sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os partos

Surgiu há dias no meu pensamento, esta MEMÓRIA DO MEU BAIRRO. Veremos se lhe consigo dar sequência, com princípio, meio e fim, estrutura indispensável para poder ser apresentada aos nossos leitores.

Há três ou quatro dias passei pela minha cidade, depois de longa viagem, desta vez não tive tempo de passar pelo MEU BAIRRO de que continuo a ter saudades, dei uma pequena volta pela cidade, comprei uns livros, estive no “Correio” para um cumprimento rápido, obtive informações sobre alguns comentários que as MEMÓRIAS fazem chegar à redacção e tem graça que os poucos amigos que visitei na minha fugaz passagem, todos referiram as MEMÓRIAS como leitura que não lhes escapa e alguns só muito recentemente “conheceram” o José Varzeano, seu modesto autor.



Bem, deixemos este pequeno arrazoado que apareceu esporadicamente para abordarmos mais uma MEMÓRIA.

A adjudicação da empreitada de arruamentos e alcatroamento do MEU BAIRRO, ocorreu em 1941. Eu devia ter dois, três anos quando para lá fui morar e lembro-me perfeitamente de ser asfaltado o último troço da minha rua, a avenida que nessa altura não tinha saída, o que só veio a acontecer depois de ter deixado o MEU BAIRRO.

Como se vê, não nasci no MEU BAIRRO mas quatro dos meus sobrinhos ali viram pela primeira vez a luz do dia. Dois, na Avenida dos Combatentes, outro na Rua 2º Visconde de Santarém e o quarto na Rua Frei Gaspar do Casal. Infelizmente um faleceu bem jovem e os restantes já ultrapassaram a casa dos cinquenta. Só uma ficou ligada a Santarém onde exerce a sua actividade profissional.

Há cinquenta anos ainda se nascia em casa apesar de haver bem perto o hospital a que quase ninguém recorria. Quando abordei a Memória “A Doença”, referi a relação entre doente e hospital.

Já então existia uma maternidade no Hospital Jesus Cristo e a que recorriam as grávidas de menores recursos. Exerciam a sua actividade em Santarém, nessas alturas, várias enfermeiras - parteiras, devidamente diplomadas. Já não estávamos na época das “curiosas”. As parturientes já eram acompanhadas clinicamente. Na “hora”(era fundamental ter uma boa hora, como então as pessoas experientes diziam) familiares e vizinhas davam o seu apoio e o marido ou outro familiar próximo despachava-se a ir chamar a parteira, já que os telefones eram bem poucos - um luxo da época, a que hoje se opõe o “português - telemóvel”.

A parteira lá vinha toda apressada e quando necessário recorria-se ao aluguer de um automóvel, cuja praça se situava no centro da cidade, no vulgo Largo do Padre Chiquito.

De uma maneira geral as coisas decorriam com normalidade e o parto efectuava-se com maior ou menor dificuldade. Contudo, quando as coisas se complicavam, chamava-se um médico que tivesse nome nessa arte.

Já eu era grandote, no pátio do Sr. Leonel Padeiro, um parto começou a complicar-se e chamaram um médico que quando chegou, já a criança tinha nascido. A minha mãe que como vizinha prestou o seu auxílio, comentava sempre que o médico para justificar o dinheiro que ganhou, limitou-se a dar banho ao bebé e com muito pouco jeito!

[Pátio de Leonel da Trindade Pinto (vulgo Leonel Padeiro)]
Quando nasceu a minha sobrinha mais velha, tinha eu nove anos. Estava ansioso para ser tio, pois a parteira, de que ainda me lembro do nome, vem com a menina nos braços e põe-na no meu colo, pois estava sentado numa cadeirinha. Agarrei-a de tal maneira que não a queria dar a ninguém ! Foi o primeiro colo que conheceu e sem ser seu padrinho, na igreja, quando a mãe pensava que a madrinha tinha escolhido o nome e a madrinha pensado precisamente o oposto, eu, com os meus nove anitos não me fiz rogado e alvitrei um nome que a madrinha, que era minha tia materna, logo aproveitou. Era o nome de uma miúda com quem brincava e de quem gostava.

No mesmo dia e bem perto, nasceu outra menina que vim a habilitar para o exame de admissão ao liceu e à escola técnica.

Tudo mudou. A medicina e a obstetrícia evoluíram muito. Equipas especializadas mantêm-se em trabalho contínuo e assim dá-se a concentração de meios. É mais fácil nascer na ambulância do que em casa !

Certamente que alguns dos meus leitores dirão:- Eu ainda nasci no MEU BAIRRO, é verdade, como as coisas eram e como são agora !