(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 26.02.1993)
Quando escrevi a MEMÓRIA sobre os Santos Populares, era meu intuito referir uma marcha que se formou, criada para actuar nesta altura.
Eu devia ter treze anos, lembrava-me de andar atrás dela e da letra, aquilo que nunca esqueci: Como lhe chamam os velhacos/ dos macacos lá de fora, o que naturalmente mais me impressionava como habitante do bairro.
Pouco mais sabia, o que era muito pouco!
Tentando dar o relevo que o assunto merece, no meu entender, procurei junto de minha prima Anel, que me tem auxiliado nestas MEMÓRIAS com a sua veia poética, e que como sabem, ainda mora no MEU BAIRRO, o auxílio possível. Da mesma idade, sabia tanto como eu. Juntos, procurámos algumas pistas que ela tem tentado explorar, já que me encontro muito distante.
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Segundo a nossa opinião que coincide com as pessoas consultadas, que foram componentes da marcha, a mesmo foi organizado em 1951, já lá vão por isso mais de quarenta anos, pelo que as memórias vão falhando.
O grande impulsionador foi o Sargento Músico Alves Cabreira que murou durante muitos anos no MEU BAIRRO na casa em frente da qual ficava o marco do correio, que já desapareceu.
Segundo nos informaram foi o autor da letra, da música e ensaiador, nesta última tarefa auxiliado pelo carteiro Cardoso que nessa altura era seu vizinho pois morava no pátio Augusto Manuel.
Por intermédio de um contacto telefónico, acabei de saber que o Sargento Cabreira, com oitenta e dois anos, vive na vila de Cantanhede.
Os ensaios tinham lugar na garagem da Empresa de Viação A Scalabitana (vulgo Vinagre), gentilmente cedida para o efeito pelo seu proprietário, também residente na minha rua.
[Garagem da Empresa de Viação A Scalabitana (vulgo Vinagre)]
Lembro-me bem disso, apesar de não termos acesso ao local, como era natural.
Contudo, a rapaziada, mesmo cá de fora ia aprendendo a letra e a música que íamos trauteando.
Quanto aos trajes, informam-nos que a maioria foram emprestados em Almeirim e alguns em Alpiarça.
As raparigas trajam por isso à moda de Almeirim e os rapazes à “barrão”.
Lembro-me que os pares levavam arcos enfeitados com balões, aliás como a própria letra indica.
A nossa prima ao procurar junto de um elemento do grupo a letra, foi informada que pouco tempo antes a tinha deitado fora pois nunca pensou que alguém viesse a ter necessidade dela e a marcha fosse falada. Contudo, por intermédio deste elemento, foi possível localizar a mais nova ou das mais novas componentes que, nos seus quinze anitos, fixou e reteve a letra que nos transmitiu e passamos a reproduzir.
MARCHA DO BAIRRO
DOS
COMBATENTES (1951)
Letra de Alves Cabreira
Andam cá no bairro em sobressalto
Os corações.
A luz que os alumia vem do alto
Dos balões.
Afinem as gargantas pr´as canções
E toca andar
Que a marcha cá do bairro,
É p`ra marchar.
O Bairro da Liberdade
Das Padeiras ao Choupal,
É o mais belo da cidade,
Como ele não há igual.
Orgulho de quem cá mora
A aldeia dos macacos
Como lhe chamam os velhacos
Dos macacos
Lá de fora.
Rapazes e cachopas cantem todos
Sem parar
Que o Rádio Ribatejo pelos modos
Vai gravar.
Afinem as gargantas
E toca a andar
Que a marcha cá do bairro,
Vai p´ro ar.
Haverá algum leitor que possa fazer alguma correcção tanto à letra como a qualquer outra circunstância? Alguém possuirá a música?
Além da sua exibição pelas ruas do MEU BAIRRO que causou grande euforia, entre os residentes, a marcha actuou também numas festas realizadas no Jardim das Portas do Sol.
É feliz o autor chamar ao bairro dos Combatentes, Bairro da Liberdade (não sei como a censura deixou passar!) e o limite que lhe deu, das Padeiras ao Choupal é (era) o mais realista possível.
Ofendido como todos os moradores do Bairro, não deixou de transferir o epíteto, reforçado com velhacos, para os “lá de fora”.
Terminou as referências locais com o novel Rádio Ribatejo, também a emitir do bairro, o que era orgulho para todos os moradores.
É muito pouco o que conseguimos reunir sobre “A marcha cá do bairro”, foi o possível.
A experiência infelizmente não teve continuidade, ainda que tivesse havido no ano seguinte uma tentativa nesse sentido.
Obtivemos ultimamente, por lembrança de uma moradora no bairro, mais duas indicações importantes. A madrinha da Marcha foi a filha do proprietário da garagem onde os ensaios se faziam. Afirma também que a marcha foi filmada pelo Sr. Joaquim Mata, escalabitano muito dedicado à fotografia e à filmagem de tudo o que fosse da sua terra.
Com esta publicação, evita-se que mesmo este pouco se venha a perder.
Não podemos terminar sem uma palavra de agradecimento à Sra. D. Fernanda Cruz e ao Sr. Margarido da Silva, componentes da marcha que gostosamente colaboraram neste trabalho que sem o elo de ligação da minha prima Anel, não seria possível. Para ti, o meu agradecimento, também.