(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE MAIO DE 1993)
Quando na XVI MEMÓRIA, intitulada, “O HOSPITAL DE JESUS CRISTO E A SUA IGREJA”, publicada em 26.03.93, referimos a limitação do MEU BAIRRO, a grosso modo, por dois conventos, o dos Frades Terceiros de S. Francisco, que deu origem ao extinto Hospital de Jesus Cristo, e o das Dominicanas das Donas, demos a entender que mais tarde diríamos alguma coisa sobre este último. Assim vai acontecer hoje.
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Antes de reproduzirmos aquilo que recolhemos na literatura da especialidade, iremos procurar voltar à nossa meninice e dar uma ideia do que era nos anos quarenta aquele grande casarão para o qual olhávamos com admiração pelo seu volume e número de janelas.
Quando seguíamos pela mão do nosso pai e passávamos perto, havia sempre perguntas a fazer a que ele respondia dentro das suas possibilidades e em linguagem que nos fosse perceptível.
Dizia-me que tinha sido um antigo convento a que chamavam das “Donas”.
Lembro-me que as paredes eram pintadas de ocre amarelo e foi-o assim durante alguns anos. Os terrenos adjacentes e que eu percorria quando ia a casa de meus avós, estavam apenas terraplenados. Se no Inverno as poças provocavam lamaçal, no Verão ou no Outono, quando se levantava ventania, vinham nuvens de poeira que tapavam o nosso horizonte e nos deixavam todos sujos. Era isto o Campo-Fora-de-Vila como então chamávamos ao já oficialmente Campo de Sá da Bandeira.
A estrada para Lisboa passava junto ao muro do Seminário e em frente da Rua Teixeira Guedes, aos Correios, havia a “Gaiola do Canário”, como chamávamos a uma cabina semafórica manual, de forma cilíndrica, envidraçada até ao meio na parte superior e pintada de vermelho, se a memória não me atraiçoa. A estrada contornava o Largo das Amoreiras, curvando à Fonte do Boneco.
No Campo-Fora-de-Vila só havia meia dúzia de árvores junto a um velho e derruído muro e onde se encontra hoje uma estação rodoviária. Chamávamos a estas árvores “bagueiras” pois davam um pequeno fruto esférico, preto quando maduro e que apreciávamos muito o seu gosto.
Era neste campo que se realizava a instrução militar e aproveitavam a sombra destas árvores para apresentar armamento e outras lições do tipo. Muitas vezes ali nos quedávamos a ouvir as lições e quando chegávamos a casa, havia “barulho”
Também aqui se realizavam as feiras anuais e os mercados de gado e também grandes largadas de toiros de que ainda me lembro. Velhos tempos!
Mas, não é sobre o Campo-Fora-de-Vila que nos propusemos escrever alguma coisa, mas sim sobre o Convento das Donas, como me ensinou meu pai.
Lembro grandes obras no que respeita à parte exterior e virada para o Largo das Amoreiras, afinal tal como se encontra hoje. Ainda não havia estrada, era um terreiro.
Vamos então ao que respigámos sobre o velho Convento das Donas.
Em meados do século XIII, reinando D. Sancho II, uma “dona” da então vila de Santarém, Elvira Duranda, que frequentava a igreja do Convento de São Domingos (onde se veio a construir o primeiro redondel da cidade) teve uma visão miraculosa, causando-lhe isso tal perturbação que resolveu desprezar as coisas terrenas.
Mandando fazer um cubículo subterrâneo junto da ermida da Senhora da Abóbada, então existente perto do Convento da Trindade, onde se “emparedou”. Aquele cubículo só tinha uma fresta para dentro da ermida, por onde passavam os alimentos e os “sacramentos”, Adoptou naturalmente a “emparedada” o hábito de São Domingos.
Após Elvira Duranda, mais “donas” de Santarém lhe seguiram o exemplo, chegando facilmente a dezanove.
Como dissemos, as celas encontravam-se na érea do Convento de São Francisco mas as “emparedadas” recebiam a direcção espiritual dos dominicanos. Esta circunstância acabou por dar origem a um litígio que se prolongou por vários anos, acabando numa solução conciliatória, deixando as “emparedadas” as suas celas, reunindo-se em comunidade perto da porta de Mansos, onde se mantiveram até à extinção das ordens religiosas (1834).
O Convento chamou-se de S. Domingos das Donas, para não se confundir com o de S. Domingos dos Frades, sito na Rafoa.
As dependências do mosteiro passaram a ser utilizadas para fins militares. Fizeram dali quartel várias unidades, como um regimento de infantaria, batalhão de ciclistas (daí o topónimo popular Rampa dos Ciclistas), regimento de artilharia, dependência da Escola Prática de Cavalaria e presentemente, se julgo saber, Distrito de Recrutamento e Mobilização, além da PSP.
Informa o Senhor Professor Doutor J. Veríssimo Serrão, na sua monumental História de Portugal, vol. X, pág. 238 que “Considerando o pedido da Câmara Municipal e da Associação Comercial de Santarém, o Governo... concedeu o extinto Convento de S. Domingos das Donas para instalar um aquartelamento e escola do ensino primário, ficando as obras de adaptação a cargo do Município” (30.01.1902).
Do Convento resta apenas a configuração e um ou outro vestígio, como fragmentos de lápides, pedras brasonadas e azulejos.
Na igreja, além de outros nobres, repousaram os Teles de Meneses, condes de Unhão.
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BIBLIOGRAFIA
Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971
Santarém, Vitor Serrão, 1990
Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, 1976