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Lá pelos contrafortes da Serra do Caldeirão, apeteceu-me apanhar as bonitas alfarrobas, já bem escurinhas, que uma árvore que plantei, já produziu.
As minhas árvores predilectas, confesso que são a oliveira, talvez por ter sido criado próximo delas e a alfarrobeira que só conheci depois de homem. É uma árvore que pode atingir grande porte e antiguidade e para mim extremamente atraente. No meu subconsciente paira talvez a razão para que isso aconteça.
Regressei depressa aos meus sete, oito anos e encontrei-me no local onde começa a descer a designada popularmente Calçada do Monte, nome que penso terá a ver com a Ermida de Nossa Senhora do Monte (séculos XIII-XVI) e a qual servia.
Do lado esquerdo tinham os Saldanha o seu solar, ostentando ainda, segundo creio, na fachada principal a pedra de armas dos Condes de Rio Maior. Gostava imenso de subir aquela larga escadaria e punha-me a olhar para a “pedra” achando-a bonita mas que muito me intrigava. O meu pai deu-me uma ideia do que aquilo era.
[Ramo de alfarrobeira com frutos verdes. Foto JV, 2010] O palácio veio a ser arrendado fraccionadamente. À esquina da Calçada do Monte, com portas para duas frentes, instalou-se uma casa de fazendas. A seu lado uma afamada taberna, conhecido pelo Galante, depois e onde foram as cavalariças, funcionou desde os princípios do século passado uma oficina de bicicletas. Com porta para o pátio de acesso, um conjunto de divisões funcionava como habitação ao lado da qual sempre conheci (hoje não sei) uma padaria.
O acesso foi durante muitos e muitos anos térreo e suportado por um muro bastante tosco por cima do qual fazíamos equilibrismo, brincando e que hoje se encontra naturalmente restaurado.
Mas afinal não era sobre isto que eu queria escrever, na génese do clique estavam as alfarrobas!
É que precisamente à esquina do solar se instalou durante muitos anos uma vendedeira de tremoços, pevides, amendoins, rebuçados enrolados em papel branco e constituídos por açúcar torrado, pinhoadas, uns chupas (pirolitos) em forma de cone muito alongado, possivelmente mais alguma coisa que não me lembro e, o que nunca me esquecerei, alfarrobas torradas!
Era uma mulher já madura, que sempre conheci sozinha. Cabelo grisalho, arranjado em carrapito. De estatura média, era um pouco para o forte. De pele e olhos claros, as sardas davam-lhe um toque não muito comum.
Usava um grosso cordão de oiro, umas arrecadas semelhante às típicas da mulher minhota e no dedo anelar, um cachucho.
Vestia blusas às ramagens de cores garridas e aos folhos. Sentava-se, junto à parede numa pequena cadeira de madeira, tendo na sua frente a banca que armava e onde se colocavam com ordem as iguarias procuradas. Havia sempre uma protecção especial para alguns dos produtos, como era o caso dos doces e mesmo das alfarrobas.
Medidas próprias, normalmente de madeira, para os produtos a granel.
Se a memória não me atraiçoa, na época própria substituía a banca pelo fogareiro a carvão e o assador de barro, para castanhas,
A vendedeira “apanhava” todo o trânsito local e estávamos nas proximidades do Mercado Municipal, do Quartel de Cavalaria 4 e do Jardim da República. Fazia negócio com os frequentadores da taberna que não deixavam de comprar pevides e tremoços para aperitivo dos copos que com os amigos iam bebendo.
Era este o seu modo de vida, nunca lhe conheci outro.
Enquanto vivi em Santarém, passava muitas vezes por ali, o que agora raramente acontece.
Em menino, era frequente a minha passagem pelo local, a caminho da casa dos meus avós paternos que se localizava na estrada de S. Domingos, na altura considerado fora da cidade e ainda me lembro de em casa deles não haver água canalizada, o que, anos depois veio a acontecer e o contador era enorme fazendo grande barulheira quando se abria a torneira!
O meu pai, nunca passava por ali sem me perguntar o que é que eu queria. Por mais vontade que tivesse, nunca lhe pedi para comprar o que quer que fosse, pois assim fui ensinado e o que sempre cumpri.
Ficava naturalmente radiante com a oferta e a minha preferência ia sempre para uma alfarroba, muito eu gostava daquilo! Acontecia que a vendedeira, que era inquilina do meu avô, oferecia-me quase sempre outra, o que muito me agradava. Que gosto tinham aquelas alfarrobas!
Hoje, decorridos que são sessenta e tal anos, penso que está aqui explicada a minha tendência para a alfarrobeira.
Será assim?
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Pequena nota
As fotos representam um ramo de alfarrobeira com o seu fruto em verde e depois de maduras, tendo sido a árvore plantada pelo autor.
JV