terça-feira, 12 de maio de 2009

Os pátios

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 23.12.1992)

Os primeiros compradores de terrenos da minha rua, assim ouvia dizer aos adultos há dezenas de anos, eram gente de poucos recursos e adquiriam terreno para fazer uma casita com um quintalão que arborizavam e onde faziam um pequeno hortejo, para auxílio da casa.

Raramente construíam a habitação com a fachada principal junto da rua. Optavam por fazê-la ao fundo ou ao meio da propriedade. Um estreito carreiro que foi evoluindo até chegar à passadeira cimentada, levava-os à frente da propriedade que dava para a rua, era murada e tinha portão de madeira. Ainda hoje existe, pelo menos, uma situação destas.

Conheci muitos destes quintalões onde brinquei muitas horas. Neles desenvolviam-se árvores de fruto e lembro-me de figueiras, macieiras, ameixeiras e pessegueiros. De todas conheci o gosto dos seus frutos e tenho mais presente o de umas belas maçãs, cujas árvores, segundo me informou recentemente o seu proprietário, quase nonagenário, já não existem.

Couves, favas, alfaces, alhos, tomateiros e outros produtos hortícolas, eram vulgares nos quintalões onde tinham lugar demarcado.

Ainda recentemente (1991) a sensibilidade da minha prima Anel que cresceu e vive na minha rua se encheu de amores com “A flor do Pessegueiro” de um dos tais quintalões, agora mais reduzido.


[Pátio Jose Gomes]

Diz então:

Oh! Flor do pessegueiro,
Agarra-te bem à haste
Não venha o vento brejeiro
E, que dela te afaste.

Que cor linda é a tua,
Quando se avista da rua
(Tu, não me leves a mal)
Que eu fique deslumbrada,
Alguns minutos, parada,
Junto ao portão do quintal.

E quando o fruto crescer,
Até, pode acontecer,
Que não consiga prová-lo,
Acredita... podes crer,
Se ninguém m`o oferecer,
Eu, vou lá dentro roubá-lo.

Oh! Flor do pessegueiro,
Agarra-te bem à haste,
Não venha o vento brejeiro,
E, que dela te afaste.

Este retrato poético da minha prima, ajuda talvez a compreender a minha descrição.

***
O aumento da população com a consequente procura de habitação, levou os proprietários dos quintalões a torná-los mais rendíveis. Os alugueres compensavam mais que as couves e então vá de construir à frente dos terrenos que dão para a rua, uma habitação, deixando contudo um corredor para o quintal onde construíram casas mais modestas formando pequenos pátios que começaram a ser conhecidos pelo nome do seu proprietário. Não foi este, muitas vezes que o baptizou mas sim os seus inquilinos.


[Patio Frazão]

Mas também havia pátios onde caía bem esta designação. Eram deste tipo, o Pátio Frazão, com terreiro amplo, circundado de pequenas e modestas moradias e ao fundo, se não me engano, a do proprietário, de dois pisos, moderna para a época e em cujo rés-do-chão foi morar, uma das minhas irmãs, quando casou.

Era neste pátio que vivia um artesão de gelados, na altura, se bem me lembro, o único da cidade.

Tinha uns tantos carrinhos, pintados com motivos alusivos e accionados por roda de bicicleta que o vendedor pedalava.

Passava o calor e era a altura dos barquilhos (espécie de bolacha de forma cónica e oca, armazenada num cilindro de folha de flandres cuja tampa possuía um ponteiro que girava em volta de um eixo. O círculo (tampa) dividia-se por sectores marcados por quantidades. No meu tempo, por cada volta que custava vinte centavos, o jogador tinha direito ao número de barquilhos que o ponteiro marcava.

O cilindro (caixa) tinha uma tira de cabedal para o vendedor transportá-lo ao ombro.

Fins de Outubro, princípios de Novembro, começava a castanha assada, os carrinhos eram do mesmo tipo do dos gelados, tinham naturalmente um grande assador de barro ligado por arames para no caso de estalar, o que acabava por sempre acontecer, continuar ligado e a poder servir.

Havia no MEU BAIRRO outro pátio muito típico mas que tinha dois nomes pois pertencia a pessoas diferentes. Pensamos que primitivamente teria pertencido a uma única pessoa.

Amplo recinto. De um lado, o Pátio de Júlio dos Cónegos, do outro, o pátio das Comadres.


[Pátio das Comadres]

Ao meio, havia uma cisterna que penso seria comum.
Era aqui que o Victor Arsénio, da minha idade e recentemente falecido, fazia as suas sessões de cinema, pagas a tostão. Os espectadores, sentados em pedras, viam passar o filme, um rolo constituído pela colagem de recortes do “Mosquito”, “Cavaleiro Andante” ou “Pim, Pam, Pum”, numa caixa de sapatos na qual se tinha aberto o ecrã e implantado as manivelas de arame.

Neste pátio e depois de eu ter deixado o MEU BAIRRO, acabaram por ocupar a entrada com um edifício. Informam-me que as casitas antigas ainda existem mas houve grandes transformações.

Outro pátio que ainda existe na minha rua, é o de Augusto Manuel. Também este foi barrado, há muitos anos, por um edifício de 1º andar, o primeiro ou dos primeiros que se construiu na minha rua. Com isso, existiram várias questões, havendo mesmo a necessidade de recorrer ao poder Judicial.

Também este pátio me traz muitas saudades pois familiares chegados viveram lá muitos anos. Muito mais de cinquenta! Enquanto puderam!

Dois pátios típicos e de gente modesta, eram o do Matafome, onde nunca entrei, e o do Parente, onde se encontra hoje um estabelecimento comercial.

Mais três pequenos pátios vi construir, Frade, Prestes e Leonel.

Ainda que existissem um ou outro nas outras ruas do MEU BAIRRO, a minha rua, a principal, é que possuía o maior número.

Aqui ficam meia dúzia de palavras despretensiosas que recordam uma época da nossa vida.