sábado, 7 de agosto de 2010

A misse

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE JUNHO DE 2004)



Será que desta vez consigo escrever a MEMÓRIA que há muito me anda na cabeça?

Há cinquenta ou mais anos também havia misse no MEU BAIRRO, mas o significado do termo nada tinha a ver com o de hoje. A eleição era feita à boca fechada, ainda que notoriamente o resultado transpirasse para o exterior.

A verdade é que havia no meu bairro uma jovem que todos, ou quase todos, velhos e novos consideravam a mais bela. No sexo masculino, o resultado era de uma maneira geral, consensual, no oposto, de vez em quando havia uma ou outra opinião contrária, colocando este ou aquele “defeito”afinal o que valorizava a “eleição democrática”.

Morava relativamente perto de mim e quando era já uma senhora, era eu um miúdo. Vivia numa vivenda das poucas existentes no MEU BAIRRO. Filha única, sendo os pais funcionários públicos. Além de elegante e feições correctas, tinha gosto para se vestir e havia algum poder económico. Nunca me esqueci de um vestido às ramagens, verdes e amarelas que a tornava, na minha apreciação de rapaz, ainda mais bela. Era viva, espirituosa, andava com elegância, pisando bem o chão. Quando eu fui para o liceu, andaria ela nos últimos anos.

Quando apareceu com namorado, foi acontecimento no bairro! Para mim, e lembro-me bem, foi uma desilusão - fosse quem fosse, nunca seria merecedor de tão grande beldade, era isto que pensava o rapazeco de onze, doze anos que eu teria na altura, se a memória não me falha.

O namoro deu casamento e a prendada menina acompanhou naturalmente o marido para a capital onde penso terá feito toda a sua vida.

Os pais continuaram vivendo na sua vivenda, no MEU BAIRRO. Primeiro partiu ele, depois ela e não há muitos anos, segundo me consta.

A bonita menina continua a utilizar a casa que era dos seus pais, onde foi criada e certamente se sente bem. Penso que seja já septuagenária e pelo menos, avó babada. Consta--me que não perde a leitura destas modestas croniquetas, que parece apreciar, reconhecendo e lembrando-se deste miúdo. À volta de cinquenta anos que não a vejo - só possuo a imagem que ficou, tanto dela como do marido e pais.

Ela que me perdoe a sua utilização para uma MEMÓRIA DO MEU BAIRRO mas efectivamente para mim e grande parte dos moradores de então, é sempre UMA MEMÓRIA agradável de recordar. O seu marido que me desculpe de não gostar dele para seu namorado mas eu, naquela altura, não gostaria de ninguém, ninguém a merecia!

Parece mentira, mas é verdade:- Ainda hoje desconheço o seu nome - só sei o hipocorístico! Possivelmente não serei só eu.

Estou convencido que, qualquer morador no MEU BAIRRO, do meu tempo, que ler esta MEMÓRIA, saberá de quem estou falando.

Minha Senhora, muita saúde, muitos anos de vida. As netas são parecidas com
a avó?