segunda-feira, 22 de junho de 2009

Jogos de correrias e não só

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 05.02.1993)

Quando escrevemos a MEMÓRIA dos jogos infantis, dissemos que voltaríamos ao assunto, já que não o tínhamos esgotado. Daí, o escrito de hoje, dedicado a jogos sim, mas principalmente àqueles baseados na corrida, já que o correr foi sempre uma actividade agradável do rapazio.

Iremos então tentar descrever alguns dos jogos mais usados no meu tempo.

A BANDEIRA

Quem não se lembra deste interessante jogo!
Dois chefes de equipa, normalmente os mais velhos, determinavam pelo sistema de passos, qual o primeiro a escolher o componente da “linha”.

A uma certa distância, iam alternadamente andando, colocando o calcanhar de um pé, junto à biqueira do outro. Aquele que pusesse o pé em cima do do adversário, era o primeiro a escolher entre os que estavam dispostos a jogar. A seguir, escolhia o outro e assim sucessivamente, pelo que as equipas saíam normalmente equilibradas. Quando isso não acontecia, havia logo protestos como o “assim não jogo”, tentando-se demonstrar que a outra equipa era muito mais forte. Depressa se chegava a acordo, provendo-se a equipa mais fraca de mais um elemento, ou acabado de chegar ou vindo da outra equipa.

Depois, fazia-se um risco na rua de parede a parede, que constituía a linha divisória dos “países”, a fronteira. Colocava-se um lenço no chão ou mal atado a uma das árvores, a uma distância considerável e igual, em cada um dos campos (países), simbolizando assim a bandeira desse país.

Os guardas da bandeira (os jogadores) encontravam-se obrigatoriamente na linha divisória (fronteira), guardando o seu país e a sua bandeira.

Quando algum invadisse o território (ultrapassasse o risco feito no chão), era perseguido pelos guardas desse país e quando lhe tocavam, significava que ficava preso nesse local. Esperava que algum companheiro o fosse libertar, tocando o que estava livre no preso que assim ficava liberto e procurava chegar ao seu “país”.
O fundamento do jogo constituía roubar a bandeira ao país vizinho.

Logo que algum passasse a fronteira, era-lhe movida perseguição por um ou mais, conforme a categoria do invasor e de quem o perseguisse. Depois de preso, o jogador que o prendia era obrigado a regressar à fronteira, não podendo assim ficar junto do prisioneiro.

Por vezes os ataques às bandeiras eram lançados simultaneamente, disputando-se jogos interessantíssimos com o desenrolar de situações inesperadas.

Grande jogador de bandeira era o meu amigo Maroca Santana que não sendo muito desenvolto na corrida e na destreza, era pouco marcado, aproveitando isso para sorrateiramente, sem se dar por tal, ir roubar, sem perseguição, o ambicionado trofeu. Quando ele explodia de alegria, já não havia espaço para o prender! Ganhámos!
E assim se jogava a Bandeira no MEU BAIRRO.

A ROLHA

Outro jogo de correrias mas muito diferente do anterior e próprio das noites quentes de Verão. Combinava-se previamente a zona de acção que normalmente era grande e que definíamos pelos nomes das ruas.

Confesso que é dos jogos de que não me lembro muito bem. Por sorteio constituíam-se dois grupos, um nitidamente maior do que o outro. O jogo terminava quando o grupo menor conseguia apanhar todos os elementos do outro.

O sinal de guerra e de início do jogo, dado pelo chefe e seguido por todos outros, ouvia-se por todo o Bairro :- Rolha Um, Rolha Dois, Rolha Três, Rolha a Rolha por esta Vez!

Era então que os perseguidores podiam começar a sua tarefa, cuja orientação tinha entretanto sido definida. Preocupação maior era apanhar o chefe do grupo, normalmente o mais difícil.

TRINTA E UM

Também conhecido pelo jogo das escondidas. Enquanto o jogo da rolha era jogado pelos mais matulões, este destinava-se aos mais pequeninos e onde em condições especiais entravam as meninas. A área de acção era muito pequena.

Nesse tempo e nas noites quentes de Verão, muitas famílias, para apanharem fresco, sentavam-se às portas em pequenas cadeiras, conversando uns com os outros. As portas ficavam abertas. Era então que a pequenada se lembrava desse jogo. O primeiro que se tinha lembrado do jogo fazia o sorteio que consistia em aplicar a seguinte lengalenga – Um dó li tró era de men dó um suleto cloreto, um dó li tró. Por cada palavra se apontava para um dos companheiros que estava em fila e o sorteador também era contado no princípio e no fim. Quando se dizia a última palavra (tró) a quem calhasse, ficava livre. O sorteio continuava na mesma forma entre os restantes até ficar só um. Perguntava-se:- Quem ficou? Ficou fulano.

Entrava este no “coito” (pequeno espaço junto a uma porta), punha a mão nos olhos e encostava a cabeça à parede e sem poder ver, o que nem sempre acontecia, começava a contar:- 1, 2, 3 (...) até 31 e quando dizia este, acrescentava:- quem estiver atrás de mim e ao lado, fica.

Enquanto isto se passava a rapaziada ia-se escondendo por onde podia, atrás do vizinho, na casa deste e daquele, por pátios e corredores, etc.
Se o que estava a ficar visse algum, dizia alto e bom som, quem era e onde estava, batendo com a mão na parede (o coito), denunciando-o assim. Então, passaria este a ficar.

Sempre que o que ficava se ia a pouco e pouco afastando do coito no sentido de descobrir os escondidos, iam saindo daqui e dali outros que batendo com a mão na parede, recolhiam ao coito.

Era um jogo que só acabava quando o sono chegava!

***

Descrevi, como me foi possível, três jogos tradicionais de correrias. Além destes, os mais usuais, os miúdos do MEU BAIRRO brincavam aos “polícias e ladrões” e muito “às touradas”, não faltando as tradicionais pegas, tão enraizadas como estão na maneira de ser do escalabitano.

Os matulões iam para a Ponte Celeiro ver os toiros nas pastagens.

***

Ao terminar esta MEMÓRIA sobre jogos, não quero deixar de referir, ainda que só de nome, visto não conhecer bem a sua execução, alguns jogos femininos. Assim, as meninas do MEU BAIRRO, saltavam à corda, jogavam ao ringue (ao mata), à patareca, o avião, o minhoto, a cabra-cega e o lenço (aqui vai o lenço, aqui fica o lenço).
Ainda que os rapazes brincassem todos os dias, as meninas não o podiam fazer – se o fizessem, eram consideradas rapazonas!

Aos domingos e pouco mais! Durante a semana, era necessário irem ajudando a mãe nas tarefas caseiras e cedo pagavam no dedal, na agulha e no bastidor. Já mais crescidinhas, brincavam às casinhas chegando mesmo a cozinhar a sério. Era uma maneira de vencer a “clausura” a que estavam sujeitas.

Ainda bem que tudo mudou, só foi pena ter passado para “o outro lado”.