(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 5 DE ABRIL DE 1991) *
Já tivemos oportunidade de nestas páginas referir dois usos tradicionais varzeenses que se esboroaram no decorrer implacável do tempo.
Hoje, voltamos a mais um, completamente fora do âmbito dos anteriores. Trata-se, como viram no subtítulo, de “A MOLHADURA”.
Afinal, o que é que vem a ser isso de molhadura?, perguntarão os jovens.
Há uns bons anos atrás, não tinha sentido tal pergunta. Mas hoje?
Pegámos num dicionário enciclopédico e encontrámos como figurado popular o significado de gratificação, gorjeta, propina, o que se ajusta de certo modo ao pensar que tem o varzeense, do termo.
Ainda que seja hábito desaparecido, encontramos facilmente na freguesia quem saiba explicar o que era a molhadura.
Vejamos.
O ajuste dos trabalhadores rurais era efectuado em locais a que se chamavam praças e na freguesia realizavam duas, uma no Outeiro, junta à igreja matriz e outra em Perofilho.
Era aí que apareciam aos domingos, entre as 11 e as 15 horas, os interessados – trabalhadores sem ocupação
Ao e patrões necessitando da execução de serviços. Nas casas agrícolas com capataz, era muitas vezes este que se ocupava de tal tarefa.
Depois das conversações adequadas entre patrão e trabalhador, onde se referiam o trabalho e tempo de duração, entrava-se na tentativa de ajuste, onde o patrão procurava pagar o mínimo possível e o trabalhador receber o máximo, só que o poder deste era bem pouco.
A capacidade de trabalho e o saber do trabalhador tinham natural influência no preço.
[Era em frente desta sacrificada árvore que se encontrava a taberna onde se pagava a molhadura, no Outeiro da Várzea. - Foto JV]
Quando se alcançava o acordo verbal, havia necessidade de o autenticar. Para o efeito, o patrão fornecia o “selo” que era simbolizado pelo pagamento ao trabalhador, de meio litro de vinho.
Após este acto, a que se chamava A MOLHADURA, o jornaleiro cumpria rigorosamente o contrato, mesmo que posteriormente aparecesse outro, muito mais vantajoso.
Ainda hoje é vulgar ouvir-se dizer”vamos molhar a goela”, o que significa, “beber um copo”.
Em sessão da Junta de Freguesia de 14 de Setembro de 1926, comenta-se o facto de não se cumprir o horário das praças pois começam às 18 horas e terminam muitas vezes às 22, causando graves transtornos e dando origem a sérios conflitos, como ainda há pouco sucedeu na praça de Perofilho, onde esfaquearam um homem deixando-o em perigo de vida.
O costume ou hábito da molhadura, não era exclusivo da freguesia, como é natural, espalhando-se por grande parte do Bairro, principalmente pelas freguesias de Moçarria, Romeira, Abitureiras e outras, indo mesmo, com pequenas diferenças à zona do Campo e da Charneca.
Há mais de quarenta anos, lembramo-nos de também existir em Santarém, pelo menos uma praça que se realizava no “Largo das Amoreiras”, junto a uma casti8ça e famosa taberna que ali existiu muitos e muitos anos. Se aqui se usava a molhadura, não sabemos, mas é natural que sim.
Quando passávamos no local, pela mão do nosso pai e víamos aquele agrupamento de homens (filme que ainda passa na nossa memória), perguntávamos o que ali estavam fazendo, e nos era explicado.
Tanto na Beira-Alta, como no Algarve serrano, não encontrámos este hábito, nem reminiscências dele.
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*nº do 1º centenário.