domingo, 17 de maio de 2009

A toponímia

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 31.12.1992)

O assunto que hoje iremos abordar, é um pouco diferente dos anteriores.
Qual o nome das artérias do MEU BAIRRO e porquê.

O sempre recordado e saudoso Dr. Virgílio Arruda, abordou este tema várias vezes no semanário que tantos anos dirigiu, umas, em casos esporádicos e outras, mais intensamente como aconteceu em 1986/87 que titulou de “Toponímia Scalabitana”.

Ainda que tivessem sido abordados muitos topónimos, pensamos que ficaram bastantes por tratar, o que alguém fará certamente, um dia.

Os topónimos têm várias origens, predominando circunstâncias locais que acabam por ficar como lembrança de tal modo que muitas vezes lhe mudam oficialmente o nome mas continua a manter-se na gíria popular – Rua de S. Nicolau, Rua Direita, Largo das Amoreiras, são alguns exemplos, mas isto acontece em todas as terras.

Depois do homem ter denominado alguns locais onde vive e circula, pelo nome de outro homem que por qualquer circunstância o identificava (riqueza, posição social, profissão, defeito ou qualquer outra) começou a sentir a necessidade de se preocupar em homenagear figuras e factos nacionais e também os seus filhos ou aqueles que pela sua dedicação, pretendem memoráveis.

O MEU BAIRRO, que segundo o excelente livro Santarém Medieval (M. Ângela V. Rocha Beirante) ocupou a zona rústica do Rego de Manços (não sei se tem qualquer relação mas em miúdos íamos brincar para o Regueirão) não teve naturalmente tradições toponímicas ou pelo menos não as conheço, é um bairro que germinou nos anos quarenta dos nossos dias, presidindo à Câmara Municipal, António de Bastos.

Só a rua principal, a avenida, tinha nome, as outras ruas eram designadas, como é hábito no período inicial, por letras, pelo menos lembro-me de assim ser em relação à Rua Almeida Garrett, que era a Rua B, que nós miúdos e não só, chamávamos rua “De Trás”.

Considero o MEU BAIRRO formado por dez arruamentos que constituem uma teia de ruas rectilíneas, paralelas e perpendiculares.

Lembro-me muitíssimo bem de ser dado o nome às ruas e da colocação das placas toponímicas, em azulejos com interessante cercadura.

Estes nove topónimos, não contando com o da artéria principal, invocam, homenageando, figuras nacionais ligadas à cidade por qualquer circunstância, ou de seus ilustre filhos.

Para que isto acontecesse, contribuiu o Dr. José Henriques Barata que, apesar de não ter nascido em Santarém lhe dedicou todo o interesse publicando vários trabalhos sobre a história de Santarém, de que os “Fastos de Santarém” são, segundo pensamos, o maior expoente. Foi ele que a pedido do então Presidente da Câmara Municipal, António de Bastos, apresentou um parecer nesse sentido que foi sancionado quase na sua totalidade.

Iremos agora referir o nome das ruas e, segundo a nossa concepção, o seu justificativo.

AVENIDA DOS COMBATENTES

Foi o nome dado à artéria principal daquilo a que se convencionou chamar o Bairro dos Combatentes (vide por exemplo “Vida Ribatejana”, nº Especial de 1950, pág.6).
Trata-se de homenagear todos aqueles que se bateram pela Pátria.

A grande maioria das cidades e vilas do país possuem uma rua, avenida, largo ou praça com este nome que se aguentou a vários “saneamentos políticos”.

RUA ALMEIDA GARRETT



Quem entra no Bairro vindo do antigo hospital da cidade, tem à esquerda e paralela à avenida atrás referida, esta rua que antes de ser baptizada, era oficialmente designada por Rua B e para nós a Rua “De Trás”, como já referimos.

Por ser figura nacional bastante conhecida, pouco referiremos deste portuense nascido em 1799 e falecido em 1854.

Liberal activo, tomou parte na guerra civil.

Romancista, poeta, dramaturgo e político, fundou o Teatro e o Conservatório Nacionais.

Aceita o título de Visconde e foi Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1852.

É o introdutor do “romantismo” em Portugal e criador do nosso teatro contemporâneo.
Parlamentar insigne, alguns dos seus discursos ficaram célebres.

A indicação do seu nome para figurar na toponímia escalabitana está no facto das referências que fez a Santarém na sua obra. Entre muitos, Mário Ventura Henriques diz que “O poeta pôs a descoberto toda a beleza que encerra as margens do Tejo” e José Henriques Barata “o celebrado autor das Viagens na Minha Terra em cujas páginas nos descreve amorosamente Santarém”.

RUA 2º VISCONDE DE SANTARÉM

Esta rua é paralela à Almeida Garrett, ficando à sua esquerda.

O Dr. Virgílio Arruda referiu-a na Toponímia Scalabitana, transcrevendo do seu trabalho Santarém no Tempo, o perfil do homenageado.

Chamava-se Manuel Francisco Mesquita de Macedo Leitão e Carvalhosa, nasceu em Lisboa em 1791 e faleceu em Paris em 1856.

O seu pai, o 1º Visconde é que era natural de Santarém.

O 2º Visconde acompanhou a corte de D. João VI quando o rei decidiu passar ao Brasil.
Foi diplomata, historiador, político e geógrafo. Ministro do Reino e da Marinha sob a regência da Infanta D. Isabel Maria (1827) e dos Estrangeiros sob o governo de D. Miguel (1829) que o demitiu do cargo em 1833.

Após Évora-Monte, retirou-se para Paris consagrando-se a uma vida de estudo e onde faleceu.

Nos seus trabalhos históricos avultam os consagrados aos “Descobrimentos” e à “Diplomacia Portuguesa”.

RUA PRIOR DO CRATO

Situa-se esta rua também paralelamente à anterior e igualmente à esquerda.
Aqui já não havia prédios de um só piso a não ser, se a memória não me falha, o que fazia esquina com a Rua de Sousa Coutinho, que era pintado de amarelo (ocre).

Havia acesso a esta rua por umas escadinhas onde gostava de brincar.

A rua tinha a particularidade de só ter prédios de um lado, visto o outro dar para a Calçada das Padeiras, E.N. 3, de acesso a Lisboa.

Quando por qualquer motivo faltava água nas torneiras, recorria-se à Fonte das Padeiras que nesta “calçada” se situava, tinha um bom caudal e era tida como de boa qualidade. Hoje é considerada imprópria para consumo. Nessas alturas, a que me estou reportando, era ponto de passagem de quem ia aos jogos de futebol do extinto S.G.U. Operária, que se realizavam no seu campo, o Chã das Padeiras.

Mas o que pretendia era dizer alguma coisa sobre a figura nacional que deu nome a esta rua.

D. António nasceu em Lisboa em 1531 e faleceu em Paris aos sessenta e quatro anos.
Já Prior do Crato e com as ordens de diácono, recusa a ordenação de presbítero e comporta-se como pessoa secular. Por esse motivo, o seu tio, Cardeal D. Henrique, manifesta-lhe um ódio declarado, o que o leva a exilar-se em várias ocasiões.

Foi Governador de Tânger. Toma parte na batalha de Alcácer Quibir e é feito prisioneiro. Resgatado, regressa a Lisboa para se opor à candidatura de Filipe II ao trono de Portugal.

Depois destes dados recolhidos no Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, fecharemos com as palavras do Dr. José Henriques Barata, in Fastos de Santarém – Aclamações Reais – Coimbra Editora, 1947.

D. António, o filho querido dos amores e do casamento clandestino do Infante D. Luís e da bela Violante Gomes, a Pelicana, está indissoluvelmente ligado à história de Santarém. Com o povo da vila, D. António escreveu aqui uma página em que há o mesmo lampejo de glória que realçámos na descrição dos tumultos sucedidos havia quase dois séculos.

É que a 19 de Junho de 1580 na ermida dos Apóstolos, a São Bento, António Baracho solta o grito desejado: Real, Real, por D. António, rei de Portugal!

D. António é levado em triunfo pelas ruas da vila e na Câmara fazem-se “assentos e protestos”.

Como vedes, bem merece figurar na toponímia escalabitana este nobre sem sorte.

RUA LUÍS MONTEZ MATOSO



Referimos as ruas paralelas e à esquerda da Avenida dos Combatentes, agora ocupar-nos-emos das situadas à direita.

A primeira que encontramos tem a particularidade de ser a única do bairro que foge à esquadria e isto devido ao edifício da P.S.P., antigo regimento de Artilharia 6 e de outras unidades militares e onde se situou o Convento das Donas.

Foi nesta rua que se instalou primitivamente, segundo pensamos, a estação emissora Rádio Ribatejo que foi muito querida da cidade e dos arredores que servia. Também nesta rua se situava a garagem e oficinas da Empresa de Viação “A Scalabitana”, vulgo Vinagre.

Luís Matoso teve em Virgílio Arruda, segundo pensamos, o seu maior biógrafo.
Escalabitano pelo nascimento pois aqui viu a luz do dia em 1791, tendo falecido aos quarenta e nove anos.

Historiador e jornalista, uma das mais curiosas figuras da nossa história cultural da primeira metade do século XVIII, como refere o Senhor Professor Veríssimo Serrão, dedicou grande parte da sua obra, a maioria inédita, a Santarém.

A “Santarém Ilustrada” (1738) continua inédita e o manuscrito na Biblioteca de Évora, ainda que exista uma cópia na de Santarém.

RUA P. INÁCIO DA PIEDADE E VASCONCELOS



Paralela à rua antes referida, com excepção do troço contíguo ao antigo Convento das Donas, situa-se esta artéria, levemente inclinada.

O Padre Inácio da Piedade e Vasconcelos, filho de Santarém onde nasceu em 1676, é, como o seu contemporâneo Luís Matoso, um dos monógrafos de Santarém, publicando em 1740 a “Santarém Edificada”, que já tivemos o prazer de consultar, tal como a “Santarém Ilustrada”, na Biblioteca Municipal de Santarém.

Mais velho do que Luís Matoso vinte e cinco anos, admite Virgílio Arruda que pudesse “ter tirado proveito” do espantoso labor deste.

Não se conhecem quais seriam as relações entre os dois investigadores e porque não pertenceu O Padre Inácio à Academia Scalabitana e dos Aventureiros, do que o Padre Matoso foi o primeiro presidente e isto voltando a citar o Dr. Virgílio Arruda.

Em jovem, ouvia a pessoa conhecida fazer alusão a um Padre Inácio sempre com a mesma frase. Perguntava quem era, não me sabia responder, tinha aprendido aquela frase com familiares.

Não seria este o Padre Inácio que referia? Acho provável.

RUA FERNÃO TELES DE MENESES



Depois de termos referido todas as ruas paralelas à minha rua, iremos agora fazê-lo em relação às que ficam perpendicularmente, iniciando a caminhada no sentido ex-hospital – Escola Primária.

A primeira que encontramos fica à nossa direita, é bastante íngreme e foi-lhe dado o nome de Fernão Teles de Meneses, 1º Conde de Unhão que, não sendo de Santarém, aqui viveu e ficou sepultado.

Ficou para sempre ligado a Santarém pois levantou o grito da revolta contra a dominação filipina, sendo o arauto da Revolução e a alma da aclamação de D. João IV.
No dia 5 de Dezembro foi à Câmara e dela saiu com o guião acompanhado da nobreza e do povo, aclamando D. João IV com incríveis júbilos de alegria e contentamento de todos.

O palácio do Conde de Unhão situava-se onde hoje se encontra o edifício dos Bombeiros Voluntários e tinha frentes para o Campo Fora de Vila e para a actual Rua Eng. António Antunes Júnior e que ainda conheci como a Rua do Conde.

RUA LOPO DE SOUSA COUTINHO

A perpendicular que se segue fica à esquerda e só tem casas de um lado, já que o outro é ocupado por alto muro da cerca do antigo Hospital de Jesus Cristo.

Lopo de Sousa Coutinho aqui nasceu em 1515 e faleceu em 1577 na terra que o viu nascer, cansado de uma vida dedicada ao serviço da Pátria.

Foi guerreiro ardoroso, combatendo no cerco de Diu. Governador do Castelo da Mina.

Escritor e homem culto, publicou trabalhos de história. Poesia e matemática.

Recolheu-se nos últimos anos da vida à sua terra natal, tendo sido sepultado na desaparecida igreja de S. Salvador que se situava no actual Largo do Padre Chiquito.
Foi pai de Manuel de Sousa Coutinho (Frei Luís de Sousa).

RUA FERNÃO LOPES DE CASTANHEDA

É a artéria que se segue e atravessa além da Avenida dos Combatentes, a Rua Almeida Garrett, a 2º Visconde e termina numas escadinhas que dão para a Prior do Crato. No cruzamento com a Avenida, situava-se um marco do correio já desaparecido e encostado ao qual passei muitas horas.

O homenageado é também escalabitano tendo nascido em 1500.

Embarcou com o pai, Lopo Fernandes de Castanheda, para a Índia, indo na armada que levou a Goa o novo Governador, Nuno da Cunha.

Nos dez anos que lá esteve, leu todos os documentos possíveis e interrogou testemunhas que pudessem informá-lo dos feitos dos portugueses por aquelas paragens pois tencionava escrever a primeira história da expansão portuguesa no Oriente, o que veio a fazer, intitulando-a de “História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses” que abrangia dez livros.

O seu trabalho foi traduzido em várias línguas.

O rigor que utilizou, valeu-lhe a animosidade de muitas famílias influentes.
Fernão Lopes de Castanheda honra a historiografia quinhentista

RUA FREI GASPAR DO CASAL

A última rua também se destinou a homenagear um santareno ilustre.
Contemporâneo do anterior, nasceu em 1510 e ingressou com catorze anos no Ordem de Sto. Agostinho.

Frequenta a Universidade de Coimbra onde se doutorou em teologia e foi lente.
Bispo do Funchal, tomou parte no Concílio de Trento onde deu mostras de grande cultura.

Foi Bispo de Leiria e de Coimbra, onde faleceu a 9 de Agosto de 1584.

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Bibliografia
Arruda, Virgílio. Santarém no Tempo, Edição da Comissão Municipal de Turismo de Santarém, 1971; Luís Montês Matoso, Historiador e Jornalista, 1980

Barata, José Henriques – Fastos de Santarém, Aclamações Reais, 2ª Edição, Coimbra, 1947; “Lembranças de Santarém”, in Vida Ribatejana, nº Especial de 1955

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, Anos 1937-40, Junta de Província do Ribatejo, 1940

Cidade, Hernâni e Selvagem, Carlos – Cultura Portuguesa, Vol. 5 e 7, Editorial Notícias, 1971