ser tio, pois a parteira, de que ainda me lembro do nome, vem com a menina nos braços e põe-na no meu colo, pois estava sentado numa cadeirinha. Agarrei-a de tal maneira que não a queria dar a ninguém ! Foi o primeiro colo que conheceu e sem ser seu padrinho, na igreja, quando a mãe pensava que a madrinha tinha escolhido o nome e a madrinha pensado precisamente o oposto, eu, com os meus nove anitos não me fiz rogado e alvitrei um nome que a madrinha, que era minha tia materna, logo aproveitou. Era o nome de uma miúda com quem brincava e de quem gostava.

No mesmo dia e bem perto, nasceu outra menina que vim a habilitar para o exame de admissão ao liceu e à escola técnica.

Tudo mudou. A medicina e a obstetrícia evoluíram muito. Equipas especializadas mantêm-se em trabalho contínuo e assim dá-se a concentração de meios. É mais fácil nascer na ambulância do que em casa !

Certamente que alguns dos meus leitores dirão:- Eu ainda nasci no MEU BAIRRO, é verdade, como as coisas eram e como são agora !

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Salinas Caiado

Médico natural da Golegã de seu nome completo, José Salinas Caiado.
Exerceu clínica na cidade da Figueira da Foz onde desempenhou as funções de subdelegado de saúde, médico escolar e professor de higiene no Liceu Dr. Bissaia Barreto.
Foi conservador do Museu Arqueológico “Dr. Santos Rocha”. Também daquela cidade.
Colaborou em várias revistas literárias e científicas e foi um intrépido defensor da sua terra adoptiva onde faleceu no dia 14 de Agosto de 1938.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Joaquim Franco

Joaquim das Neves Franco teria nascido na Golegã por volta de 1793.
Oficial de engenharia, onde atingiu o posto de coronel, tomou parte na Guerre Peninsular, sendo condecorado com a medalha desta campanha e a comenda da Ordem de Avis.
Sócio da Academia das Ciências de Lisboa, foi professor da Escola do Exército.
Faleceu em 28 de Janeiro de 1854 e deixou escrito:- Ensaio sobre minas militares. Escripto segundo a doutrina dos melhores auctores, para instrucção dos discípulos da Eschola do exercito. - LISBOA - 1844.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Dicionário Bibliográfico Português, Inocêncio Francisco da Silva,1858

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O pau

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 9 DE FEVEREIRO DE 2001)


Já se passaram oito anos sobre a publicação do que tinha sido o meu último TEMA VARZEENSE e foram mais de cinquenta!

Considerava então difícil voltar ao assunto devido a vários factores que para o caso não interessa especificar. Referia a falta de abordagem de muitos assuntos, entre os quais o jogo do pau. Como se poderá pensar, não aconteceu um enriquecimento sobre o assunto, principalmente a nível local e o que conheço, faz parte (ainda) da minha memória e transmitido por minha mãe. É evidente que ainda existem varzeenses que conheceram factos semelhantes aos que irei referir e muito mais daquilo que vou dizer mas... se não ficar escrito irá deturpar-se e perder-se com o decorrer dos anos.

Um PAU, feito a partir de uma vara de madeira rija, era robusto sem ser demasiadamente grosso, com alguma flexibilidade e de madeira que a sua altura chegasse à altura da boca do seu utilizador. Próprio o homem de vida campesina, tomava também o nome de VARAPAU, CACHAPORRA, TIRA-TEIMAS, MARMELEIRO e outros, alguns deles utilizados conforme as circunstâncias.

Fazendo parte da indumentária de muitos homens, funcionava principalmente como arma de defesa de pessoas e animais, havendo mesmo quem tivesse o seu PAU domingueiro que utilizava em alturas especiais. Foi muito utilizado na freguesia da Várzea e mesmo em todo o “Bairro”.

Muitas vezes feito de marmeleiro, daí uma das designações, obedecia a um tratamento que não sei especificar com rigor mas que passava pela época própria da colheita, escolha, vara aprumada não muito grossa e com muitos nós.

Além do marmeleiro, arbusto vulgar na região, utilizava-se igualmente a laranjeira, a oliveira e o buxo.

Passava pelo fogo para largar a “pele”, sofrer enquanto quente qualquer pequena correcção no sentido de ficar mais aprumado, sendo envolvido em cal.

Os nós eram à navalha pacientemente abaulados e alisados. Um PAU sem nós, não tinha qualquer valor. Além da configuração apresentada, a estrutura mostrava-se mais rija e consistente. Todo ele ficava com uma cor amarelada ou acastanhada e penso que era bastantes vezes passado com um pano embebido em azeite no sentido de o alisar e lustrar.

A parte mais grossa, a que tocava no chão, encontrava-se muitas vezes ferrada, isto é, embutiam-lhe pequenas peças de metal, ferro ou chumbo.

Como é de calcular, o pau domingueiro era o mais lustroso, o de melhor porte, o mais elegante e eficiente.

Nas actividades campestres, o PAU era um precioso auxiliar, ajudando a transportar cestos ao ombro, por exemplo e nas mais variadas circunstâncias. De pernas cruzadas, o homem a ele se arrimava para descanso momentâneo. Além disso, os mais destros manejadores tiravam a sua licença de caça e os coelhos tinham que se pôr a... pau!

Na segunda década do século passado, a freguesia da Várzea rondava os dois mil habitantes que se ocupavam quase totalmente na actividade agrícola, tendo como fundo a cerealicultura e a produção de azeite. A actividade era intensa e a deslocação à cidade só tinha lugar em situações muito especiais, sendo as feiras da cidade, do Milagre e da Piedade as alturas preferidas pelas trocas comerciais que havia necessidade de fazer Também as feiras de gado (mercados) tinham os seus cultores mesmo que não tivessem gado para vender ou comprar. Bebiam um copo, apercebiam-se dos negócios (aprendendo) e ficavam com uma ideia dos preços praticados. Se o homem do “Bairro” englobava de uma maneira geral o PAU na sua indumentária , ao que se dedicasse ao gado então constituía uma obrigação. Nessa altura, a junta de bois era o tractos da época e poucos a possuíam para lavrar as suas glebas e nos pachorrentos carros, de chiadeira característica, por eles puxados, transportavam os sacos de cereal e a palha que iria alimentar os animais no ano seguinte. Estes pequenos proprietários trabalhavam para os outros à jorna, fazendo os mesmos serviços.

A vida de então fazia-se na própria freguesia e nos dias de descanso, domingos e dias santificados, além do cumprimento das práticas religiosas, os homens juntavam-se nas suas aldeias ou vizinhas, nos estabelecimentos comerciais que eram mistos e onde bebericavam copos de vinho ou de aguardente.

Ou por copito a mais ou por qualquer outro motivo, por vezes, desenvolviam-se zaragatas e como os varapaus estavam sempre presentes, não era raro aparecerem cabeças partidas, suturadas no consultório do médico que na altura exercia clínica na freguesia.

Numa ocasião, por volta de 1926, um dos homens mais temidos pelo manejo do PAU, foi rodeado por opositores que só assim o conseguiram vencer e mesmo nessa situação, não era fácil. O médico encontrava-se em Lisboa onde se tinha deslocado acompanhando um doente, naquele tempo era assim. Chegado o sinistrado, de cabeça aberta e informado da ausência do clínico, não arredou pé solicitando à filha do médico que normalmente o auxiliava nestas situações, que pusesse mãos à obra. Meia hesitante, acaba por aceder e inicia o trabalho dentro das suas limitações.

O valente varzeense, mordendo num lenço para aguentar a dor, e dando coragem à pseudo-enfermeira, ia dizendo:- cosa, cosa ... e os pontos lá iam saindo ! Entretanto, teve de largar o doente para acudir ao namorado que tinha desmaiado ao assistir àquele trabalho!
Florindo da Costa Paulo, o varzeense de que estamos falando e que conheci relativamente bem, era um homem de rija têmpera. De figura meã, mas bem entroncado, as suas mãos calejadas, funcionavam como tenazes. Tez queimada pelo sol, na face arredondada saltavam grandes e vivos olhos e chamavam a atenção, a forte barba, em forma de matacões.

Vestindo à homem do “Bairro”, nunca dispensou o varapau, que o acompanhava para todo o lado, mesmo no ocaso da vida.

Outro episódio que a minha memória ainda não desvaneceu, é o seguinte: Sendo consta, devido a um namoro mal sucedido, os rapazes de uma freguesia contígua, receavam vir aos bailes de Vilgateira, pelo que deixaram de os frequentar até que um dia e por que o período já ia longo, um grupo resolveu pôr cobro à situação e acompanhados dos seus varapaus, apresentaram-se no baile onde dançaram até altas horas, como era hábito, decorrendo tudo dentro da normalidade.

Quando o baile estava prestes a terminar, os rapazes da aldeia que entretanto se tinham organizado, desapareceram como por encanto.



O grupo “invasor” ao regressar à sua aldeia foi surpreendido pelos “ofendidos”, tendo-se desenrolado grande contenda, com enorme alarido e as consequências esperadas.

Consta-me que se as relações eram más, ficaram muito piores e durante muitos anos não houve casamentos entre habitantes das duas aldeias.

Na minha juventude e em férias, desloquei-me algumas vezes a tal aldeia, a pé, com um ou dois amigos e se não sentíamos hostilidade, havia pelo menos desconfiança.

Anos depois, tudo estava diferente e hoje, poucos se lembrarão destes desaguisados.

O manejo do pau requeria muito treino e habilidade, havendo regras como em qualquer outro jogo que os contendores de uma maneira geral respeitavam.

Em Portugal conheceram-se três escolas, a Galega ao norte, a do Ribatejo e a de Lisboa.

Além do já referido, conheci outro bom jogador de pau que se chamava Pedro Ferreira e faleceu aos quarenta e nove anos. Apesar da grave doença que o vitimou, via-o sempre abordoado ao seu varapau.

É muito pouco o que fica sobre o assunto que abordei, mas se algum jovem varzeense ler estas linhas, certamente que ficará surpreendido pois nada disto conhecia.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

José Relvas de Campos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999)


Pai de Carlos Relvas e consequentemente avô de José Relvas a quem já nos referimos.

Teria nascido na Golegã em 1791 e aí faleceu no dia 27 de Dezembro de 1865.

Lavrador e benemérito. Homem pobro e inteligente, activo e empreendedor.

Recebia no seu palácio, com franqueza e cortesia, todas as pessoas notáveis quando passassem pela sua terra.

Mesmo a Família Real ali foi recebida várias vezes.

O povo elegeu-o deputado e os poderes de então procuraram elevá-lo à categoria de Comendador, Conselheiro, Barão e Visconde, títulos que rejeitou.

São estes os elementos que nos foi possível compilar.

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"A Vila da Golegã e o seu termo", Albertino Henriques Barata, Correio do Ribatejo de 11 de Março de 1977

domingo, 8 de agosto de 2010

Frei Cristóvão de Almeida

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999)



Natural da vila da Golegã onde nasceu em 1620.

Professou com dezoito anos no Convento dos ermitas de Santo Agostinho, na cidade de Évora.

Doutor em Teologia, Mestre da sua Ordem e nomeado pelo príncipe regente, D. Pedro, bispo coadjutor do Arcebispado de Lisboa, dignidade em que foi confirmado com o título de bispo de Martyria.

Faleceu nas Caldas da Rainha no dia 26 de Outubro de 1679.

Foi considerado um dos mais eloquentes oradores que subiram ao púlpito, com aplauso universal.

Era elegante e erudito na oratória.

Escreveu: Sermões - em quatro tomos saindo o I em 1673 e o último em 1686 e História do Capuchinho Escocez - 1667.

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Dicionário Bibliográfico Português, Inocêncio Francisco da Silva.

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.

sábado, 7 de agosto de 2010

A misse

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE JUNHO DE 2004)



Será que desta vez consigo escrever a MEMÓRIA que há muito me anda na cabeça?

Há cinquenta ou mais anos também havia misse no MEU BAIRRO, mas o significado do termo nada tinha a ver com o de hoje. A eleição era feita à boca fechada, ainda que notoriamente o resultado transpirasse para o exterior.

A verdade é que havia no meu bairro uma jovem que todos, ou quase todos, velhos e novos consideravam a mais bela. No sexo masculino, o resultado era de uma maneira geral, consensual, no oposto, de vez em quando havia uma ou outra opinião contrária, colocando este ou aquele “defeito”afinal o que valorizava a “eleição democrática”.

Morava relativamente perto de mim e quando era já uma senhora, era eu um miúdo. Vivia numa vivenda das poucas existentes no MEU BAIRRO. Filha única, sendo os pais funcionários públicos. Além de elegante e feições correctas, tinha gosto para se vestir e havia algum poder económico. Nunca me esqueci de um vestido às ramagens, verdes e amarelas que a tornava, na minha apreciação de rapaz, ainda mais bela. Era viva, espirituosa, andava com elegância, pisando bem o chão. Quando eu fui para o liceu, andaria ela nos últimos anos.

Quando apareceu com namorado, foi acontecimento no bairro! Para mim, e lembro-me bem, foi uma desilusão - fosse quem fosse, nunca seria merecedor de tão grande beldade, era isto que pensava o rapazeco de onze, doze anos que eu teria na altura, se a memória não me falha.

O namoro deu casamento e a prendada menina acompanhou naturalmente o marido para a capital onde penso terá feito toda a sua vida.

Os pais continuaram vivendo na sua vivenda, no MEU BAIRRO. Primeiro partiu ele, depois ela e não há muitos anos, segundo me consta.

A bonita menina continua a utilizar a casa que era dos seus pais, onde foi criada e certamente se sente bem. Penso que seja já septuagenária e pelo menos, avó babada. Consta--me que não perde a leitura destas modestas croniquetas, que parece apreciar, reconhecendo e lembrando-se deste miúdo. À volta de cinquenta anos que não a vejo - só possuo a imagem que ficou, tanto dela como do marido e pais.

Ela que me perdoe a sua utilização para uma MEMÓRIA DO MEU BAIRRO mas efectivamente para mim e grande parte dos moradores de então, é sempre UMA MEMÓRIA agradável de recordar. O seu marido que me desculpe de não gostar dele para seu namorado mas eu, naquela altura, não gostaria de ninguém, ninguém a merecia!

Parece mentira, mas é verdade:- Ainda hoje desconheço o seu nome - só sei o hipocorístico! Possivelmente não serei só eu.

Estou convencido que, qualquer morador no MEU BAIRRO, do meu tempo, que ler esta MEMÓRIA, saberá de quem estou falando.

Minha Senhora, muita saúde, muitos anos de vida. As netas são parecidas com
a avó?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

José Relvas

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 26 DE NOVEMBRO DE 1999)



José Carlos Mascarenhas Relvas, nasceu na Golegã no dia 5 de Março de 1858, mas foi à vila de Alpiarça a que deixou o seu nome mais ligado pois nela viveu os últimos anos e faleceu em 31 de Outubro de 1929.

Político, um dos mais destacados vultos do regime republicano.

Foi eleito membro do Directório do Partido Republicano Português no congresso realizado em Setúbal, em 1909.

Este Directório foi incumbido de realizar a revolução, tendo cabido a José Relvas, com Magalhães Lima, a missão de esclarecer alguns governos da Europa e de sondar acerca das suas posições perante a eventualidade de se implantar a República no nosso País.

Procuraram igualmente dissuadir o governo britânico de qualquer veleidade de intervenção a favor do monarca português.

Foi um dos dirigentes do Partido Republicano que advogou com maior convicção a via revolucionária para derrubar a Monarquia, enfileirando sempre na ala do radicalismo político.

Combateu a Monarquia com energia e aprumo, principalmente durante o “franquismo”.

Coube-lhe a honra de, na varanda da câmara Municipal de Lisboa, pelas 9 horas da manhã de 5 de Outubro de 1910, proclamar a implantação da República.

Fez parte do Governo Provisório, sobraçando a pasta da Fazenda. Foi o autor da reforma monetária de 1911 que possibilitou a estabilidade da nova moeda, o escudo, até 1918, sendo normalizado as contas públicas que a administração monárquica tinha deixado em estado caótico.

Deputado às constituintes, foi a primeira pessoa a ser convidada para candidato à eleição do primeiro presidente constitucional da República, convite que declinou.

Foi ministro de Portugal em Espanha.

Após a tentativa monárquica de voltar ao poder, preside em 1919 (de 27 de Janeiro a 30 de Março) ao Conselho de Ministros, acumulando a pasta do Interior.

Depois, abandonou a actividade política, retirando-se para o seu palácio na Quinta dos Patudos, em Alpiarça.

Dedicou grande parte da sua vida ao desvelado culto da arte, coleccionando preciosidades: quadros a óleo dos melhores autores nacionais e estrangeiros, tapetes de Arraiolos (uma das melhores colecções existente da especialidade), esculturas, faianças, porcelanas, leques e outras obras de arte.

O palácio, que tem a traça do arquitecto Raúl Lino, constitui, com o seu recheio, um autêntico museu.

O artista - lavrador legou ao povo de Alpiarça, representado pela sua Câmara Municipal, a Casa dos Patudos com todo o seu recheio e Quinta e dispôs que, com o seu rendimento fossem aí construídos três pavilhões para velhos inválidos e para educação de crianças.

Sobre ele, escreveu Manuel Teixeira Gomes: "O José Relvas não pôs ao serviço da República somente a sua inteligência, dedicação e trabalho, pôs também o seu nome, o prestígio da sua origem fidalga, a experiência do trato social, a sua fortuna (...)
Formado pela antigo Curso Superior de Letras, foi autor de O Direito Feudal - conferência sobre Questões Económicas, tendo as suas Memórias Políticas sido publicadas em 1977 e que encerram documentos preciosos para a história da 1ª República".

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Dicionário da História de Portugal, Publicações Alfa

Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro
Dicionário da História de Portugal (Dir. Joel Serrão)

História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão.

História de Portugal, Dir. de João Medina.

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.

“A Vila da Golegã e o seu termo”, Albertino Henriques Barata, in Correio do Ribatejo de 11 de Março de 1977.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Dr. Miguel d`Ascenção, médico e democrata

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DE FEVEREIRO DE 1992)
[Aos 46 anos]

Nasceu na cidade de Évora a 26 de Maio de 1880.

Após o curso liceal, feito em Portalegre, dedica-se ao ensino particular em Estremoz, onde casa bem jovem.

Não se libertando da ideia de ser médico, resolve abalar para Lisboa onde se matricula na Escola Médica.

Fá-lo, afirmando à mulher que, ou era médico ou dava um tiro na cabeça.

Sem dispor de suficientes apoios monetários familiares, inicia uma vida cheia de dificuldades; estuda quando pode nos livros dos colegas e dá explicações para manter a família. Conta sempre com a solidariedade dos colegas, um grupo dos quais retirava da sua mesada uma quota para o colega que dela não dispunha.

O seu estudo não podia ser organizado, havia primeiro que angariar como podia o sustento da família. Só depois para ele se virava e mesmo assim não só o podia fazer quando lhe emprestavam os livros.

[Em jovem]
Nos primeiros anos alguns colegas, sentindo a sua falta de preparação, perguntando-lhe se sempre ia fazer exame ao que ele respondia que não tinha outra alternativa. Com grande capacidade de trabalho e inteligência, em pouco tempo punha as matérias em dia e obtinha êxito. Para o fim, quando algum fazia a mesma observação, ouvia-se logo outros dizerem:- Tomaras tu passar com a nota que vai obter. E assim era.

Apesar de tantas dificuldades, consegue vencer, licenciando-se em medicina sem perder qualquer ano.


Inicia o exercício das suas funções na Vila de Veiros, concelho de Estremoz, mas por sugestão do seu amigo, Guerra Semedo, farmacêutico em Santarém, vem exercer funções para o partido médico que tinha sede em Vilgateira e abrangia as freguesias de Várzea, Romeira, Azóia de Cima, Abitureiras e Azóia de Baixo, vago pela saída do Dr. Alberto de Sousa.

A primeira receita que encontrámos registada no livro competente da Farmácia Mendes (1), é passada em 24 de Janeiro de 1914 para aquele que veio a ser seu amigo e compadre, António Luiz Jacinto, proprietário e negociante.

Foi extremamente proveitosa a sua abnegada acção durante a epidemia “pneumónica”, trabalhando de dia e de noite.

Hábil parteiro, era frequentemente chamado para actuar em situações complicadas, em locais distantes para os meios de comunicação da época. Improvisava a “marquesa” para poder actuar, mandando tirar uma porta que colocava sobre bancos.

Causou polémica os tratamentos que realizou, com êxito, pelo método do Dr. Assuero, numa sala do antigo Hotel Luzitano, em Santarém.

De um recorte incompleto de jornal (2) que nos chegou às mãos, transcrevemos:- “ A aglomeração de doentes que desejavam ser tratados era tal que foi necessário distribuir, a cada um, um bilhete de entrada pela respectiva ordem numérica.

[Doente com a muleta às costas]
Foi tratada em primeiro lugar, uma pobre mulher de nome Júlia da Graça, do lugar do Grainho, 51 anos, e que há mais de vinte se achava tolhida com reumatismo gotoso. Submetida ao tratamento e com enorme pasmo dos pre3sentes, recuperou imediatamente as suas forças. Seguiram-se Justina da Conceição, de 19 anos que sofrendo de igual doença ficou também curada; Manuel Fitas, taberneiro, 60 anos, paralisia do braço e perna, curado; Manuel Joaquim Pereira Colaço (cuja fotografia faz parte do recorte), de 63 anos, paralisia nas pernas há mais de quinze e que após o tratamento pôs as muletas às costas; Felismina Ribeiro, que há mais de dois anos se achava atrofiada pelo reumatismo e que, ao ver-se curada, chorando, exclamava:- Tanta vez que eu fui a Fátima e nem lá consegui curar-me!; Josefina Mendes, surdez, cura rápida; Manuel da Silva, de 68 anos, reumatismo, curado; João Galinha, 75 anos e há oito com paralisia numa das pernas abandonou logo a muleta; Luís Fernandes, 13 anos, gaguez, cura rápida. Vicente Rodera que ao sentir-se curado se abraçou ao médico a chorar; Lucas dos Santos, porteiro do Hospital desta cidade, paralítico de uma perna, há 18 anos, curado.”

A continuação da notícia já não a temos e que devia enumerar mais casos.

Limitamo-nos a transcrever a notícia sem comentários.


Republicano convicto, de sempre, pautou a sua vida por um ideal – a democracia – nunca dele abdicando, apesar das perseguições de todo o tipo que sofreu. Nunca negou o seu voto contra o chamado Estado Novo.

Afastado da função pública que desempenhava, o povo, na sua maioria deu-lhe o seu apoio, preferindo-o como médico e auxiliando-o de várias formas para a sua fixação-

Foi na altura criado um regime de avença anual que se chamava pagar “o partido”. Um alqueire de trigo por pessoa, dava direito a consultar o médico no seu consultório. As chamadas eram pagas à parte.



Fundou com o seu amigo António Luiz Jacinto, em 1917(?) a Sociedade Recreativa Vilgateirense, a que já nos referimos.

Fez parte da Junta de Freguesia (1919) e de 20.10.1920 a 19.07.1921, da Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito. (3)

Exerce funções na freguesia durante mais de vinte anos mas por volta de meados da década de trinta, por motivos familiares, fixa-se em Santarém, onde continua a sua actividade até poucos dias antes de falecer.

A quando do seu passamento, ocorrido em 13 de Junho de 1965, o “Correio do Ribatejo” (4) refere que foi professor da extinta escola (superior) e “era um grande protector dos necessitados”.

“A República”, que foi sempre o seu jornal, refere-o como “dedicado republicano exercendo com dedicação a sua profissão e era estimado pelo seu porte de extrema modéstia. (5)

Esteve sempre convicto de que as coisas mudariam e que a democracia voltaria para ficar. Assim aconteceu no dia 25 de Abril de 1974.

Foi um apaixonado pela filatelia.

Que seja do meu conhecimento só o semanário “A Forja” (6) lembrou a sua figura, dedicando-lhe as seguintes palavras:- “... o nome do médico Dr. Ascenção, muito embora tivesse nascido em Estremoz (7), foi sempre um amigo dedicado desta freguesia e das circunvizinhas. O seu liberalismo, sempre em ritmo crescente, ainda hoje é recordado pelos povos desta área, onde prestou valiosos serviços às populações.
Tendo sido perseguido pela polícia política, os seus ideais nunca sofreram qualquer alteração.
Até à sua morte o seu sonho esteve sempre ligado à liberdade e ao amor Pátrio”.

Repousa no cemitério dos Capuchos, tendo exercido a medicina cerca de sessenta anos.

Nasceu e morreu pobre.

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NOTAS

(1)–Livro que consultámos por deferência do seu proprietário, António Elói Godinho.
(2)–Presumimos tratar-se do jornal diário “O Século”.
(3)–"Junta Geral do Distrito", Abel da Silva, in Boletim da Junta Geral do Distrito, 1936, p 206.
(4)–Número de 19 de Junho de 1965.
(5)–Número de 14 de Junho de 1965.
(6)–Número de 21 de Junho de 1979, “A freguesia da Várzea (Vilgateira) no presente e no passado – Núcleo de Santarém.
(7)-Por lapso é indicada esta cidade, talvez por nela ter vivido alguns anos e onde lhe nasceram três filhas.