segunda-feira, 25 de maio de 2009

Jogos infantis

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 22.01.1993)

O nosso segundo escrito intitulou-se de “BRINQUEDOS” e nele referimos o que de momento nos veio à memória, confessamos que com muita saudade.

O assunto não ficou esgotado e hoje iremos continuá-lo mas com o sentido de jogo, para o que guardámos alguns brinquedos.

O PIÃO – brinquedo maravilhoso que nos obrigava a um certo exercício físico e onde a destreza se impunha.



Com que saudade recordo os meus piões, alguns dos quais ainda existem como símbolo da dedicação que lhes concedi.

Na altura, os piões eram feitos de azinho (os melhores) e de figueira, os mais baratos. Havia de vários tamanhos, aos mais pequenos, chamávamos-lhe pianinha e aos maiores, monas. Aos meus piões era sempre tirado o bico que traziam e que o meu pai substituía por um de aço. Foi ele que me ensinou a dançar o pião e jogava comigo.
Aos cordéis com que os enrolávamos, chamávamos fieiras, a minha era de algodão para se apertar bem e não se desmanchar.

O jogo rei do pião era o da “Roda Bota Fora”. Desenhava-se no chão, com o auxílio do pião e da fieira, que servia de raio, uma roda (círculo).

“Eu sou o último”, era a frase que todos procuravam pronunciar primeiro e assim se estabelecia a ordem dos jogadores que podiam ser todos quantos quisessem.

A frase só se repetiria quando não existisse nenhum pião dentro da roda.

O pião era jogado para dentro da roda e quando não dançasse “amochava”, isto é, era posto no meio para que os outros pudessem jogar sobre ele.

O jogador tinha normalmente mais de um pião que utilizava conforme as circunstâncias.
Sempre que o pião ao acabar de dançar não saísse da roda, também “amochava”.

Os jogadores procuravam acertar nos piões dos adversários que estivessem rodando ou “amochando” no sentido de os rachar (o que nunca vi fazer) a não ser em circunstâncias muito especiais e noutro tipo de jogo. Agora fortes bicadas, sim, o que chegava a provocar as lágrimas ao seu possuidor e gáudio ao “picador”.

Quando se jogava o pião e ao rodar saía da roda, o jogador aparava-o, isto é, com o movimento de dois dedos transferia-o a rodar, do chão para a mão. Se tinha algum a “amochar” procurava com uma pancada, com o que estava rodando, atirá-lo para fora da roda, livrando-o assim do jogo dos adversários. Estes, procuravam precisamente o contrário.

Era um jogo muito movimentado onde a destreza e a habilidade se impunham.

Outro jogo de pião era o “nôco”, ainda que o fim fosse o mesmo, só havia um perdedor e tinha um mecanismo totalmente diferente.

Fazia-se uma cova do tamanho de um pião médio e a que nós chamávamos “covicha”. A uma determinada distância, que era variável, conforme o gosto dos jogadores, lançava-se um pingo de cuspo sobre o qual se jogavam os piões. O que ficasse mais afastado do ponto de referência, o custo, “amochava”, isto é, colocava o pião sobre o cuspo. Os outros jogadores iam lançando os seus piões, aparavam-nos e com pancadas dadas no que “amochava”, procuravam levá-lo para o “nôco”, isto é, a “covicha”. Sempre que o jogador lançasse o pião e ele não rodasse, era o seu que substituía o outro, amochando. É preciso dizer que o que tinha o pião em perigo, dançava outro para o defender pelo mesmo sistema, isto é, afastando-o do “nôco”.

Uma vez caído na cova havia que cumprir o que se havia previamente combinado, a aplicação por parte de todos de determinado número de bicadas e então sim, rachavam muitos, principalmente os de figueira.

As bicadas eram dadas no nôco com a mão e os jogadores tinham piões próprios para isso, apetrechados de grandes bicos!

Além destes dois jogos a rapaziada ia inventando outros dos quais chegou a ser muito usado o das balizas, inspirado no futebol. Duas pedras a marcarem cada baliza, o traçado do rectângulo de jogo, uma bola de madeira surripiada num jogo de “bonecos”. A finalidade era introduzir a bola nas balizas do adversário com pancadas dadas com os piões. Mudava aos cinco e acabava aos dez.

O BERLINDE – para a rapaziada do meu tempo simplesmente o bilres, era outro brinquedo que proporcionava jogos interessantes.

Como todos sabem os berlindes são de forma esférica e de vidro. Havia de vários tamanhos e de cores variadas. O terror eram os “abafadores”, berlindes de maior tamanho e variadíssimas cores que tinha o condão de ao tocar nos outros os “abafarem”, isto é, chamarem-lhes seus. Não tinham qualquer outra utilidade!
Regra geral guardávamos os bilres em pequenos sacos de riscado que as nossas mães ou outros familiares nos faziam.

Vamos ao jogo. Fazia-se uma pequena cova. A ordem para jogar era determinada pela aproximação ao “cuspinho”. A distância igual, o berlinde era lançado para entrar na cova ou ficar o mais próximo possível. Cada vez que entrava na cova marcava um tento e repetia o lançamento.

A astúcia do jogador, quando via o adversário em boa posição, difícil de destronar, levava-o a colocar o berlinde distante para evitar que o adversário fizesse quatro tentos, quase certos no caso de dois jogadores.

Havia miúdos exímios jogadores de berlinde “matando” a distâncias consideráveis com bastante frequência!

***
Falámos de jogos proporcionados por A partida terminava aos vinte e quatro tentos mas rebentava-se aos vinte e três, pelo que tinha sempre de existir o “mate”.
Cada vez que se ia à “covicha” fazia-se um tento e quando de acertava no berlinde do adversário, dois. Havia muitas vezes a preocupação de ficar na “engorda”, isto é, próximo da cova, para ir marcando tentos. Ao fazerem-se os vinte e quatro, agarrava-se imediatamente o berlinde do adversário a que se tinha direito, como prémio.
Durante o jogo era importante não permitir “altos e alvíssaras” para que as dificuldades fossem maiores.

Acontecia muitas vezes chegarem os dois jogadores aos vinte e dois e então era interessante o duelo pois além de haver a preocupação de acertar não se poder ficar “à morte”.

Outro jogo que fazíamos era o da volta a Portugal e consistia em visitar por ordem um certo número de covichas colocadas a alguma distância, terminando o jogo quando se voltava à primeira encovada.

Falámos de jogos proporcionados por brinquedos adquiridos expressamente para esse fim. Agora iremos referir outros jogos feitos com objectos que os miúdos iam buscar ao uso quotidiano.

O BOTÃO – também era um saco que os guardava. Nunca tive necessidade dos arrancar do vestuário como acontecia a alguns colegas de jogatanas, pois a minha mãe disse-me sempre e cumpriu, que me dava botões para jogar, quando eu quisesse.

Um velho amigo, resolvia bem o problema pois o pai era viajante do ramo e então “arranjava” caixas inteiras, estou a vê-las, de papelão, forradas de papel azul com um botão fixado para amostra. Era o abastecedor da rapaziada pois não era muito habilidoso no jogo, ainda que tivesse um palmo avantajado.

Era muito interessante o jogo do botão que as crianças de agora desconhecem totalmente e pelo qual não teriam qualquer interesse.

Quando se desafiava um colega para o jogo e antes que o outro o dissesse, dizíamos: - eu sou o último.

Os botões eram batidos contra as paredes e consequentemente saltavam. Quem batesse a seguir procurava que o seu botão, ao fixar-se, ficasse pelo menos a um seu palmo de distância da posição do adversário. Quando assim acontecia, ganhava-se um botão à escola do perdedor, tomando em consideração que os “furados” (de buracos partidos) não valiam e atiravam-se para cima do telhado mais próximo, para não enganar ninguém, praticando-se assim a “lei”.

Os botões não podiam ficar a menos de um palmo da parede onde se batiam. Quando assim acontecia, repetia-se a jogada. A jogada não era considerada válida quando o botão batia em alguém.

Os jogadores possuíam botões de vários tipos que utilizavam conforme as circunstâncias do jogo. Para bater longe, havia os botões das ceroulas, a que chamávamos fugitivos. Para bater perto, havia as patas chocas.

Quando o adversário batia para longe, por vezes não se batia com a mesma intensidade, designando a nossa atitude como desafiar passarinhos! Obrigávamo-lo a bater perto e assim ganharia o mais habilidoso.

Também neste jogo havia excelentes executantes que levavam os adversários a perder tudo e quando assim acontecia, dizíamos:- Já fui à bufa!


[Beco da Rua Frei Gaspar do Casal, muito utilizado para estes jogos por falta de trânsido]
A CAIXA – hoje, mesmo que os rapazes quisessem jogar à caixa não podiam pois as caixas que agora existem são de papelão e por isso não serviam para o jogo.

Estamo-nos a referir às caixas de fósforos que na minha meninice eram feitas de lâminas de madeira, forradas de papel e a que se lhe punha um rótulo com a marca e características do produto que continham – amorfos.

Desmanchávamos a caixa de que só aproveitávamos o tampo que partíamos conforme o jogador considerasse melhor para o jogo. Este consistia em atirar (jogar) a tampa da caixa para junto da parede, de uma maneira geral, ajoelhados no lancil do passeio.
Como na maioria dos jogos, a antecipação regulava a ordem inicial do jogo.

Combinávamos em primeiro lugar a quantos íamos jogar. Ganhava a primeira fase do jogo quem conseguisse colocar a caixa mais perto da parede. Ficando “esquinada” (empinada à parede) repetia-se a jogada dessa carta.

Podiam ser vários os jogadores.

As caixas grandes, os caixotes (lembro-me da marca “Club” (ou Clube) em que figurava um homem vestido de preto, fumando sentado num grande sofá e cujo fundo era amarelo, se a memória não me atraiçoa, valia 20 pontos, as de tamanho médio, onde pontificavam as “Quinas”, 10 e as mais pequenas de que a “Joaninha” era um exemplo, 5.
Depois de todos jogarem, o que colocasse uma das caixas mais perto da parede, juntava-as todas em maço, viradas para o mesmo lado e batia-as na parede, ganhando todas as que ficassem de caras para cima. Às que assim não acontecia eram juntas pelo que tivesse ficado em segundo lugar que as batia do mesmo modo e assim sucessivamente até não haver caixas da jogada.

Os bons jogadores batiam de tal maneira que era raro ficar alguma de costas e quando assim acontecia, dizia – deixei-te a semente!

As caixas de vinte eram utilizadas quando na jogada já se tinha uma caixa bem posicionada, difícil de ser tirada pelos adversários.

Havia quem antes de jogar a caixa a levasse perto da boca e a abafasse e outros, quando batiam o molho na parede, beijavam a de cima para lhes dar sorte.
Que singelo e interessante jogo!

O escrito já vai longo. Temos de terminar mas afirmando que voltaremos ao assunto.