sábado, 3 de abril de 2010

Celestino Graça

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DEZEMBRO DE 1995)

Nesta série de escritos que estamos vindo a publicar sob o título de FIGURAS RIBATEJANAS, já referimos algumas nossas contemporâneas e entre estas, uma ou outra que conhecemos pessoalmente. Está neste caso, a que iremos hoje referir.
Não havia escalabitano nenhum que vivesse na sua terra que não conhecesse Celestino Graça. Podia não se conhecer o Presidente da Câmara ou o Governador Civil, mas Celestino Graça todos conheciam, dos adolescentes à terceira idade.
É evidente que nós também o conhecemos visualmente.
Quando iniciámos a nossa vida profissional, fomos para a Beira-Alta e já lá vão (como o tempo corre), trinta e cinco anos!
Na então vila realizavam-se (e realizam-se) festas anuais organizadas a favor dos Bombeiros Voluntários a fim de adquirir mais uns tostões para ajudar esta benemérita instituição.
A minha juventude e algum dinamismo fizeram com que colaborássemos na organização das mesmas no ano de 1963.
Os grupos folclóricos que Celestino Graça tinha fundado há cerca de seis anos, já tinham alto cartel e eram conhecidos de todo o país, através da televisão.
Como escalabitano e orgulhoso das coisas da minha terra, sugeri à comissão a presença dos agrupamentos, comprometendo-me efectuar os contactos, o que foi aceite e apoiado.
Escrevi a Celestino Graça e a resposta foi “à Celestino Graça”, além da “estória” que contei, era o pedido de um conterrâneo.
Com os meus vinte e dois anos fiquei radiante com o meu êxito!
Junto de dois elementos da direcção, infelizmente já desaparecidos, fomos receber a comitiva escalabitana à entrada do concelho o que Celestino Graça muito agradeceu.
Acompanhei a comitiva por tudo o que foi sítio. No tablado da FESTA DA MATA a exibição dos dois agrupamentos e os expressivos comentários de Celestino Graça constituíram um grande êxito.
Foi assim o meu contacto com Celestino Graça.

***





Celestino Pedro Louro da Silva Graça, de seu nome completo, nasceu em Santarém em 1914. Talvez no Grainho já que gostava de se intitular “barrão do Grainho”.

Frequenta a Escola de Regentes Agrícolas de Santarém (1925/1932) onde conclui o curso. O seu diploma foi o 192º concedido por aquela escola.

Em 1931, com colegas de curso e alunos do liceu, ajuda a fundar a Associação Académica de Santarém, onde foi atleta e dirigente.

Nos princípios dos anos cinquenta proferia palestras sobre agricultura na rádio local, o Rádio Ribatejo.
A 1ª Feira do Ribatejo realiza-se de 23 a 30 de Maio de 1954 e Celestino Graça já é o seu dinamizador e incansável obreiro, desempenhando as funções de Secretário-geral, ininterruptamente até 1974, ano em que se retira.

A Feira do Ribatejo devido à projecção que foi tomando, passou a ser também Feira Nacional da Agricultura, desde 1964.

De um dinamismo surpreendente, Celestino Graça desdobra-se pelos mais variados sectores para que tudo decorresse o melhor possível.

De voz bem timbrada e firme, a palavra ajustada saía-lhe com facilidade. Agarrado ao microfone, comentava como só ele sabia, as danças e cantares, os trajes, não esquecendo pequenos pormenores mas por vezes bastante significativos, doa agrupamentos folclóricos que iam passando pelo tablado, principalmente os da região ribatejana. Pelo que me toca, devo o pouco que conheço sobre o assunto a Celestino Graça, já que assisti, sem interrupção às catorze primeiras feiras.

Havia nessas alturas uma pequena “praça” de toiros improvisada, feita com varolas. Ali todos os jovens podiam mostrar as suas habilidades com as bezerras que eram lançadas no redondel. Celestino Graça, lá estava orientando o espectáculo, pondo a ordem necessária, ensinando, poupando uns e outros, fazendo os seus comentários e … rindo com as peripécias.

De tudo aparecia mas sem dúvida que os forcadas eram os mais frequentes, não fosse Santarém uma terra de afamados forcados!

Tinha de haver uma inscrição que passava naturalmente pela mão do grande santareno. Lembro-me que um dos candidatos a forcado era tão pequeno que Celestino Graça reprovou-o, mandando-o acabar de criar.

O rapazito vai de chorar copiosamente e Graça tenta explicar-lhe que ele é ainda muito pequeno para mostrar as suas habilidades, mas o rapaz não se deixa de lamentar dizendo que os outros podem, ele não!

Celestino Graça mandando escolher a bezerra mais pequena de que dispunha e com a ajuda de um categorizado forcado que estava presente, deu alegria ao rapaz que logo limpou as lágrimas na manga da camisa, bateu as palmas, não fugiu e lá agarrou o bicho com a ajuda.

Celestino Graça aproveitou a oportunidade para fazer as considerações que lhe pareceram justas, enaltecendo a raça do forcado que o rapaz possuía.

Era frequente a sua intervenção para libertar as bezerras após a pega já que os “valentões” apareciam depois!

Celestino Graça era grande “aficionada” sendo habitual espectador das melhores corridas realizadas no país e deslocando-se muitas vezes ao país vizinho.

No início da década de sessenta integra a Comissão Pró-Touradas.. Como a velhinha praça de toiros estava em péssimas condições , fez parte e foi a alma da Comissão Pró-Construção da Praça de Toiros que leva a cabo a construção da monumental praça de toiros de Santarém, edificada em tempo recorde e inaugurada no dia 7 de Junho de 1964. Ficou sendo a primeira do País, disponde de cerca de catorze mil lugares sentados. A partir de 1977, passou a chamar-se justamente, Monumental Celestino Graça, homenagem prestada pela Santa casa da Misericórdia de Santarém, proprietária do imóvel.

A partir de 1970 englobou a Comissão Organizadora das Corridas de Toiros, junto da Santa Casa.

Dos mais considerados etnólogos do país, fundou e dirigiu os agrupamentos folclóricos “Pescadores do Tejo” (1955), Rancho Folclórico do Bairro de Santarém (Grainho e Fontainhas), 1956, Rancho Infantil de Danças Regionais (1956) e o Grupo Académico de Danças Ribatejanas (1957).

Com os ranchos que fundou e dirigiu, principalmente o “Infantil” e o “Académico”, percorreu todo o país e visitou, entre outros países, Cabo Verde e Angola (duas vezes), então “províncias ultramarinas portuguesas”, Brasil, França, Espanha, Bélgica, Holanda Grã-Bretanha, Suiça e Itália, levando assim bem longe o nome de Santarém e do Ribatejo.

Em muitas destas deslocações estavam englobados festivais internacionais de folclore. Nestas andanças, Celestino Graça era convidado a proferir conferências sobre folclore, algumas para plateias bem exigentes, como aconteceu na Universidade de Cardiff.

Os responsáveis de ranchos e festivais tinham em Celestino Graça um admirador ou um critico consciencioso; louvavam-no ou temiam-no, como refere João Moreira, seu amigo, colaborador e admirador, que bem o conhecia.

Celestino Graça colaborou na imprensa assinando artigos sobre vários temas.
Faleceu no dia 24 de Outubro de 1975. Um seu busto encontra-se junto à praça de toiros que tem o seu nome.

Celestino Graça – um dos santarenos que mais deu à sua terra no último século.
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Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971
""Celestino Graça – orador – o seu último discurso, João Moreira, in Correio do Ribatejo de 25 de Outubro de 1985.