(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 19 DE JULHO DE 1991)
[Antigo cavador da Várzea de Santarém. Foto cedida por Luís Fontes]
Quem se debruçar sobre o passado de uma região, mais ou menos circunscrita, nunca pode deixar de ter em consideração a maneira de vestir e calçar das suas gentes.
O seu conhecimento ajuda-nos a compreender melhor a região, desde a maneira de ser do seu povo aos trabalhos que então executavam.
Não vou apresentar aqui um estudo sobre o assunto, primeiro porque não tenho conhecimentos para isso, segundo porque não é esse o sentido do “escrito” e por último porque tem este semanário colaboradores verdadeiros especialistas na matéria que aliás têm com frequência tratado do assunto com propriedade.
Pretendemos sim, dentro das nossas modestas possibilidades, dar continuação a temas da vida varzeense que temos vindo a abordar e como tal não podíamos fugir a este.
É nesse sentido que aqui estamos.
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A maneira de vestir e calçar esteve sempre ligada à actividade desenvolvida e ao meio em que ela se exerce.
O minhoto não traja como o alentejano, por exemplo, nem a mulher dos campos do Sorraia como a transmontana.
As diferenças são muit6as, desde as formas, passando pelos materiais e mesmo as cores.
Nesses tempos, era quase tudo feito pelas próprias pessoas ou por artesãos locais.
O desenvolvimento dos trabalhos agrícolas e artesanais com a introdução de novas tecnologias, a abertura de novas vias de comunicação e o aparecimento de novos meios, vieram estabelecer igualdades e paralelismos então inexistentes.
Hoje, a fábrica que produz camisas ou sapatos fá-lo para venda em todo o País e mesmo no estrangeiro. Chegam a todos os locais quase ao mesmo tempo.
Se o trabalho manual está reduzido ao mínimo possível, a maneira de trajar deixa naturalmente de se impor, por desnecessária.
Reparar que as grandes feiras anuais que se realizavam por todo o país, estão em completo declínio a favor dos mercados mensais que começaram a proliferar – mercados de um dia e não feiras de oito ou quinze, é a resposta dos novos tempos. Não mais o homem pode esperar um ano para adquirir o que necessita. Tudo naturalmente mudou.
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Por volta dos finais da década de cinquenta e princípios da seguinte, dos nossos dias, ainda era possível ver na freguesia homens com os seus trajes característicos, ainda que o número já não fosse significativo, aparecendo muitos casos com desvirtuamento.
Na freguesia da Várzea não havia uma maneira própria de trajar. O varzeense trajava como qualquer outro homem do “Bairro de Santarém”.
Assim, usava calça à boca-de-sino, faixa, camisa branca e barrete ou chapéu de aba larga. As mulheres vestiam blusa, saia de pano grosso, pequeno avental (o seu luxo) garridamente bordado ou enfeitado com rendas e lenço de ramagens graciosamente posto na cabeça.
Nos trabalhos de campo, o calçado para ambos era de couro, ensebado para se conservar e cardado ou brochado para mais durar.
Para mim, e de todos que conheci, era o meu vizinho José Calhariz (localmente Calharizo), o que vestia mais genuinamente.
Quando o conheci, já estava bem entrado na idade, pelo que, entregou as fazendas ao genro e já não trabalhava.
Era uma figura meã, seco de carnes, a calça muito justinha, caindo sobre o atacado da bota cardada, a aba, o que fz lembrar, pelo recorte, a boca de um sino e daí, segundo pensamos o nome. Jaqueta bem justa.
Quando por ali estávamos, por volta das dez da manhã, contendia connosco. Dava um saltinho, muito característico para vencer a pequena regueira junto de sua casa e lá ia ao seu mata-bicho, que não dispensava.
Quando jovem, contava-nos a nossa mãe, dançava muito bem o fandango.
Com o seu desaparecimento, e já lá vão cerca de trinta anos, o nosso eleito passou a ser, José Ulisses (localmente Lícias), que nos lembramos muito bem ver enrolar a cinta preta que não dispensava, tal como o barrete.
Também não nos esquece o seu cumprimento ou agradecimento de barrete na mão.
Por estas alturas, havia mais homens ainda a cumprir a tradição já em franco declínio. Hoje, tudo acabou e se os jovens querem conhecer como vestiam os seus bisavós, terão de reparar num rancho folclórico de danças e cantares do bairro de Santarém, mas nem todos servem para observação.