terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Alfarroba torrada

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 19 DE SETEMBRO DE 2008)

Já tenho escrito por várias vezes que estas pequenas croniquetas que de vez em quando vou publicando neste e noutros periódicos regionais têm sempre um clique que as fazem despertar e neste caso, assim mais uma vez aconteceu.

Lá pelos contrafortes da Serra do Caldeirão, apeteceu-me apanhar as bonitas alfarrobas, já bem escurinhas, que uma árvore que plantei, já produziu.

As minhas árvores predilectas, confesso que são a oliveira, talvez por ter sido criado próximo delas e a alfarrobeira que só conheci depois de homem. É uma árvore que pode atingir grande porte e antiguidade e para mim extremamente atraente. No meu subconsciente paira talvez a razão para que isso aconteça.

Regressei depressa aos meus sete, oito anos e encontrei-me no local onde começa a descer a designada popularmente Calçada do Monte, nome que penso terá a ver com a Ermida de Nossa Senhora do Monte (séculos XIII-XVI) e a qual servia.

Do lado esquerdo tinham os Saldanha o seu solar, ostentando ainda, segundo creio, na fachada principal a pedra de armas dos Condes de Rio Maior. Gostava imenso de subir aquela larga escadaria e punha-me a olhar para a “pedra” achando-a bonita mas que muito me intrigava. O meu pai deu-me uma ideia do que aquilo era.


[Ramo de alfarrobeira com frutos verdes. Foto JV, 2010] O palácio veio a ser arrendado fraccionadamente. À esquina da Calçada do Monte, com portas para duas frentes, instalou-se uma casa de fazendas. A seu lado uma afamada taberna, conhecido pelo Galante, depois e onde foram as cavalariças, funcionou desde os princípios do século passado uma oficina de bicicletas. Com porta para o pátio de acesso, um conjunto de divisões funcionava como habitação ao lado da qual sempre conheci (hoje não sei) uma padaria.

O acesso foi durante muitos e muitos anos térreo e suportado por um muro bastante tosco por cima do qual fazíamos equilibrismo, brincando e que hoje se encontra naturalmente restaurado.

Mas afinal não era sobre isto que eu queria escrever, na génese do clique estavam as alfarrobas!

É que precisamente à esquina do solar se instalou durante muitos anos uma vendedeira de tremoços, pevides, amendoins, rebuçados enrolados em papel branco e constituídos por açúcar torrado, pinhoadas, uns chupas (pirolitos) em forma de cone muito alongado, possivelmente mais alguma coisa que não me lembro e, o que nunca me esquecerei, alfarrobas torradas!

Era uma mulher já madura, que sempre conheci sozinha. Cabelo grisalho, arranjado em carrapito. De estatura média, era um pouco para o forte. De pele e olhos claros, as sardas davam-lhe um toque não muito comum.

Usava um grosso cordão de oiro, umas arrecadas semelhante às típicas da mulher minhota e no dedo anelar, um cachucho.
Vestia blusas às ramagens de cores garridas e aos folhos. Sentava-se, junto à parede numa pequena cadeira de madeira, tendo na sua frente a banca que armava e onde se colocavam com ordem as iguarias procuradas. Havia sempre uma protecção especial para alguns dos produtos, como era o caso dos doces e mesmo das alfarrobas.
Medidas próprias, normalmente de madeira, para os produtos a granel.

Se a memória não me atraiçoa, na época própria substituía a banca pelo fogareiro a carvão e o assador de barro, para castanhas,

A vendedeira “apanhava” todo o trânsito local e estávamos nas proximidades do Mercado Municipal, do Quartel de Cavalaria 4 e do Jardim da República. Fazia negócio com os frequentadores da taberna que não deixavam de comprar pevides e tremoços para aperitivo dos copos que com os amigos iam bebendo.

Era este o seu modo de vida, nunca lhe conheci outro.

Enquanto vivi em Santarém, passava muitas vezes por ali, o que agora raramente acontece.

Em menino, era frequente a minha passagem pelo local, a caminho da casa dos meus avós paternos que se localizava na estrada de S. Domingos, na altura considerado fora da cidade e ainda me lembro de em casa deles não haver água canalizada, o que, anos depois veio a acontecer e o contador era enorme fazendo grande barulheira quando se abria a torneira!

O meu pai, nunca passava por ali sem me perguntar o que é que eu queria. Por mais vontade que tivesse, nunca lhe pedi para comprar o que quer que fosse, pois assim fui ensinado e o que sempre cumpri.

Ficava naturalmente radiante com a oferta e a minha preferência ia sempre para uma alfarroba, muito eu gostava daquilo! Acontecia que a vendedeira, que era inquilina do meu avô, oferecia-me quase sempre outra, o que muito me agradava. Que gosto tinham aquelas alfarrobas!

Hoje, decorridos que são sessenta e tal anos, penso que está aqui explicada a minha tendência para a alfarrobeira.

Será assim?
_____________________________

Pequena nota

As fotos representam um ramo de alfarrobeira com o seu fruto em verde e depois de maduras, tendo sido a árvore plantada pelo autor.
JV