domingo, 20 de fevereiro de 2011

A minha tabacaria

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 7 DE AGOSTO DE 2009)

Na minha juventude as tabacarias eram estabelecimentos comerciais com um certo requinte e que além de tabaco representado pelos maços de cigarros de variadas marcas de que me lembro como o Português Suave, Paris, depois Avis, Porto, Sporting, eu sei lá, um nunca mais acabar de marcas. Ainda que existisse, já tinha caído em desuso o tabaco de onça, tendo quase todas as marcas se adaptado aos cigarros feitos.

Vendia-se em carteiras o tabaco para cachimbo, caixas de cigarrilhas e charutos, com destaque para os cubanos, já afamados.

Para os apreciadores existiam à venda cachimbos e boquilhas, algumas apetrechadas com filtros no sentido de reter a nicotina.

Vendiam-se as caixas de fósforos “Joaninha” ou “Quinas”, carteiras para os mais pretensiosos e livros de mortalhas (Fundador? Conquistador?)

Não faltavam as cigarreiras de tipos e preços variados.

Como complemento, havia as que vendiam lotaria, jornais, revistas, pequenas utilidades e “souvenires”.

Tudo isto naturalmente se transformou e as tabacarias estão hoje transformadas em máquinas “self-service” que além de evitar a mão-de-obra e engano nos trocos, eliminam quem se ia embora sem pagar!

Quando comecei a fumar o meu cigarrinho e não me esqueço que era da marca Avis, não havia dinheiro para comprar um maço, nem pensar, nem eu nem a quase totalidade dos meus amigos e colegas.

Nós não tínhamos dinheiro para ir às tabacarias e existiam várias na cidade, situadas em pontos estratégicos e que não precisavam de grandes espaços. A mais conhecida talvez fosse a que se situava ao fundo da Rua Guilherme de Azevedo. Outra de que me lembro optou pela Rua de S. Nicolau.

A urbanização dos terrenos entre Sta. Clara e S. Bento após a construção do liceu e de que me recordo em grande parte, constituía a residência da burguesia/nobreza não existindo, como ainda acontece, qualquer estabelecimento comercial, como bem se compreende.

Nas “costas” do Convento de S. Francisco, ultimamente bem badalado por bons motivos, no começo da Travessa de Santa Clara, existia um pequeno estabelecimento comercial misto, se a memória não me atraiçoa, uma merceariazita e uma pequena tasca, onde nunca entrei.

[Local onde se encontrava a mercearia do Sr. António. Foto JV]

O Sr. António, penso que era esse o seu nome, era o protótipo do comerciante do ramo e da época.

Olhos e cabelo preto, puxado para trás, rosto redondo onde sobressaía aparado bigode, estatura meã, para o forte, tinha sempre vestido o guarda-pó, peça característica dos comerciantes do ramo.

Ao meio do balcão de madeira, estava a grande balança “Pessoa” que controlava os pesos, pois nessa época ainda eram poucos os embalados.

Uma gaveta que se abria e fechava à chave sempre que dela necessitava era o local do dinheiro. De outra ao lado, aviava-nos vendendo três cigarros “Avis” por cinco tostões e era um corrupio!

Tornava-se a maneira de ele vender tabaco e nós de fumarmos um cigarrinho visto não haver dinheiro para um maço. Por outro lado se alguém comprasse um maço os veteranos acabavam com ele.

Dos três cigarros que comprávamos, na melhor das hipóteses fumávamos dois pois o outro era “cravado”por um amigo. E cinco tostões só havia uma vez por semana!

O Sr. António era uma pessoa muito compreensiva e educada. Nunca me lembro de qualquer zaragata com ele.

Então, não é que numa das últimas visitas que fiz à cidade, quando olhei para recordar a minha “tabacaria” já não existia! Tive de fazer uma fotografia! Que pena não a ter feito antes! Mesmo em ruína gostava de olhar para aquela casa onde ia comprar os meus cigarritos e recordar o Sr. António.

Os cigarros acabaram para mim há 28 anos.

Os lugares de referência da minha adolescência vão desaparecendo.

Qualquer dia não sei andar na cidade!