(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 10 e 17 DE JANEIRO DE 1992)
Conhecida também pelo “Movimento de Santarém” ou simplesmente pelo “10 de Janeiro”, faz hoje precisamente 73 anos que estalou na cidade de Santarém.
Ficou muito ligada à freguesia da Várzea pois foi na sua área que se desenvolveram factos importantes que levaram ao seu epílogo.
Dos que conhecemos, é o facto histórico mais importante que aqui ocorreu nos últimos séculos.
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Após o assassinato de Sidónio Pais, o período que se seguiu, caracterizou-se por uma enorme confusão política – conflito entre monárquicos e republicanos – e dentro destes, democráticos e sidonistas.
[Tamagnini Barbosa]
O General Tamagnini Barbosa é nomeado Chefe do Governo e os monárquicos preparam o assalto ao poder, dando-se ao luxo de exigirem a saído do Governo dos Ministros considerados mais republicanos. (1)
“A República está em perigo. O Governo acaba de capitular perante as chamadas Juntas Militares, que indubitavelmente preparam uma restauração monárquica. A todos os verdadeiros portugueses e a todos os republicanos dignos deste nome se impõe, desde já (...) unir fileiras e seguir para a frente, tendo como único lema, defender as instituições proclamadas pela vontade unânime da Nação, em 5 de Outubro de 1910.
Os homens que sobrescrevem o presente documento, pertencem a todas as correntes da DEMOCRACIA PORTUGUEZA, desde a republicana mais conservadora até à socialista.”
O programa que adoptam é seimples e claro: Constituição de 1911 (...)”.
[Álvaro de Castro]
Eis alguns dados que respigámos da PROCLAMAÇÃO dos revoltosos de Santarém, assinada entre outros por Jaime de Figueiredo, coronel de Infantaria, Aníbal Santos Miranda, coronel do Estado-Maior, Filipe de Sousa Tribolet, capitão de Infantaria, Dr. António Granjo, Dr. Álvaro de Castro, Francisco Cunha Leal, deputado e Augusto Dias Silva, socialista. (2)
É a 10 de Janeiro de 1919 que em Lisboa, Covilhã e Santarém, estala e insurreição militar. Em Lisboa tudo se resumia a um ataque malogrado ao Castelo de S. Jorge, na Covilhã Teófilo Duarte dominou a sublevação com uma coluna que ficou conhecida pela Coluna Negra e que se veio juntar em torno de Santarém, onde a revolta não soçobrou com facilidade. (3)
Recorramos ao historiador scalabitano e jornalista, Dr. Virgílio Arruda que nos dá em poucas linhas, a imagem da situação que afinal, penso, também viveu, ainda que jovem.
Diz assim: “Ouriçados os miradouros de canos de sete e meio, manteve-se a guarnição na defensiva, ao estrondear das posições artilhadas, ribombando as peças, as granadas a assobiarem por cima da Ribeira, a metralha a bater as espaldas das colunas.
Tropas e mais tropas rodeia a cidade, apertando o cerco, numa lura tenaz que a pouco e pouco se fecha, até que sabedores da rendição da Covilhã e do abortar do movimento em Lisboa, ops cá de dentro, - recusando a render-se a qualquer dos comandos monárquicos das forças que os investem, - entregam-se a Teófilo Duarte que lhe intimara a rendição” (4)
Depois destes dados gerais que nos situam no acontecimento, interessa saber o que se passou na freguesia.
É a “Monarquia do Norte”, de Rocha Martins que nos fornece alguns dados que por vezes não explicitam convenientemente os locais de acção.
A pág. 77 escreve-se: “Em torno da cidade, nos explendores da paisagem da Várzea, molhado ainda o terreno apesar do solsito de Janeiro que chegou a chupar as humidades das leivas, retumbava o sector que Almeida Teixeira, com o seu sangue frio, comandava.”
É a artilharia deste sector que destroça a que se encontra a coberto do presídio (pág. 78).
“Quando a noite descia, ela troava mais vivamente, nos seus intervalos o retenido das balas estridentava nas terras.
As granadas passavam rubras, sibilantes, a apavorar os tranquilos casaes; respondia-se da cidade e o combate ia tomando as proporções de um duelo formidável embora só pela retumbância da pólvora. Mantinha-se o propósito de não destruir os belos edifícios mas também o de demonstrar que se sabia fazer calar as posições inimigas.”
O sector de Almeida Teixeira fora o que causaria os maiores destroços.
Manda entretanto este oficial, a dois alferes de Lanceiros, examinar um local que lhe parecia suspeito e seguiram acompanhados de quatro soldados. Domo ocultos num olival, moviam-se vultos. Há galopes, troca de tiros. Acabam por se acharem num cômoro pejado de soldados, alguns dos quais corriam aterrorizados para as bandas de uma alva capelinha. (5) Havia em torno de uma peça, guardas-fiscais e guardas-republicanos, civis e militares.
Os oficiais julgavam-se perdidos quando ouviram uma voz perguntar.
_ Quem está lá? Era o alferes Ferreira que lhes apontava uma pistola.
- Coluna Negra de Teófilo Duarte!
Afinal estavam com amigos neste vasto campo da Várzea e junto de uma capelinha em cujos degraus rolavam recrutas à bofetada e a pontapé pelo comandante, indignado de os ver fugir à aproximação dos cavaleiros.
- Ah! malditos que não mereceis pertencer à Coluna Negra.
Teófilo inteirou-se do que sucedeu, disse aos Lanceiros que tinham cometido uma imprudência e deliberou ir conversar com Almeida Teixeira.
[Tamagnini de Abreu]A Coluna Negra com as suas duas peças, a metrelhadora que ninguém podia mover, dezoito cavalos, guardas-fiscais e guardas-republicanos, soldados da companhia de obuses e vinte oficiais, após a vitória na Beira, viera em direcção ao Entroncamento, fornecera-se de granadas, recebera ordem do General Tamagnini de Abreu para ir ligar-se na Várzea com as outras unidades que ali se encontravam, tendo por quartel uma igrejinha branca e por comandante um sonhador de largos feitos militares que dia a dia se consagrava ao empreendê-los.
Teófilo Duarte não se conformava com aquela situação, era necessário fazer alguma coisa para haver uma mudança no sentido positivo. Deliberou por isso, sem que a ninguém pedisse conselho, mandar um soldado com um ultimato aos rebeldes, impondo-lhe a rendição.
Esta atitude não foi bem aceite por grande parte das outras tropas que cercavam a cidade, pois opinavam dever ser vencida duramente.
Em Santarém recebeu-se o enviado com a carta do bravo cavaleiro. O coronel Jaime Figueiredo, comandante dos revoltosos, compreendia ser impossível levar mais longe aquele luta e respondeu aceitar um oficial ou ir igualmente um oficial para trocar impressões sobre o conflito.
O capitão-aviador, Almeida Pinheiro, encontra-se assim com Teófilo Duarte no entroncamento da estrada da Portela com a de Rio Maior.
[Teófilo Duarte]
Procura o Governador de Cabo Verde demonstrar a impossibilidade de êxito por parte dos revoltosos e quando o aviador voltou, com o coronel comandante, redobrou a sua dialéctica.
Decidiram os de Santarém entregar-se a Teófilo Duarte por ser um oficial republicano.
A declaração de capitulação, entretanto lavrada, é datada da Quinta do Mocho, a 15 de Janeiro.
Teófilo Duarte indica aos vencidos o seu quartel, o seu abrigo, onde lhe daria a mesa e o leito. Ao chegarem ao lugar da ermidinha branca, Teófilo Duarte ordena às forças a homenagem aos prisioneiro.
Soldados! Apresentar ... armas!
[Casa que foi de Joaquim António Montez, vulgo Joaquim da Mariana e hoje transformada em sede de "Os Galitos da Várzea". Desenho de JV]
O Boletim da Junta de Província do Ribatejo, nº 1, ano de 1937/40, pág. 571, informa que numa modesta casa de Santo António da Várzea (Vilgateira), residência de Joaquim António Montez (6), actual sede de “Os Galitos”, veio entregar-se à prisão o comandante das forças revoltosas de Santarém, contra o Governo legítimo. Aceitou a rendição o então tenente e Governador de Cabo Verde, Teófilo Duarte.
Se a luta foi confusa com aspectos mal definidos, ao conhecedor da freguesia também não é fácil determinar com precisão, alguns dos locais indicados nos escritos.
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Estão decorridas mais de sete décadas sobre os acontecimentos. Ainda é possível aos varzeenses octogenários mais lúcidos, transmitirem, ainda que sem ligação, alguns dados de interesse.
Os que iremos indicar, já nos foram relatados há muitos anos e sempre os retivemos na memória.
Quando a Coluna Negra chegou, a população vilgateirense ficou sobressaltada e muitos dos seus elementos refugiaram-se na Quinta de Soudes, onde o caseiro ou feitor, era natural da aldeia.
Dizem que só ficaram de carácter permanente, três famílias, a do médico, do farmacêutico e do comerciante. Muitos dos que fugiram, pela socapa da noite vinham ver como as coisas paravam e principalmente se as habitações tinham sido devassadas.
Era-nos sempre contado que uma das famílias que abandonou a resodência tinha deixado a mesa posta para que os intrusos, se os houvesse, ficassem bem dispostos e causarem menos prejuízos. Verdade seja que nunca nos foram referidas violações deste tipo.
O médico mandou fazer uma “cozedura” de pão para distribuir pelos soldados.
[Armas ensarilhadas]
As armas ensarilhadas foi outro facto que ficou na memória das crianças de então. (7)
Foi a srª D. Isabel Rodrigues Casqueiro, já falecida, que nos transmitiu com todo o realismo, o que a memória registou: indo pela mão da madrinha, srª D. Josefina Sacoto Galache, apareceu-lhes na frente Teófilo Duarte que voltando-se para a então proprietária da Quinta do Freixo, lhe ordena:- Daqui a uma hora quero a quinta desocupada para acolher os meus homens.
Também o sibilar das granadas de sete e meio ficou na lembrança deste povo, estando instalada uma peça no Outeiro.
Ainda que sem a clareza que gostaríamos de apresentar, aqui deixamos reunido o que nos foi possível compilar e organizar sobre um acontecimento politico-militar que teve fases importantes na freguesia da Várzea.
NOTAS
(1) - “A Primeira República”, António Reis, in História de Portugal, Publicações Alfa.
(2) – “Para a História – O que foi o Movimento de Santarém”, Tavares Ferreira, in O Debate, Santarém, de 13 de Janeiro de 1919.
(3) – Portugalidade – Biografia de uma Nação, Domingos Mascarenhas, Lisboa, 1982.
(4) – “Uma data”, Correio do Ribatejo de 13 de Janeiro de 1984.
(5) – Pensamos que a ermidinha é a Igreja Matriz da Freguesia.
(6) – Vulgo Joaquim da Mariana.
(7) – Dados transmitidos por nossa mãe que viveu os acontecimentos e que na altura tinha treze anos.