sábado, 16 de outubro de 2010

Um artesão

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 DE JUNHO DE 2006)

Não vou transmitir qualquer novidade aos leitores do Correio do Ribatejo pois o nosso dinâmico digno e jovem director realizou oportuna reportagem dando a conhecer um homem e a sua habilidade de mãos que resolveu após a sua reforma dedicar os tempos livres à confecção, inteiramente manual de objectos, utensílios e veículos de tracção animal e hoje quase todos desaparecidos, que fizeram parte das suas vivências, ocorridas na freguesia da Várzea, onde nasceu, mais propriamente na aldeia de Aramanha.

Jacinto António Aranha Ferreira, hoje com sessenta e cinco anos e de quem sempre tivemos a melhor impressão, e cujos pais foram trabalhadores rurais, viveu bem de perto as actividades agrícolas onde seus pais participavam mourejando, garantindo o seu sustento e o de dois filhos.

Fez a então designada 4ª classe ou o exame do 2º grau de Instrução Primária, na altura e durante muitos anos a escolaridade obrigatória, na escola de Perofilho sendo aluno da Prof. D. Gilhermina Moura a quem faz ainda hoje grandes elogios.

Como acontece a todos os pais, também os seus procuraram dar-lhe uma vida melhor e nesse sentido e por volta dos catorze anos conseguiram que entrasse como aprendiz numa oficina de automóveis onde nada recebia, pelo contrário, tinha de arranjar os macacos. Cabia aos seus pais o sustento e o vestir e calçar que faziam com muito sacrifício como nos contou. Primeiramente a deslocação à cidade era a pé, tendo evoluído com o decorrer dos anos.

Mandaram-no para junto de um “bate-chapas” e foi assim que aprendeu a profissão sem a ter escolhido. Se tivesse ido para junto de um pintor, seria pintor – não havia direito a escolher!

Ainda que não me o tivesse dito, certamente aprendeu a profissão com relativa facilidade e tornou-se num bom mestre.

Procurando melhores salários acaba por ingressar numa fábrica do ramo automóvel onde se deslocava diariamente, apesar da distância considerável, nunca deixando de viver na terra que o viu nascer e onde construiu habitação para a família.

A sua tendência para o trabalho de mãos vem de longe pois em criança construía os seus próprios brinquedos, fazia gaiolas para pássaros e gateava as louças de barro que se partiam! Já pai e para satisfazer um filho, faz-lhe uma carroça para brincar.

O artesanato, cada vez com menos cultores, caminha para a extinção e muitas vezes impingem-nos coisas como artesanato e que pouco ou nada têm a ver com isso. Vendem-nos pratos, vasos e mais peças que são feitas com moldes e que praticamente são iguais umas às outras, outras limitam-se a umas pequenas pinturas feitas nessas peças de fábrica!

Existem ainda alguns artesãos que fazem da sua arte o seu meio de vida, como os que trabalham em verga, cana e outros vegetais, dando forma a variadíssimas peças, muitas delas que funcionam como objectos decorativos. Ainda aparecem alguns funileiros, correeiros, manufactores de calçado, etc.

Jacinto Ferreira é um artesão que realiza os seus trabalhos não para vender mas para ocupar agora os seus tempos livres, numa satisfação pessoal e tendo o intuito de mostrar aos jovens de hoje como as coisas eram e se passavam no seu tempo.

Uma peça hoje, outra amanhã começaram a constituir o puzzle do Ciclo do Pão, já que a freguesia onde nasceu e sempre viveu tinha como actividade principal a agricultura, nomeadamente a cerealicultura (trigo) e o olivicultura.

Aranha Ferreira mostra a quem o desejar, na aldeia onde nasceu e vive, as cerva de sete dezenas de peças que construiu com muito carinho e amor, explicando o seu funcionamento, principalmente destinado aos jovens que não conheceram esse trabalho.

Começando pela preparação da terra, apresenta um arado e mais objectos pertencentes a essa primeira fase do Ciclo, depois a sementeira onde tudo é referido com minúcia e precisão e não faltando o homem que lança com mestria a semente à terra tirada do saco de linhagem.

Depois da monda, bem documentada com a apresentação das várias ferramentas utilizadas, aparece a colheita com a ceifa e aqui o artesão apresenta uma ceifeira trabalhando que se apresenta em estado de gravidez e isto em homenagem a sua vez que ainda ceifou no dia em que ele nasceu. A preparação dos molhos de trigo igualmente está magnificamente documentada tal como o seu acarreto nos carros de bois que os conduziam às eiras onde se efectuava a debulha representada, além do mais, por todos os utensílios: pás, forquilhas, crivos, etc.

Depois de ensacado, lá seguia o caminho dos moinhos (igualmente representado) e azenhas para ser transformado em farinha.



Não podia faltar o forno com os objectos inerentes à sua actividade (pá, rodo, etc.) Podia ter ficado por aqui o artista mas não o quis. Para remate, podemos observar o interior de uma casa da Várzea onde à volta da mesa a família se junta para a ceia, não faltando na mesa posta, o produto final de tudo isto, o PÃO.

Neste interior da casa, lembra-nos pelo seu tipismo e existência da grade com tachos, panelas cafeteiras e frigideiras, entre outros utensílios. Ao canto, a chaminé.

É apresentado também um conjunto de veículos de tracção animal constituído por carroças e charretes e onde o artesão faz a diferença entre o lavrador e o fazendeiro. São peças magnificas com um rigor extremo onde tudo funciona, rodas travões e tudo o mais que é móvel, tudo feito à escala visual o que muito me admirou. As rodas são mesmo enraiadas! Até as figuras naif lhe dão uma nota especial!

O pormenor é surpreendente! Os arreios dos animais são mesmo em cabedal!

O artesão utilizou madeira, ferro, chapa, cabedal, arame e cortiça na confecção de todas estas peças dignas de serem vistas.



Aqui só se faz uma leve referência, tentando aguçar o espírito do leitor interessado. Só visto, não se consegue contar.

Pensamos que podemos dizer que este minuciosamente representado CICLO DO PÃO estará em exposição no pavilhão da Junta de Freguesia da Várzea patente na próxima FEIRA NACIONAL DE AGRICULTURA.

Senhor Jacinto Aranha Ferreira, pode orgulhar-se do trabalho que realizou que além de tudo o mais, é uma lição viva para os vindouros, honra-o a si e à Freguesia onde nasceu.

Aqui lhe deixo mais uma vez, como varzeense, o meu abraço de felicitações e agradecimento pelo que realizou em prol da freguesia onde nascemos.