sexta-feira, 17 de julho de 2009

O comércio e actividades similares

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 12 DE FEVEREIRO DE 1993)
A concentração de pessoas proporciona naturalmente a existência da actividade comercial e de outras similares.

O MEU BAIRRO foi crescendo, as construções multiplicaram-se, o comércio apareceu.
Dentro do que nos propusemos escrever, iremos hoje recordar o que era esta actividade há cinquenta anos.

Os estabelecimentos comerciais, muito poucos, do tipo de aldeia e tinham maior incidência na minha rua, visto ser a principal do bairro.

No cruzamento da minha rua com a de Lopo de Sousa Coutinho, existiu um estabelecimento comercial misto, mercearia, fazendas (penso que pouco mais do que riscados) e taberna, conhecido pelo “Chinês”.

Ficava distante da minha casa e daí um menor conhecimento da minha parte. A taberna que ficava na cave, tinha um corredor largo, empedrado, com saída para a Rua Almeida Garrett.


[Bandeja para servir copos de vinho. Des. JV]
Aí se situavam os estrados onde os homens jogavam o chinquilho disputando os copos servidos numa “bandeja” muito especial, feita de folha, em forma elíptica e de grande pega. O intuito principal desta “bandeja”, que tinha um fundo falso, era aproveitar o vinho que se entornava ao encher os copos, já que os fregueses os queriam bem cheios. Quando assim não acontecia, diziam logo para o taberneiro que não usavam “galões”.

Também aqui se vendeu carvão e carqueja.

Continuando a descer a minha rua, encontrávamos do lado direito, um pouco ao meio do bairro, outro comércio, de um lado a mercearia, do outro a taberna. Lembramo-nos do edifício ter sido construído e era então a loja do “Augusto Manuel”, nome que penso ainda hoje ser o do pátio que lhe fica contíguo. Ao fundo deste pátio também se serviam copos e petiscos (havia reservados) e jogava-se igualmente o chinquilho. Uma grande parreira proporcionava boa sombra.

Continuando na mesma rua e um pouco mais abaixo, do lado esquerdo e no cruzamento com a Rua Frei Gaspar do Casal, havia outro estabelecimento comercial, o “Ribeiro”.
Além de mercearia tinha depósito de pão.

Ainda me lembro bem do velhote, Sr. Ribeiro, pessoa para o forte e que era deficiente motor.

[Prédio onde se situou a mercearia do Sr. Ribeir. Foto JV]
Pouco depois o filho tomou conta da loja que alguns anos depois veio a traspassar. Era a loja onde mais íamos por ficar mais perto de casa.

Nesse tempo, os comerciantes usavam o guarda-pó, casaco comprido de tecido leve que se vestia por cima do fato para evitar que este se sujasse.

Lembro-me muito bem do velho (na altura novíssimo) telefone de manivela com ligações complicadas e difíceis e das tulhas de madeira onde se encontravam a granel feijão, grão, milho, farelos, arroz e até o açúcar, entre outros. Lá estavam também as medidas de madeira aferidas e a rasa ou rasoira.

Era aqui que comprávamos os rebuçados de Sto. Onofre que se guardavam num grande frasco de vidro com grossa tampa (a de plástico apareceu muitíssimo mais tarde) que se encontrava mesmo ao lado da balança, talvez da marca Pessoa.

O café saía de uma caixa cilíndrica, de lata, que identificava a marca, onde avultava, além do mais, um homem de bigode, com uma chávena na mão fumegando, pelo menos foi isso que ficou na nossa memória.

O merceeiro tinha no balcão de madeira, papel pardo, onde embrulhava com rapidez e eficácia, pequenas quantidades de café, colorau, pós para o feijões, etc., papel vegetal para a manteiga e banha, que vinham em latas cilíndricas, e pedaços de jornal onde embrulhava o sabão azul e branco para a roupa ou o amarelo para as casas. Havia igualmente e de vários tamanhos papeluchos de papel pardo, listados, para aviar quantidades maiores, como açúcar, arroz, massa e feijão, por exemplo.
Havia produtos em que era necessário levar a vasilha. Acontecia assim com o azeite (o vinagre era comprado na taberna) petróleo e sal, pelo menos são, de momento, dos que nos lembramos.


Para os líquidos existiam medidas aferidas mas já são do nosso tempo as bonitas medidoras cujo cilindro de vidro se enchia e despejava por acção de uma manivela.
Para o sal, levava-se uma tigela. A propósito disto, lembramo-nos que quando aprendemos a andar de bicicleta (numa de homem pois de criança era coisa que quase não havia) e estávamos na fase eufórica, mandaram-nos comprar um litro de sal para o que nos entregaram uma tigela de louça branca.

Deixar a bicicleta e ir a pé, ainda que perto, era coisa que não concebíamos, pelo que resolvemos ir de velocípede. Apesar da prática ser pouca, para lá correu tudo bem, o pior foi no regresso pois chocámos com uma vizinha partindo-se a tigela e espalhando-se o sal! Não sei como não apanhámos uma tareia!

Passou-se isto em frente do quintal do meu bom Amigo, Sr. José Gomes. Ainda era capaz de dizer o local exacto!

Entre a loja do Sr. José Oliveira (vulgo Zé Magrinho ou Zé dos Bigodes) e a do Sr. José Madeira (vulgo Zé da Loja) existia a taberna do Sr. Bento (Raul), onde se juntavam os bebedores do bairro.

Havia outra loja que se situava na Rua Almeida Garrett no cruzamento com a Frei Gaspar do Casal. Tratava-se da “Zulmira” onde comprávamos os “caramelos da bola”, os jogos de computador da época!

Umas senhas que de longe em longe apareciam enroladas juntamente com a péssima reprodução fotográfica de um jogador de futebol da 1ª divisão, ao rebuçado que não passava de um pouco de açúcar torrado (o que menos nos interessava era isso), possibilitava-nos a aquisição de cadernetas onde colávamos os nossos ídolos. Havia também outros prémios insignificantes e a almejada bola de futebol que estava colocada no cartaz para todos vermos. Àquela grande caixa cúbica que continha centenas de rebuçados, correspondia um só jogador que completaria a colecção e assim o direito a receber a bola. Aquele jogador, que tinha como os outros o seu número para identificação na caderneta, chamávamos nós o número da bola.

É claro que este rebuçado que continha o número da bola, era previamente entregue ao comerciante, evitando assim que saísse cedo e o negócio se estragasse. Quem comprasse (por arrematação) os últimos caramelos levava então o número da bola.

Acreditem que ainda possuo algumas colecções dessas, sem o número da bola, das quais não consigo desfazer-me!

Havia também uma pequena mercearia ao fundo da Rua 2º Visconde de Santarém.
Era este o comércio que havia no MEU BAIRRO nos anos quarenta/cinquenta.
Começaram entretanto a aparecer aquilo que se designava por “lugares de frutas”, tipo de comércio à base de vegetais.


O primeiro que existiu e se a memória não me falha, foi no início da Rua Lopo de Sousa Coutinho. Perto da taberna do “Bento” existiu depois outro, durante muitos anos.

A nível industrial, na Rua Almeida Garrett existiu uma oficina de reparação de automóveis e na Avenida uma pequena fábrica de calçado que chegou a ter algum nome no ramo – Calçado Plaza.

O carvão, na altura ainda o combustível mais utilizado para a confecção dos alimentos, era vendido como já dissemos no “Chinês” e no Pátio do Matafome e também no “Pitau”, ao fundo da Frei Gaspar do Casal.

Já fora do MEU BAIRRO, lembro-me de ir ao carvão e produtos derivados, às “Velhas”, duas velhotas irmãs, segundo suponho, que viviam numa travessa estreita que nos levava à Rua do Matadouro (Pedro de Santarém) e onde se encontra hoje a Praça Pedro Escuro, ou então ao Campo Fora-de-Vila, como ainda dizíamos, numa casita que pertencia ao seminário, junto à estrada para Lisboa.

Havia vários “oficiais” a viver do seu trabalho, alguns de porta aberta, como acontecia com os sapateiros, sendo o Sr. José Fernandes (vulgo Zé da Graça), o mais antigo e conhecido.

Dois irmãos oriundos do Norte, faziam escovas e vassouras de piaçaba.

O comércio ambulante também era um facto. O primeiro de que me lembro é o de mulherzinhas já entradas na idade, vindas de campos próximos com burros carregados com molhos de carqueja que apregoavam pelas ruas.

Os fogareiros a petróleo começaram a aparecer pelo que o carvão tinha menos consumo e as carvoarias entraram em crise dando lugar ao comércio ambulante.

Todas as tardes aparecia o carvoeiro com a carrocita puxado por um burro. Tocava a corneta para manifestar a sua presença, vendendo carvão, cisco (aparas miúdas de carvão que se destinavam às braseiras, os aquecedores da época) e bolas (pó de carvão amassado em forma de bolos) que se destinavam aos fogareiros.

Uma carroça puxada por macho, transportava de uma maneira muito peculiar, vasilhas de azeite, vinagre e petróleo. Devido a este último produto, era conhecido pelo “petrolino”. Vendia-se a quantidade que o freguês desejava.

No Verão, de bata azul, apareciam empregadas de uma fábrica local de refrigerantes, com grandes cestos vendendo laranjas descascadas.

De vez em quando uma mulher do campo, com cesto de verga à cabeça ou no braço, aparecia vendendo queijos frescos pelas portas.

Para concluir o comércio ambulante, resta-me referir os padeiros que de porta em porta vendiam o pão que transportavam em grandes cestos, igualmente de verga e que colocavam em bicicletas, e as leiteiras que em espelhadas bilhas de latão (?) transportadas à cabeça, com a ajuda da “sogra” ou ao quadril, vendiam o necessário líquido, a que nem todas as bolsas chegavam.

É natural que algumas coisas nos tenham passado mas pensamos ter dado uma ideia muito aproximada do comércio do MEU BAIRRO, nos velhos tempos.

Servirá para a recordação de muitos e conhecimento de gente jovem, muitos dos quais não fazem ideia de como as coisas se passavam.

***

Ainda que estas modestas “croniquetas” tenham por base o passado, pensamos que no presente assunto não seria descabido referir, naturalmente sem individualizar, o comércio hoje existente no MEU BAIRRO e assim se verificar o grande salto havido e o quase enquadramento no da cidade velha.

Podem-se fazer refeições completas ou rápidas, tal como tomar a brejeira “bica” e afins.

Além de um ou outro comércio do ramo alimentar, à antiga, já existe o moderno minimercado.

Oficinas e comércio de automóveis e venda de motos e similares.

Quem quiser pernoitar também tem onde.

A nível de saúde temos serviços de enfermagem, de medicina e de pessoal paramédico, de recuperação física e centro ortopédico.

Existe o fornecimento de oxigénio ao domicílio.

Também os animais não são esquecidos pois existe uma clínica a eles destinada.
Venda de computadores, gabinetes de desenho, gestão e contabilidade.

O indispensável infantário e já não é preciso ir à “cidade” comprar o jornal e revistas.

Como se vê por esta resumida indicação, o MEU BAIRRO já está provido de comércio variado.

Uma coisa salta à vista: - Porque não haverá um talho e uma peixaria?
São as faltas maiores que lhe notamos.