quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Uma partida de há 50 anos!

(Publicada no Correio do Ribatejo de 1 de Agosto de 2008)

A ideia de escrever este tema, veio-me recentemente quando me contaram, em local bem distante da Várzea que, quando chegou depois de uma estada na capital, tinham-lhe bebido já três garrafões de vinho novo.

Esta revelação e na altura em que me davam a provar o vinho, que efectivamente era bom, sugeriu-me a pergunta se pelo menos tinham lavado os garrafões, o que me responderam que não.

E a pergunta já tinha a ver com a estória que iria seguidamente contar e que na altura me veio à memória, já com algumas falhas provocadas pelos longos anos passados, mas no fundamental, o facto passou-se efectivamente, ainda que possa parecer mentira.

Não tive qualquer interferência nela, mas sou seu contemporâneo.

Um varzeense solteirão que na altura rondaria os cinquenta e que herdou de seus pais alguns bens rústicos e mesmo urbanos, nunca se dedicou ao amanho das suas propriedades em plenitude, preferindo ir trabalhar para quintas de concelhos próximos onde exerceria funções de “feitor”ou próximas disso.

Nunca me apercebi das competências que teria na área, mas a verdade é que por lá não permanecia muito tempo, regressando à Várzea, sua freguesia natal.

Com espírito jovem por natureza, tinha alguns amigos que o eram efectivamente na idade, de tal maneira que se tratavam por tu lá tu cá, o que não era vulgar na época, como hoje é costume.

Então, depois de uma permanência mais ou menos longa na freguesia onde nasceu, vieram-no contratar para ir exercer funções numa quinta do concelho de Almeirim.
Lá foi o nosso homem ganhar uns trocos para fazer face aos períodos de “descanso” que eram frequentes.

Acontece que se tinha dado ao trabalho de apanhar umas uvas que tinha próximo enchendo um barril de 50 ou 100 litros de vinho, já não posso precisar.

[Casa desaparecida na Fonte de Vilgateira]

Dois amigos meus, da minha idade, que na altura rondariam os vinte anos e que faziam parte dos tais tu cá tu lá, sabendo que o homem estava ocupado nos seus trabalhos lá para os lados de Almeirim e nessa altura não eram fáceis as deslocações, apesar da proximidade, temendo que o vinho se estragasse e conhecendo os segredos da adega, entre Vilgateira e Aramanha, lá foram os dois ver como estavam as coisas. Hoje não me lembro como entraram na adega mas certamente foi através da chave que sabiam onde estava escondida ou de qualquer outra artimanha.

Entraram, observaram, estava tudo bem, mas não resistiram a provar o vinho pois já estaria feito.

Que rica pinga que o homem fez.

Deixaram tudo nos “conformes” preparando-se para quando o amigo regressasse ali se fazerem grandes petiscadas, como era hábito, quando havia vinho e nem sempre isso acontecia.

O amigo continuava sem aparecer e um dia arranjaram chouriço e pão e lá foram os dois, muito calados à adega para confirmarem se o vinho não tinha azedado.

Partiram a corda, como se costuma dizer e continuando o dono sem aparecer, lá foram fazendo o seu trabalho (agora que está em meio, temos que o beber todo, senão estraga-se, era a conjectura que faziam).

[Poço na Aramanha]

E o interessante da estória está aqui:- Lavaram muito bem o barril, emborcaram-no e colocaram-lhe um rótulo com o seguinte dizer:- Preparado para encher novamente.

Quando o homem regressou e deu com o espectáculo, depois do tratamento habitual, concluiu:- Portaram-se bem, são bons bebedores, evitaram que o vinho se estragasse e afectasse a vasilha. Fizeram o serviço completo. Só não lhes perdoaria se não tivessem lavado o vasilhame. É preferível que se estrague o deles do que o meu.

É evidente que o homem já não tinha idade para cá estar, mas os meus amigos e conterrâneos, partiram cedo demais e lembro-os com saudade.

Haverá alguém na Várzea que conheça esta estória?