Há três ou quatro dias passei pela minha cidade, depois de longa viagem, desta vez não tive tempo de passar pelo MEU BAIRRO de que continuo a ter saudades, dei uma pequena volta pela cidade, comprei uns livros, estive no “Correio” para um cumprimento rápido, obtive informações sobre alguns comentários que as MEMÓRIAS fazem chegar à redacção e tem graça que os poucos amigos que visitei na minha fugaz passagem, todos referiram as MEMÓRIAS como leitura que não lhes escapa e alguns só muito recentemente “conheceram” o José Varzeano, seu modesto autor.

Bem, deixemos este pequeno arrazoado que apareceu esporadicamente para abordarmos mais uma MEMÓRIA.
A adjudicação da empreitada de arruamentos e alcatroamento do MEU BAIRRO, ocorreu em 1941. Eu devia ter dois, três anos quando para lá fui morar e lembro-me perfeitamente de ser asfaltado o último troço da minha rua, a avenida que nessa altura não tinha saída, o que só veio a acontecer depois de ter deixado o MEU BAIRRO.
Como se vê, não nasci no MEU BAIRRO mas quatro dos meus sobrinhos ali viram pela primeira vez a luz do dia. Dois, na Avenida dos Combatentes, outro na Rua 2º Visconde de Santarém e o quarto na Rua Frei Gaspar do Casal. Infelizmente um faleceu bem jovem e os restantes já ultrapassaram a casa dos cinquenta. Só uma ficou ligada a Santarém onde exerce a sua actividade profissional.
Há cinquenta anos ainda se nascia em casa apesar de haver bem perto o hospital a que quase ninguém recorria. Quando abordei a Memória “A Doença”, referi a relação entre doente e hospital.
Já então existia uma maternidade no Hospital Jesus Cristo e a que recorriam as grávidas de menores recursos. Exerciam a sua actividade em Santarém, nessas alturas, várias enfermeiras - parteiras, devidamente diplomadas. Já não estávamos na época das “curiosas”. As parturientes já eram acompanhadas clinicamente. Na “hora”(era fundamental ter uma boa hora, como então as pessoas experientes diziam) familiares e vizinhas davam o seu apoio e o marido ou outro familiar próximo despachava-se a ir chamar a parteira, já que os telefones eram bem poucos - um luxo da época, a que hoje se opõe o “português - telemóvel”.
A parteira lá vinha toda apressada e quando necessário recorria-se ao aluguer de um automóvel, cuja praça se situava no centro da cidade, no vulgo Largo do Padre Chiquito.
De uma maneira geral as coisas decorriam com normalidade e o parto efectuava-se com maior ou menor dificuldade. Contudo, quando as coisas se complicavam, chamava-se um médico que tivesse nome nessa arte.
Já eu era grandote, no pátio do Sr. Leonel Padeiro, um parto começou a complicar-se e chamaram um médico que quando chegou, já a criança tinha nascido. A minha mãe que como vizinha prestou o seu auxílio, comentava sempre que o médico para justificar o dinheiro que ganhou, limitou-se a dar banho ao bebé e com muito pouco jeito!

Quando nasceu a minha sobrinha mais velha, tinha eu nove anos. Estava ansioso para ser tio, pois a parteira, de que ainda me lembro do nome, vem com a menina nos braços e põe-na no meu colo, pois estava sentado numa cadeirinha. Agarrei-a de tal maneira que não a queria dar a ninguém ! Foi o primeiro colo que conheceu e sem ser seu padrinho, na igreja, quando a mãe pensava que a madrinha tinha escolhido o nome e a madrinha pensado precisamente o oposto, eu, com os meus nove anitos não me fiz rogado e alvitrei um nome que a madrinha, que era minha tia materna, logo aproveitou. Era o nome de uma miúda com quem brincava e de quem gostava.
No mesmo dia e bem perto, nasceu outra menina que vim a habilitar para o exame de admissão ao liceu e à escola técnica.
Tudo mudou. A medicina e a obstetrícia evoluíram muito. Equipas especializadas mantêm-se em trabalho contínuo e assim dá-se a concentração de meios. É mais fácil nascer na ambulância do que em casa !
Certamente que alguns dos meus leitores dirão:- Eu ainda nasci no MEU BAIRRO, é verdade, como as coisas eram e como são agora !