(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 23.12.1992)
Os primeiros compradores de terrenos da minha rua, assim ouvia dizer aos adultos há dezenas de anos, eram gente de poucos recursos e adquiriam terreno para fazer uma casita com um quintalão que arborizavam e onde faziam um pequeno hortejo, para auxílio da casa.
Raramente construíam a habitação com a fachada principal junto da rua. Optavam por fazê-la ao fundo ou ao meio da propriedade. Um estreito carreiro que foi evoluindo até chegar à passadeira cimentada, levava-os à frente da propriedade que dava para a rua, era murada e tinha portão de madeira. Ainda hoje existe, pelo menos, uma situação destas.
Conheci muitos destes quintalões onde brinquei muitas horas. Neles desenvolviam-se árvores de fruto e lembro-me de figueiras, macieiras, ameixeiras e pessegueiros. De todas conheci o gosto dos seus frutos e tenho mais presente o de umas belas maçãs, cujas árvores, segundo me informou recentemente o seu proprietário, quase nonagenário, já não existem.
Couves, favas, alfaces, alhos, tomateiros e outros produtos hortícolas, eram vulgares nos quintalões onde tinham lugar demarcado.
Ainda recentemente (1991) a sensibilidade da minha prima Anel que cresceu e vive na minha rua se encheu de amores com “A flor do Pessegueiro” de um dos tais quintalões, agora mais reduzido.
[Pátio Jose Gomes]
Diz então:
Oh! Flor do pessegueiro,
Agarra-te bem à haste
Não venha o vento brejeiro
E, que dela te afaste.
Que cor linda é a tua,
Quando se avista da rua
(Tu, não me leves a mal)
Que eu fique deslumbrada,
Alguns minutos, parada,
Junto ao portão do quintal.
E quando o fruto crescer,
Até, pode acontecer,
Que não consiga prová-lo,
Acredita... podes crer,
Se ninguém m`o oferecer,
Eu, vou lá dentro roubá-lo.
Oh! Flor do pessegueiro,
Agarra-te bem à haste,
Não venha o vento brejeiro,
E, que dela te afaste.
Este retrato poético da minha prima, ajuda talvez a compreender a minha descrição.
***
O aumento da população com a consequente procura de habitação, levou os proprietários dos quintalões a torná-los mais rendíveis. Os alugueres compensavam mais que as couves e então vá de construir à frente dos terrenos que dão para a rua, uma habitação, deixando contudo um corredor para o quintal onde construíram casas mais modestas formando pequenos pátios que começaram a ser conhecidos pelo nome do seu proprietário. Não foi este, muitas vezes que o baptizou mas sim os seus inquilinos.
[Patio Frazão]
Mas também havia pátios onde caía bem esta designação. Eram deste tipo, o Pátio Frazão, com terreiro amplo, circundado de pequenas e modestas moradias e ao fundo, se não me engano, a do proprietário, de dois pisos, moderna para a época e em cujo rés-do-chão foi morar, uma das minhas irmãs, quando casou.
Era neste pátio que vivia um artesão de gelados, na altura, se bem me lembro, o único da cidade.
Tinha uns tantos carrinhos, pintados com motivos alusivos e accionados por roda de bicicleta que o vendedor pedalava.
Passava o calor e era a altura dos barquilhos (espécie de bolacha de forma cónica e oca, armazenada num cilindro de folha de flandres cuja tampa possuía um ponteiro que girava em volta de um eixo. O círculo (tampa) dividia-se por sectores marcados por quantidades. No meu tempo, por cada volta que custava vinte centavos, o jogador tinha direito ao número de barquilhos que o ponteiro marcava.
O cilindro (caixa) tinha uma tira de cabedal para o vendedor transportá-lo ao ombro.
Fins de Outubro, princípios de Novembro, começava a castanha assada, os carrinhos eram do mesmo tipo do dos gelados, tinham naturalmente um grande assador de barro ligado por arames para no caso de estalar, o que acabava por sempre acontecer, continuar ligado e a poder servir.
Havia no MEU BAIRRO outro pátio muito típico mas que tinha dois nomes pois pertencia a pessoas diferentes. Pensamos que primitivamente teria pertencido a uma única pessoa.
Amplo recinto. De um lado, o Pátio de Júlio dos Cónegos, do outro, o pátio das Comadres.
[Pátio das Comadres]
Ao meio, havia uma cisterna que penso seria comum.
Era aqui que o Victor Arsénio, da minha idade e recentemente falecido, fazia as suas sessões de cinema, pagas a tostão. Os espectadores, sentados em pedras, viam passar o filme, um rolo constituído pela colagem de recortes do “Mosquito”, “Cavaleiro Andante” ou “Pim, Pam, Pum”, numa caixa de sapatos na qual se tinha aberto o ecrã e implantado as manivelas de arame.
Neste pátio e depois de eu ter deixado o MEU BAIRRO, acabaram por ocupar a entrada com um edifício. Informam-me que as casitas antigas ainda existem mas houve grandes transformações.
Outro pátio que ainda existe na minha rua, é o de Augusto Manuel. Também este foi barrado, há muitos anos, por um edifício de 1º andar, o primeiro ou dos primeiros que se construiu na minha rua. Com isso, existiram várias questões, havendo mesmo a necessidade de recorrer ao poder Judicial.
Também este pátio me traz muitas saudades pois familiares chegados viveram lá muitos anos. Muito mais de cinquenta! Enquanto puderam!
Dois pátios típicos e de gente modesta, eram o do Matafome, onde nunca entrei, e o do Parente, onde se encontra hoje um estabelecimento comercial.
Mais três pequenos pátios vi construir, Frade, Prestes e Leonel.
Ainda que existissem um ou outro nas outras ruas do MEU BAIRRO, a minha rua, a principal, é que possuía o maior número.
Aqui ficam meia dúzia de palavras despretensiosas que recordam uma época da nossa vida.