Já referimos nestas pequenas croniquetas, especificamente, algum comércio ambulante como aconteceu com PADEIROS e ultimamente com OS CARVOEIROS. Quando nas primeiras MEMÓRIAS recordámos o comércio em geral referimos mais superficialmente algum ambulante.
Sentámo-nos em frente da “máquina” para tentar desbobinar o sótão da memória, abrindo esta ou aquela arca velha que ainda não apodreceu, mas que já não falta muito, para ver se lá encontramos alguma coisa que possamos oferecer aos nossos leitores.
Quem não se lembra dos leiteiros? Nessa altura, a venda do leite era fundamentalmente feita através da venda ambulante, ao domicílio. Lembro-me de um leiteiro, que parece estar a ver, com o seu vestir acotinado, era um homem de estatura média que numa bilha de zinco ou folha zincada, trazia o leite proveniente das suas vacas. Este homem tinha um filho muito mais velho do que eu; os nomes é que já passaram! Só depois, aparece a “Análise do Leite”, como nós dizíamos, ao Choupal, onde os vendedores ambulantes se abasteciam. É claro que desconheço, se havia, as cláusulas do contracto, sei sim que a leiteira do MEU BAIRRO era lá que se abastecia as vezes necessárias para satisfazer a população. Não seriam assim tantas, pois na altura bebia-se muitíssimo menos leite do que hoje por variadíssimos motivos:- económicos, educacionais, entre outros.
A leiteira do MEU BAIRRO era uma mulher já madura, para o forte. Trazia sempre bata branca, muito limpa. A bilha, que muitas vezes transportava à cabeça, principalmente quando estava mais cheia, era de latão, brilhando como oiro! Estava sempre impecavelmente limpa, dava gosto olhar para ela. Uma bolsa da mesma liga, abaulada para se poder ajustar ao corpo e de correia, transportava as medidas necessárias, de alumínio e devidamente aferidas. A bolsa (caixa) tinha uma pequena porta por onde se movimentavam as medidas. Tinha fregueses certos mas vendia a quem o desejasse. Por vezes era ajudada pela filha, moça já casadoira.
Oriunda de um casal próximo, aparecia de vez em quando uma velhota, miudinha, vestida de preto, com uma burrinha carregada de molhinhos de carqueja que custariam a vinte centavos cada e que eram determinantes no acender dos fogareiros. Para o fim e para se despachar, vendia o resto mais barato pois o regresso ao casal levava o seu tempo. A mesma velhota aparecia noutras ocasiões com uma cestinha de verga, de asa, cheia de queijos frescos, protegidos por alvo pano. De uma maneira geral tinha fregueses certos, dois aqui, meia dúzia acolá, vendia sempre tudo. Batia sempre à nossa porta.
Chegava a trazer ovos mas aqui havia mais dificuldade na venda pois nessa altura, a grande maioria das casas do MEU BAIRRO tinha um quintalzinho onde havia sempre espaço para um pequeno galinheiro, fazendo o aproveitamento dos restos da comida, com o auxílio de sêmeas
Na época propícia aparecia o caleiro percorrendo as ruas do MEU BAIRRO, conduzindo a sua carroça cheia de pedras de cal e apregoando: - Cal branca. Uma balança rudimentar e de pratos determinava o peso aproximado.
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Por pouco tempo e quando eu já era grandote, apareceu um homem forte, de bigode, conduzindo uma carroça, puxada por um macho. Vendia por medida, azeite, petróleo e vinagre, isto se mais uma vez a memória não falhar. Foi negócio que por estes lados não pegou. “Pitrolino” era a designação popular e anunciava a sua presença com uma corneta semelhante à utilizada pelos carvoeiros. Foram os seguidores dos recoveiros que transportavam os produtos em odres.
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Raramente aparecia o gravateiro que preferia as ruas do velho burgo, tentando vender alguma gravata que trazia em expositor que prendia ao pescoço e constituído por um bom número de exemplares. Era uma actividade que dava colorido às ruas da cidade! Nessa altura os homens luxavam mudando quase diariamente de gravata!
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Apareciam vários no MEU BAIRRO mas em minha casa e a indicação de meu pai, só se dava trabalho a um senhor, magrinho, alto, que vestia uma bata comprida e que meu pai considerava como grande artista e tinha estabelecimento na Rua Direita, próximo da Praça Velha.
Era o senhor Luís “Alemão” que se terá refugiado em Portugal na altura da Grande Guerra.
Aparecia também o funileiro que transformava a sua oficina em carrinho de mão, os gateiros que punham gatos (pedaço de metal que prende a louça quebrada) e os chapeleiros que arranjavam chapéus de chuva, substituindo principalmente varetas estragadas por outras que aproveitavam de velhos chapéus.
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Pois é, nessa altura aproveitava-se a pele do coelho que se salgava e se armava em canas, que a estendiam. E as garrafinhas que hoje por vezes temos dificuldade em nos vermos livres delas, eram guardadas para vender ao ferro velho. Como as coisas eram!
Aqui tem, caro leitor o que recolhi nas minhas arcas da memória.