quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O futebol

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 12.03.1993)


Entre os anos quarenta e cinquenta dos nossos dias, o descanso semanal circunscrevia-se ao domingo e mesmo assim, não era para todos.

Como ocupá-lo? Ouvir o relato de futebol feito pelo Domingos Lança Moreira ou por Amadeu José de Freitas, na telefonia da taberna mais próxima e que estava suficientemente alto para se ouvir bem na rua.

Numa ou noutra casa, já havia telefonia, e quando vinham ouvir o relato para a porta, os vizinhos aproveitavam.

Como não podia deixar de ser, de um lado os sportinguistas, do outro os benfiquista.
Nestes tempos não havia dinheiro para se ir ver os clubes da sua simpatia a Lisboa, como alguns anos depois veio a acontecer, mesmo ao estrangeiro. Por vezes havia, tal como agora, grandes discussões entre os mais ferrenhos. Era o tempo dos violinos, do Moreira e do Chico Ferreira, este que ainda vi, depois de se ter retirado, fazer uns jogos nos “Leões”, onde jogou algumas épocas o seu irmão António, que era o capitão da equipa. Entre os “leões” e as “águias”, metia-se um “pastel de Belém” ferrenhíssimo adepto do Clube da Cruz de Cristo.

Outros simpatizantes do futebol viravam-se para os jogos locais, havendo nessa altura dois agrupamentos de futebol sénior, o Sport Grupo Scalabitano Os Leões e o Sport Grupo União Operária (vulgo Operário) já que o Grupo de Futebol Empregados no Comércio (vulgo Caixeiros) e a Associação Académica de Santarém ou abandonaram a prática do futebol ou deixaram de ter essa categoria, e o Sport Lisboa e Santarém e “Os Treze”, tinham desaparecido completamente.

Os adeptos, como é natural, dividiam-se por uma e outra equipa. Os Leões, jogavam do estádio Alfredo Aguiar e o Operário no Campo Chã das Padeiras.

Os “dérbis” locais desapareceram quando os Leões jogaram vários anos na 2ª Divisão Nacional, o que nunca aconteceu ao grupo Operário. Os Leões estiveram mesmo a um passo da 1ª Divisão, o que nunca aconteceu ao União de Santarém, produto da fusão entre os dois clubes.

Neste período de diferença entre os dois grupos, a rivalidade aparecia quando se encontravam na categoria de juniores.

Tive o prazer de ser interveniente nesses prélios e no primeiro que disputei, os nervos eram tantos que quando me equipei, tive dificuldade em atar as botas! O jogo disputou-se no Estádio Alfredo Aguiar e na segunda-feira seguinte estive a contas com um professor que tinha assistido ao jogo e era adepto da equipa minha adversária, pois resolveu chamar-me para avaliar os meus conhecimentos. Afinal não era isso que estava em causa, o que ele queria era “mandar umas bocas” por causa de uma ou duas jogadas em que entrei mais rijo! Afinal, “ele” tinha ganho o jogo e folgadamente.

A miudagem do MEU BAIRRO nesses tempos, se os pais não eram adeptos do futebol, como acontecia com o meu, ia bem cedo para a porta dos campos e pedia a quem passava se podia entrar com ele. Já conhecedores da situação eram por vezes eles que nos chamavam para esse efeito e assim assistíamos a todos os jogos.

Lembro-me de uma vez me ter visto aflito ao entrar no Estádio Alfredo Aguiar pelo referido sistema. A avalanche era tal que sentia estar a ser esmagado pelo que tive de gritar o mais alto que pude – foi então que o meu protector e alguns homens que estavam perto conseguiram com muita dificuldade fazer um pequeno círculo que me deixou um pouco mais desafogado.

Tratava-se de um jogo de passagem de divisão, da 2ª para a 1ª. Se a memória não me atraiçoa, era entre o Elvas e o Oriental, que a equipa de Lisboa teria acabado por vencer.

Lembro-me bem do Sr. Leonel da Trindade Pinto, já falecido (vulgo Leonel Padeiro) ter uma grande bandeira do “Operário”, clube da sua simpatia e de que foi dirigente. Foi também grande entusiasta da columbofilia.

***
Viveram nesta época no MEU BAIRRO muitos praticantes de futebol que atingiram nível local ou mesmo nacional. Indicarei os que me vierem à MEMÓRIA, alguns já desaparecidos.

Jogaram em grandes de Lisboa, Octávio, Faustino e Cardoso que treinou várias vezes os Leões e o Operário e era considerado um bom técnico para a época, mas que nunca abraçou o profissionalismo.

Manuel Machado, José Pereira (vulgo Zé Catorze) e o extremo direito Lima, homens da terra que defenderam as cores dos Leões. Baptista, um profissional ex-Benfica, defesa e marcador de grandes penalidades.

O treinador Artur Quaresma, ex-jogador internacional de “Os Belenenses” também aqui viveu na Rua 2º Visconde de Santarém, enquanto treinou os Leões.

Do Operário, passou depois para os Leões, Miguel, um dos melhores guarda-redes que Santarém teve e que jogou até bastante tarde, Martinho, Fernando Pê e Lobato.

Madeira, treinou muitos anos os juniores da Académica.

Fernando Fontes (guarda-redes), os Torgais (José, Carlos e João) e José Aguiar (Zezinho) formaram outras gerações.

Muitos mais ficarão por referir.

Em escrito próprio, voltaremos ao futebol para recordar a grupo popular que na minha juventude se formou no MEU BAIRRO.