(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 13 DE DEZEMBRO DE 1991)
A aldeia de Vilgateira teve nos finais do século passado e até meados do actual, uma cobertura de saúde, se assim se lhe pode chamar, boa para a época, visto ser sede de um partido médico que abrangia as freguesias da Várzea, Romeira, Azóia de Cima, Abitureiras e Azóia de Baixo, o que chegou a proporcionar a existência de duas farmácias, a Mendes, ainda em actividade e a Souto, de efémera existência.
Além disso beneficiou da acção contínua de dois clínicos, o oficial e o particular, ambos residentes na aldeia.
Como já dissemos noutra oportunidade, a Farmácia Mendes foi fundada em 1909 e vendida em 8 de Março de 1941, por Augusto de Oliveira Mendes a António Elói Godinho.
A Farmácia Souto iniciou a sua actividade no edifício onde residiu Adelino Martins Coelho, hoje na posse de seus herdeiros, passando depois para aquele que pertence e é habitado pelo nosso amigo, António Rafael Glórias Lopes.
Sabemos que em 1911 grassou na freguesia uma epidemia de varíola e em 1915 houve vários casos de varíola e o aparecimento de um cão raivoso que levou a medidas profilácticas.
Mas a pneumónica (gripe epidémica na sua forma pulmonar), de 1918/19, aparecida em todo o País em consequência da Grande Guerra, causou 102.750 mortes (1), matando famílias inteiras e espalhando pânico por toda a parte.
Também na freguesia da Várzea se fez sentir.
[O Dr. Adriano de Oliveira, o último médico do Partido]
Ainda não raiava a manhã, as pessoas amontoavam-se à porta do médico que pouco descansava. Era uma disputa terrível pelo clínico, chegando mesmo a causar desordens e a única solução era começar por um lado e terminar pelo outro.
Saía de madrugada e regressava alta noite. Comia por onde andava e o que lhe ofereciam.
Uma jovem doente de Vilgateira era a primeira a ser visitada. Caiu-lhe o cabelo e perdeu o andar mas a doença não a conseguiu vencer!
Consta que as mulheres grávidas eram facilmente vitimadas pela doença. Em Vilgateira existindo sete, todas resistiram, o mesmo não acontecendo no Outeiro, onde já houve vítimas.
[A centenária Farmácia Mendes, em Vilgateira. Foto JV, 2009]
Parece que o uso de bebidas alcoólicas protegia de certa maneira as pessoas. Em casa de nossos ascendentes, ainda que a epidemia tivesse entrado, não causou vítimas e usou-se muito o anis escarchado.
Que seja do nosso conhecimento, serviram este partido médico os seguintes clínicos: Drs. Júlio Montez, Alberto de Sousa, Miguel d`Ascenção, Cunha Gonçalves e Adriano de Oliveira.
Muitos médicos de Santarém e redondezas, alguns bem conhecidos, fizeram receituários ao povo desta freguesia. Entre eles destaca-se o Doutor Oliveira Feijão que nas suas estadas na Quinta da Mafarra, não deixava de atender quem de si se abeirasse, muitas vezes os seus próprios trabalhadores ou familiares.
Nomes como os Drs. Pompeu, Anacoreta, Manuel Branco, Francisco Godinho, Pereira de Melo, Silva Pereira, Pedroso da Costa, Cortez e J.A. Ferreira, constam frequentemente do livro copiador de receitas da Farmácia Mendes.
Com a saída do Dr. Adriano de Oliveira, Vilgateira nunca mais dispôs de médico permanente. Por vezes, um ou outro ia semanalmente dar consultas.
Com a criação de uma Delegação da Casa do Povo de Santarém, a funcionar no edifício da Junta de Freguesia, têm os varzeenses assegurados alguns serviços de saúde indispensáveis com a deslocação de médicos e enfermeiros.
NOTA
(1) – Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão.