sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A água, esse precioso líquido

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 13 DE SETEMBRO DE 1991)

Numa conversa familiar alguém nos pergunta, olhando para o volume dos nossos apontamentos e antes de os ler:- Tudo isto é sobre a freguesia da Várzea? Afinal o que há para dizer sobre meia dúzia de aldeolas, algumas nem esse nome podem ter, que constituem essa freguesia? Para mim, e continuava, uma folha chegava e tinha dificuldade em completá-la.

O que este familiar nos disse, pode ser extensivo a muita gente, incluindo os varzeenses.

O gosto que temos por essa temática obriga-nos a ler isto e aquilo, umas vezes para encontrarmos referências, outras para podermos traduzir o que vimos ou que nos contaram. Se colocarmos a sensibilidade ao serviço da questão, conseguimos de pequenos nadas que passam despercebidos a muita gente, organizar um tema que ao ler-se, pode interessar aos leitores.

Este pequeno intróito justifica o tema que hoje iremos abordar.

Quem já tinha pensado nele?

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Água, esse precioso líquido, não é escassa na freguesia, bem pelo contrário, pode-se considerar região rica em águas nativas.

Sem qualquer rio, possui contudo grande rede hidrográfica constituída por pequenos cursos de água, ribeiros, regatos e arroios.

Procuraremos agora dar uma ideia dos ribeiros existentes que em épocas recuadas moveram moinhos e azenhas que constituíam a principal indústria moageira, importante numa região cerealífera como esta.

DAS FONTAÍNHAS
Ao norte da freguesia corre este ribeiro que deve ter origem na vizinha freguesia da Romeira, atravessa a Quinta da Granja, sendo conhecido por isso como “Rio da Granja”. Corre depois paralelamente ao alongado povo do Cortelo, cruzando-se com a estrada do “Casal do Poço”, o que provoca largo aqueduto.

Atravessa depois a estrada nacional nº 114 e entra na freguesia de S. Nicolau, irrigando a dispersa povoação que lhe deu o nome e indo desaguar ao Rio Asseca, afluente do Tejo.

O topónimo Fontainhas tem origem no grande número de pequenas fontes existentes na zona.

DE VILGATEIRA
Na parte central da freguesia destaca-se este ribeiro que, segundo nos informaram recentemente, tem origem num olho de água que brota no Casal das Figueiras. Depois de passar pela Fonte da Aramanha, Casais da Azenha e Fonte de Vilgateira, toma a designação de “Rio de Pau, atravessa a estrada, dando origem ao que impropriamente se chama “Ponte do Rio de Pau” e entre em terrenos da Quinta do Freixo. Corre depois pelo vale paralelo ao alongado povoamento da Carneiria e na várzea” deita as suas águas no Ribeiro de Perofilho, aqui designado por “Rio de S. Martinho”.

DE PEROFILHO

[Ponte romana em Perofilho. Foto JV]

Fica ao sul este curso de água que é o mais importante da freguesia e se formou pela junção dos ribeiros da Lamarosa e do Vidigão.

Vai recebendo os regatos do Baixinho, de Alcobacinha, que nasce nas proximidades dos Casais da Aroeira, da vizinha freguesia das Abitureiras, e o da Pontinha que é conhecido por “rio Feitor” e rio das Laranjeiras”, conforme os locais por onde passa.

O ribeiro de Perofilho depois de atravessar a estrada nacional nº 114, corre pelo vale situado entre os Casais do Rosário e os da Charruada e Mata-o-Demo, desaguando na vala da Asseca. (1)

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Acabámos de ver os pequenos cursos de água, mas não são só estes que nos interessam abordar.

Se as fontes existentes na freguesia hoje pouco ou nada representam para a população, não há muitos anos tinham grande importância sendo das principais preocupações dos órgãos autárquicos. Chegou mesmo a haver o pelouro das fontes.

Além de fornecerem água para o consumo doméstico, pois nem todos tinham possibilidades de mandar abrir um poço, davam de beber aos animais e abasteciam os lavadouros públicos, naturalmente muito frequentados e o principal ponto de coscuvilhice.

Hoje, a sua utilização é muito restrita e deveriam constituir verdadeiros “monumentos” locais que deveriam ser preservados. (*)

Iremos assim referi-las com os dados que nos foi possível obter.

DE VILGATEIRA
A sua existência teria acabado por dar origem a um pequeno aglomerado populacional, em desenvolvimento. Localiza-se numa baixa, como é próprio, e num lugar frondoso, na linha do ribeiro de Vilgateira.

[Antiga Fonte de Vilgateira. Foto JV]

Em 15 de Junho de 1890 compareceu na reunião da Junta de Paróquia, D. José Sacoto Galache que fez algumas considerações sobre a maneira de empregar bem o dinheiro concedido pelo Ministério das Obras Públicas para reparar a fonte. As suas sugestões foram tomadas em boa conta e aprovadas pelos presentes. D. José tinha-se deslocado a Lisboa usando os seus bons ofícios para a concessão do subsídio.

António Vargas arrematou por concurso a perfuração da mina nume extensão de 27 metros (20.07.1890).

Actualmente possui tanques cobertos por bom telheiro. Três bicas. Duas abastecem pias que dão de beber aos animais, hoje em reduzido número.

Uma placa de pedra tem a seguinte inscrição:- J P (que significa Junta de Paróquia) – 1896. Deve atestar qualquer reparação importante que sofreu.

Ainda que não tivesse ficado assinalado por inscrição, sabemos que foi reparada em 1911, 1933 (2) e 1945, mas neste caso ficou inscrição a atestá-lo.

Na frontaria, trabalho simples de argamassa onde realça uma estrela de cinco pontas.

Em 1960 a Junta de Freguesia solicita providências ao Delegado de Saúde por causa das águas estarem impróprias para consumo devido a infiltrações de água de rega. Um ano depois procura-se expropriar uma faixa de terreno para evitar tais infiltrações.

DA PONTINHA
A outra fonte que abastecia Vilgateira, situa-se na linha de um regato com o mesmo nome. Menos apetrechada do que a anterior, tem acesso difícil, principalmente na época invernosa, ainda que no Verão de 1986 tenha tido arranjo considerável com utilização de máquinas. Possuindo tanques para lavagem de roupa e pia para o gado beber, foi coberta cerca de 1975, o que foi feito com muito mau gosto.

Em sessão da Junta de 18 de Agosto de 1918, concluiu-se que era necessário limpar a mina e nascente e conveniente evitar a entrada por intermédio de porta com fechadura, não possibilitando assim que a garotada lançasse peras, paus e outros objectos.

Em 1961 foi cimentado o chão junto ao tanque.

[Fonte da Pontinha, restaurada em 2008. Foto JV]

DE PEROFILHO Situa-se nas proximidades da aldeia que servia, no velho caminho da ponte romana que vence o ribeiro do mesmo nome.

Parece-nos de antiguidade considerável.

[Antiquíssima Fonte de Perofilho. Foto JV]
Em 1911 a Junta de Paróquia não orça qualquer verba para o seu arranjo, visto “se encontrar n`uma rocha enorme e tornar-se muito dispendioso mexer-se nela”. Sete anos depois diz-se que necessita de grande limpeza, além de se dever procurar um maior caudal.

A situação vai-se arrastando e em 1961 a Junta de Freguesia procura resolver a precária situação em que vivia o povo perofilhense, prevendo-se a construção de um depósito para recolha de água a fim de abastecer a população e lavadouros públicos entretanto a construir.

Nada disto é realizado e dois anos depois fala-se na construção de um alpendre e tanques individuais.

Em 5 de Junho de 1964 a Junta de Freguesia oficiando à Câmara Municipal informa que só foi conseguido o arranjo da mina, apesar dos pedidos formulados em 1953, 1961 e 1963 e nunca satisfeitos.

Pretende-se que rapidamente sejam feitos um reservatório subterrâneo, a construção de tanques individuais e alpendres. O Ministro do Interior visitou a fonte acompanhado do Presidente da Câmara e reconheceu o interesse da obra.

Nem mesmo assim o trabalho avançou e em 1973 era voz corrente que houve uma reunião com indivíduos de Perofilho e entidade particular não especificada, para resolver em Lisboa, com urgência, a construção de fontanários e tanques.

Só após 1974 o abastecimento de água foi resolvido mas não por intermédio da fonte, completamente abandonada.

DA ARAMANHA
Situa-se na linha de água conhecida por “rio Pau”. A bica cilíndrica de chapa de ferro sobressai no paredão que a define, rematado por adorno simples. Placa de mármore com “C. M. – 1871” indica certamente grande reparação feita pela Câmara Municipal. Ladeiam o local para colocação de vasilhas, poiais de pedra.

A água quando não recolhida pelas vasilhas segue o caminho das duas pias e do tanque com cerca de 10 X 5 metros, com telheiro a quatro águas, efectuado pela Junta de Freguesia da Várzea em 1952, como atesta a inscrição. As pias foram feitas com pedras sepulcrais oriundas do antigo cemitério da freguesia.

Sabemos que em 1911 fizeram-se reparos que montaram a 50 mil réis e em 1918 há preocupações pelo mal que causam as raízes da árvore próximo, que inutilizam as manilhas.
[Fonte da Aramanha restaurada em 2007. Foto JV]

DO CORTELO
Aparece também indicada como poço. Em 22 de Setembro de 1960 é pedida autorização para atravessar o Aqueduto do Alviela na trincheira nº 37, com uma canalização de água do lavadouro, o que foi concedido.

Em 8 de Dezembro seguinte são inaugurados os tanques com a presença do vereador da Câmara Municipal, António Ribeiro de Fragoso Rhodes.

Em 1961 é considerada necessária a expropriação duma faixa de terreno para serventia pública e construção de uma caleira para a condução de águas de despejo dos tanques.

DA CARNEIRIA
Indicada como de mergulho e situada junto a uma propriedade que foi do Tenente-coronel Fonseca Guedes. As obras projectadas para esta fonte foram abandonadas.

DE ALCOBACINHA
Igualmente indicadas como de mergulho. Em 1961 pretende a Junta colocar uma bomba aspirante e a construção de tanques.

***

Depois de termos falado de ribeiros e de fontes, resta-nos referir os poços.

Nas margens dos cursos de água, abrem-se dezenas de poços que possibilitam boa horticultura e variadíssimas árvores de fruto.

Na aldeia de Vilgateira são poucos os fogos que não possuem poço, o mesmo acontecendo noutros aglomerados populacionais. É evidente que estamos a referir-nos às habitações antigas.

O abastecimento de água era e é naturalmente uma preocupação dos órgãos autárquicos. Fontes e estradas (caminhos) foram durante séculos preocupações dominantes da Junta de Freguesia (ou de Paróquia) e daí ser o tema mais abordado em reuniões.

[Fontanário nas Casais da Charruada. Foto JV, 2009]

Em Setembro de 1981 foi aberto um furo no sítio das Hortas e que tem 182 metros de profundidade. Com bom caudal, a água é conduzida para um depósito situado nas proximidades dos Casais da Narcisa e abastece ao domicílio praticamente toda a freguesia e mesmo várias localidades circunvizinhas.

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Isto é o que nos foi possível reunir sobre o assunto. De maneira nenhuma, aliás como em qualquer outro, está esgotado.

É preciso continuar a reunir novas achegas. É preciso corrigir o que está errado. Só assim é possível conhecer melhor a freguesia da Várzea.

NOTAS
(1) - Carta militar de Portugal, folha 352.
(2) - Boletim da Junta Geral do Distrito de Santarém, nº 37, Julho/Dezembro de 1933.

(*) – Escrevemos então e já lá vão 18 anos! “Hoje, a sua utilização é muito restrita e deveriam constituir verdadeiros “monumentos” locais que deveriam ser preservados”.
Como algumas fotografias que apresentamos demonstram, os responsáveis locais entenderam, tal como nós, que as “fontes” tinham de ser preservadas. Prestaram um bom serviço ao património da Freguesia o que devia ser seguido pelas suas congéneres.