quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Implantação da República

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 4 DE OUTUBRO DE 1991)



Desta vez, não foi difícil encontrar o tema a desenvolver. Ele ajusta-se ao momento visto passar amanhã mais um aniversário da queda do regime monárquico.

Interessará por venturas aos varzeenses e... não só, saber alguma coisa do que se passou nesse já distante ano de 1910.


É de sempre o choque provocado pela mudança profunda de qualquer regime político. As cenas repetem-se, chegando mesmo à utilização de termos revolucionários. Sucedem-se as justiças e injustiças, aproveita-se a mudança para retaliações de ordem pessoal, de fachada política. Para falarmos só nos últimos tempos, foi assim com a implantação do liberalismo, foi assim com a República, foi assim com o 28 de Maio de 1926, foi assim com o 25 de Abril de 1974.

A freguesia da Várzea não ficou inerte com a Proclamação da República e apenas dezoito dias chegaram para que a Comissão Paroquial Republicana, nomeada por alvará de 21 de Outubro de 1910, do Governador Civil, tomasse posse. Era constituída pelos cidadãos, Joaquim Eloy, Manuel Glórias e Joaquim Lopes, e a posse foi-lhe dada pela Junta Paroquial cessante, de que faziam parte, o Padre João Nuno Cotrim (presidente), João Costa e Guilherme Vargas.

Foram entregues os valores existentes, entre eles uma imagem do Sagrado Coração, um estandarte, um resplendor de prata dourado, etc., objectos pertencentes ao extinto Apostolado da Oração da Várzea.

A Comissão empossada resolve reunir de quinze em quinze dias, ordinariamente, aos sábados, pelas sete horas da tarde e em casa do cidadão membro da mesma, Joaquim Eloy. (1)

No dia seguinte, 24 de Outubro, realiza-se a primeira sessão mas com a presença de mais dois elementos, João Lopes da Fonseca e António Fragoso Rhodes.

Não se sabe porque não tomaram posse no dia anterior e nem a eles se faz qualquer referência naquele acto.

Procedeu-se à eleição para os cargos, que deu o seguinte resultado: João Lopes da Fonseca (presidente), Joaquim Lopes (tesoureiro) e Joaquim Eloy, secretário.

É nítida a preocupação de arranjar alguém que pudesse desempenhar capazmente a presidência e daí talvez o seu aparecimento tardio.

Republicano convicto? Talvez não. Republicano de ocasião, é possível.

Por proposta do vogal Manuel Glórias, resolveu-se informar o Governo Civil da recusa da anterior Junta, em entregar vários objectos, entre os quais um harmónio de que se desconhece o paradeiro. (2)

Mais tarde são entregues um Menino Jesus, um crucifixo e uma imagem de S. Pedro.

Outros são negados pois declara-se pertencerem a particulares. Apesar disso são pedidas providências no sentido de serem punidos pelas irregularidades detectadas, solicitando-se para o efeito uma audiência à Junta transacta. (3)

Em 29 de Outubro, ainda em ambiente político quente, o tesoureiro, Joaquim Lopes, propõe que se oficie ao Administrador do Concelho, para que seja extensivo a esta freguesia a proibição do dobre pelo sino, no dia de Finados.

A par da medida revolucionária é a vez do presidente propor um bodo a vinte pobres, dos mais necessitados, para regozijo da Proclamação da República. (4)

Entretanto, o vogal António Fragoso Rhodes é substituído por António Luiz Jacinto.

Como é natural, processa-se o saneamento político da Comissão de Beneficência, que passou a ser constituída por:- Dr. Júlio César Madeira Montez, Augusto de Oliveira Mendes, António Duarte do Carmo, David Martins Heitor e João Costa Constâncio. (5)

O horário do comércio local foi assunto muito debatido nas primeiras sessões republicanas e originou posições divergentes, o que não era habitual.

Pretende-se uniformizar a hora de encerramento tendo sido proposto e acabou por ser aprovado por maioria: “deverá o regedor mandar por um cabo de polícia, fazer o sinal com o toque da sineta existente na Capela de Santo António, procedendo o mesmo cabo, em seguida, a uma ronda por todas as tabernas. Como porém há sítios onde a sineta não é ouvida, deverão ser colocados editais para o mesmo fim com fiscalização feita pelos mesmos cabos de polícia”. (6)

[Actual edifício da Junta de Freguesia. Foto JV, 2005]

Na sessão de 1.7.1911 é aprovado um voto de regozijo pelas melhoras do Dr. Afonso Costa, Ministro da Justiça, voto que se deve fazer chegar ao seu conhecimento.

Cabe a esta Comissão o primeiro pedido para a criação de uma escola mista no lugar de Perofilho, pois fica a uma distância de 5 km. (7) da única existente na freguesia, situada em Vilgateira.

É pedida em contrapartida a dissolução da Irmandade Fabriqueira da Freguesia. (8)

Outra deliberação curiosa foi tomada:- Pedir autorização para que seja dados nomes de pessoas ilustre e históricas às ruas de Vilgateira e numerar todas as portas(9). Passados oitenta anos (!), ainda não foi feito, apesar do fornecimento de energia eléctrica e água ao domicílio.

Na década de setenta a Junta de Freguesia deu o nome de “Heróis do Ultramar” a uma das ruas de Vilgateira, mas nem sequer foi colocada placa toponímica, já que não havia verba para isso.

Pela leitura das actas das sessões nota-se o azedume causado pelos monárquicos locais, alguns referidos directamente mas outros que se lêem nas entrelinhas.

É curiosa a proposta feita por Joaquim Eloy, que foi aprovada:- “(...) caso rebente a contra-revolução se tomem rigorosas medidas visto haver grande número de beatos e religiosos encapotados e que toda a cautela é pouca, convidando-se por meio de editais para os cidadãos que queiram ir defender a Pátria e a República e que se queiram alistar, a começar pelo proponente”. (10)

É natural que alguns factos passados neste período tenham ficado ma memória do povo varzeense, transmitidos de pais para filhos pela via oral.

As circunstâncias da vida não nos permitiram ir procurá-los para aqui os deixarmos escritos.

[Edifício onde funcionou a antiga Junta de Freguesia, hoje biblioteca. Foto JV, 2009]

Pensamos que se a fonte documental é a base de uma investigação, os “floreados” da tradição, e nunca passando de tradição, ajudam-nos a compreender talvez melhor os assuntos. Existem mesmo factos reais que a documentação não regista por variadíssimos condicionalismos.

Também somos de opinião que seria interessante verificar a trajectória política destes “políticos”.Talvez tivéssemos dificuldades nalguns casos, entrando em dúvidas se não existiam duas pessoas com o mesmo nome!

As certidões de nascimento encarregavam-se de nos confirmar que se tratavam de uma única e só pessoa!

NOTAS

(1)– Livro de Actas da Junta de Paróquia, iniciado em 1.12.1873, sessão de 23.10.1910
(2) – Idem, sessão de 24.10.1910
(3) – Idem, sessão de 12.11.1910
(4) – Idem, sessão de 29.10.1910
(5) – Idem, sessão de 1.12.1910
(6) – Idem, sessão de 24.12.1910
(7) – Ofício do Presidente da Câmara, datado de 14.4.1910
(8) – Ofício do Presidente da Câmara datado de 24.3.1911
(9) – Acta da Sessão de 9.10.1912
(10) – Acta da sessão de 1.7.1911