domingo, 4 de julho de 2010

O porquito

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 30 DE ABRIL DE 2004)

A insónia por vezes leva-nos a rememorar. Assim aconteceu mais uma vez, dando origem a esta pequena croniqueta.

O MEU BAIRRO era habitado por gente de todas as condições mas a maioria era gente da classe operária, de prestação de serviços, o pequeno funcionário público. Aqui se fixaram também pessoas oriundas das freguesias rurais circundantes e até de bem mais distante. Procuravam fugir ao trabalho da enxada de dois bicos, da ceifa dos trigais, do varejo e apanha da azeitona, mal pagos e incertos. Por aqui se iam fixando e livrando os filhos desses trabalhos pois tinham possibilidades de lhe proporcionarem um ofício que após a instrução primária aprendiam nesta ou naquela oficina ou então ocupavam-nos no comércio local, relativo ao vestuário ou à alimentação. Em todos estes ramos houve gente que deu a volta por cima, tornando-se conceituados industriais ou comerciantes.

Esta possibilidade era bastante mais difícil se os pais continuassem nos meios rurais.

É natural que tivessem trazido, a acompanhar a sua força de trabalho e o desejo de ter uma vida melhor, os seus usos e costumes, o que aprenderam com pais e avós.

Uma das coisas que alguns moradores no MEU BAIRRO faziam era criar o seu porquito como tinham feito nas suas aldeias ou visto fazer a seus pais. Nesta altura, se ainda se podia ter nos quintais, uma capoeirita com dois ou três bicos ou um casal de coelhos, não era possível ter porcos como existiam nas aldeias. Nos terrenos agrícolas das proximidades, normalmente ocupados por hortas e olivais, arranjava-se um bocado (não sei se havia qualquer renda ou se era gracioso, mas penso que era a última hipótese) onde se construía a pocilga, sendo a construção feita à base de madeira. Nesse tempo as coisas embalavam-se em madeira ou em folha pois não existiam plásticos e o papelão que era pouco não tinha esse destino. Essa matéria-prima era utilizada no fabrico de pacotes de vários tamanhos (vulgo papeluchos) pois tudo era a granel.

[Era por perto da Escola Primária que construiam os pocilgos onde criavam os seus porquitos. Foto JV, 1992]
Com umas tábuas, paus, chapas e umas telhas de canudo, lá se engenhocava uma pocilga para receber um ou mais bichos. Acontecia que havia várias pocilgas mas eram sempre umas junto às outras.

Quem comprava um porquinho para engordar, pedia aos vizinhos no bairro que lhe guardassem os restos de comida, hortaliças, etc. (nesse tempo não havia o perigoso de fungicidas e afins) vulgo lavadura, e para o efeito deixavam uma lata para a recolha. De uma maneira geral as pessoas compreendiam e guardavam, como fazia a minha mãe. Normalmente era a proprietária do animal que fazia a recolha, levando um latão maior. Depois, com um em cada mão lá andava aquela distância que por vezes era bem considerável. Há tarde era ajudada pelo marido, quando regressa do trabalho e ainda tinham que levar a água!

Era muito trabalhoso, sem dúvida, mas tornava-se um mealheiro já que pouco gastavam, penso que um pouco de farelo ou farinha de milho, quando muito. A engorda não se destinava a abate para consumo próprio mas sim para venda.

Alguns dos meus amigos os pais criavam os seus porquitos e eu gastava de ir vê-los, mas só o fazia quando iam os donos.

O último local que me lembro de pocilgos, era atrás da escola num terreno do Louro. Não tenho ideia de alguma vez se ter feito mal aos bichos, nem a rapaziada, nem os adultos!

A vida era muito diferente. Se fosse hoje... ...