Santarém em tempos que já lã vão, era considerada a segunda
cidade de Portugal, como justificam as “rambóias” que vou contar; não porque
vivesse nesse tempo (e que pena tenho de não viver nesse tempo, onde as
“rambóias” e as praxes abundavam) mas porque ouvi contar algo a esse respeito
pelo que foi esta a razão que me levou a escrever estas simples palavras.
A atestar que a Velha Scálabis era segunda “Lusa-Atenas” do
país basta dizer-se que era obrigatório o uso da capa e batina para todos os
rapazes e raparigas que estudavam. Naqueles tempos de 1893, o Liceu era
frequentado por estudantes que chegavam a atingir vinte e tal anos; muito mais
coisas se poderiam dizer sobre isto, mas vamos narrar uma das “rambóias” que
esses briosos académicos fizeram.
Depois da prisão do terrível Régulo Gungunhana, o grande
Mousinho a caminho do Porto, passa por Santarém. Ora a “malta” não podia ficar
alheia a tal acontecimento cometido pelo nosso grande herói e resolveu
comemorar o dia com uma ceia de artigos roubados. Um belo dia quatro estudantes
com as capas e batinas lembraram-se de aproveitar o belo sol que fazia, para
irem dar um passeio ao campo e comer qualquer coisa. Preveniram a dona da casa,
esta arranjou uma merenda e eles lá foram acompanhados das respectivas
guitarras, companheiras inseparáveis para o que desse e viesse.
Quando estavam a merendar, acompanhados pelo “verguinhas”
que não podia faltar, apareceu por ali um belo suíno, atraído pela negrura das
capas e pelas guloseimas que lhe davam.
Comeram e beberam todos, e quando quiseram regressar e
porque o álcool começava a fazer-se sentir, quiseram trazer o porco com eles..
O suíno não quis ir na fita e um deles, já arreliado, pregou-lhe com a
guitarra: o bicharoco não gostou e começou a grunhir. A malta não aplaudiu a
brincadeira e lembraram-se de matar o porco; dito e feito; e teve que ser; a
operação foi fácil como podem compreender, e o transporte muito mais; duas
capas e dois paus e pronto!
Quando chegaram a Santarém comunicaram ao resto da malta o
sucedido, reuniram-se para a desmancha e só faltava o mais fácil, comê-lo. No
entanto um dos do grupo lembrou-se que uma ceia só de porco era muito “porca”
talvez uma visita a quintais habitados por galináceos, não fosse má ideia. A
opinião foi aprovada por unanimidade e, como de costume, dito e feito.
Assaltaram o quintal do Zé Paiva (Picador) e mobilizaram
dois gansos que eram dois matulões.
No entanto, era de prever uma coisa, faltava o carrascão e
arranjá-lo, não era empresa das melhores, mas para eles nada tinha dificuldade.
Dois dos colegas surripiaram a chave da adega do pai e o
caso ficou resolvido. Contudo, faltava a sobremesa e passados dois dias o
Guimarães e genro queixavam-se de que lhe faltavam dois queijos flamengos e uma
caixa de bolachas.
A ceia foi feita por um hoteleiro que cobrou dois tostões
por cada cabeça, dando ele o pão e foram quarenta boémios.
No fim de todos estarem batidos com aquele valente
comezaina, marcharam para a estação para aclamarem delirantemente o grande
herói. Este, quando soube do sucedido riu a bom rir.
Na ceia entraram, como não podia deixar de ser, um primo do
Governador Civil, um filho do Administrador do Concelho e um sobrinho do
Comissário da Polícia, que eram estudantes também. E, claro está, o processo
ficou arquivado por falta de... provas.
Anos mais tarde, um dos célebres da ceia, que foi o autor do
surripianço dos ditos gansos, arte na qual era mestre, formou-se em Direito e
viu-se juiz.
Um belo dia, no decurso de sua carreira, que se antevia
bastante brilhante, viu-se obrigado a absolver um pilha galinhas “por espírito
de camaradagem!!!”
U da pêra