segunda-feira, 18 de março de 2013

Santarém de outros tempos


 
Santarém em tempos que já lã vão, era considerada a segunda cidade de Portugal, como justificam as “rambóias” que vou contar; não porque vivesse nesse tempo (e que pena tenho de não viver nesse tempo, onde as “rambóias” e as praxes abundavam) mas porque ouvi contar algo a esse respeito pelo que foi esta a razão que me levou a escrever estas simples palavras.

A atestar que a Velha Scálabis era segunda “Lusa-Atenas” do país basta dizer-se que era obrigatório o uso da capa e batina para todos os rapazes e raparigas que estudavam. Naqueles tempos de 1893, o Liceu era frequentado por estudantes que chegavam a atingir vinte e tal anos; muito mais coisas se poderiam dizer sobre isto, mas vamos narrar uma das “rambóias” que esses briosos académicos fizeram.

Depois da prisão do terrível Régulo Gungunhana, o grande Mousinho a caminho do Porto, passa por Santarém. Ora a “malta” não podia ficar alheia a tal acontecimento cometido pelo nosso grande herói e resolveu comemorar o dia com uma ceia de artigos roubados. Um belo dia quatro estudantes com as capas e batinas lembraram-se de aproveitar o belo sol que fazia, para irem dar um passeio ao campo e comer qualquer coisa. Preveniram a dona da casa, esta arranjou uma merenda e eles lá foram acompanhados das respectivas guitarras, companheiras inseparáveis para o que desse e viesse.

Quando estavam a merendar, acompanhados pelo “verguinhas” que não podia faltar, apareceu por ali um belo suíno, atraído pela negrura das capas e pelas guloseimas que lhe davam.

Comeram e beberam todos, e quando quiseram regressar e porque o álcool começava a fazer-se sentir, quiseram trazer o porco com eles.. O suíno não quis ir na fita e um deles, já arreliado, pregou-lhe com a guitarra: o bicharoco não gostou e começou a grunhir. A malta não aplaudiu a brincadeira e lembraram-se de matar o porco; dito e feito; e teve que ser; a operação foi fácil como podem compreender, e o transporte muito mais; duas capas e dois paus e pronto!

Quando chegaram a Santarém comunicaram ao resto da malta o sucedido, reuniram-se para a desmancha e só faltava o mais fácil, comê-lo. No entanto um dos do grupo lembrou-se que uma ceia só de porco era muito “porca” talvez uma visita a quintais habitados por galináceos, não fosse má ideia. A opinião foi aprovada por unanimidade e, como de costume, dito e feito.

Assaltaram o quintal do Zé Paiva (Picador) e mobilizaram dois gansos que eram dois matulões.

No entanto, era de prever uma coisa, faltava o carrascão e arranjá-lo, não era empresa das melhores, mas para eles nada tinha dificuldade.

Dois dos colegas surripiaram a chave da adega do pai e o caso ficou resolvido. Contudo, faltava a sobremesa e passados dois dias o Guimarães e genro queixavam-se de que lhe faltavam dois queijos flamengos e uma caixa de bolachas.

A ceia foi feita por um hoteleiro que cobrou dois tostões por cada cabeça, dando ele o pão e foram quarenta boémios.

No fim de todos estarem batidos com aquele valente comezaina, marcharam para a estação para aclamarem delirantemente o grande herói. Este, quando soube do sucedido riu a bom rir.

Na ceia entraram, como não podia deixar de ser, um primo do Governador Civil, um filho do Administrador do Concelho e um sobrinho do Comissário da Polícia, que eram estudantes também. E, claro está, o processo ficou arquivado por falta de... provas.

Anos mais tarde, um dos célebres da ceia, que foi o autor do surripianço dos ditos gansos, arte na qual era mestre, formou-se em Direito e viu-se juiz.

Um belo dia, no decurso de sua carreira, que se antevia bastante brilhante, viu-se obrigado a absolver um pilha galinhas “por espírito de camaradagem!!!”

U da pêra