(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 19 DE FEVEREIRO DE 1999)
Não será fácil identificar ao cidadão comum, do meu tempo, esta figura para mim marcante. E marcante para mim, porquê ? Existe efectivamente uma razão para isso, é que este homem era irmão de uma minha tia por afinidade e daí eu conhecer coisas que outras não conhecem. Ao vê-la chorar, eu, criança, ficava oprimido e perguntava-lhe a razão e era então que me fazia a explicação que apesar de não compreender bem, me deixava chocado.
Viveu muitos anos na Rua Almeida Garrett, no segundo quarteirão do lado direito de como quem entra, oriundo do “Largo das Amoreiras”. Nessa altura, era a única possibilidade de entrar no hoje velho bairro.
Vivia numa pequena casa que tinha na sua frente um quintal, tipo de construção muito típica no meu bairro nos seus primórdios e de que hoje restam poucos exemplares, presumindo que este seja um deles.
Aí criou os filhos como pode , como pode é uma maneira de dizer já que, trabalhando, vencia o suficiente para manter com a dignidade da época, a família que não era pequena. O que acontecia é que o regime de então o privava por vezes da sua liberdade, encarcerando-o, deixando assim a família em situação difícil.
Profissional competente, sempre o conheci como encarregado de um serviço, respeitado por patrões e colegas de trabalho seus subordinados que o consideravam um mestre competente e exigente.
Os filhos que lhe conheci, eram mais velhos do que eu.
Nunca o vi falar com ninguém, nem com o próprio cunhado que era meu tio. Limitava-se à saudação habitual de bons dias, tardes ou noites, conforme as circunstâncias.
Pessoa extremamente fechada, tinha boas entradas no cabelo, baixo e um pouco para o forte.
Com a minha saída do bairro, deixei de o ver e tive conhecimento que faleceu ainda relativamente novo, muito antes do 25 de Abril.
Alguns que o criticavam por não abdicar das suas ideias políticas, vieram a “defendê-las” após aquela data.
Nada o fez abdicar das suas convicções políticas, pelas quais se bateu até à morte.
O seu comunismo foi ao ponto de dar o nome de um dos símbolos do comunismo ao filho primogénito que no decorrer dos anos e até ao 25 de Abril devido a isso, viu-se sempre olhado com desconfiança.
Para ti Victor, o meu abraço de amizade.