terça-feira, 28 de abril de 2009

Efeméride Trágica - Um centenário a não esquecer - Rua 18 de Fevereiro de 1896 - uma sugestão

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE16 DE FEVEREIRO DE 1996)




A minha curiosidade de criança de poucos anos era chamada a atenção para aquela “coisa” diferente das outras que víamos nas visitas que, pela mão de nossa mãe, fazíamos às campas de familiares no cemitério dos Capuchos.

A curiosidade provocava sempre a mesma pergunta e lá vinha a explicação efectuada de maneira que pudéssemos compreender melhor.

Os anos foram passando e naturalmente a compreensão dos factos aumentou. Já não íamos pela mão, agora sabíamos soletrar e quedávamo-nos sempre frente àquele mausoléu - monumento, admirando-o na sua execução mas principalmente no significado que encerra.

Hoje continuamos a passar pelo local e paramos igualmente durante segundos ou minutos, agora sós pois a mão que nos conduzia também já repousa naquele campo santo. Não nos é possível passar por ali sem o fazer – é uma força interior que a isso nos leva – são as reminiscências de criança que, conforme os anos vão passando, mais nítidas se tornam.

Mas não era só no cemitério que se falava naquela tragédia, apesar dos anos decorridos, já que, uma tia por afinidade e a nossa insistência, nos falava e relatava o que tinha ouvido a seus antepassados, já que dois deles lá tinham perecido.

O pavoroso incêndio no Clube Artístico que deflagrou no dia 18 de Fevereiro de 1896, acompanhou sempre o nosso imaginário.

Interessará aqui e na passagem deste primeiro centenário, dar uma ideia, em traços largos, do que se passou e constituiu uma das maiores tragédias que se desenrolaram em Santarém.

Para o efeito, respigámos no que conseguimos encontrar escrito sobre o assunto, os seguintes dados.

O dia 18 de Fevereiro de 1896 era o último do Carnaval desse ano.

Durante o dia, pelas ruas da cidade havia as brincadeiras tradicionais, umas mais agradáveis do que outras: rebentavam cartuxos cheios de farinha ou outros pós, bisnagas expeliam perfumes baratos e seringas líquidos de várias origens, nem sempre recomendáveis. Batalhas com artigos de arremesso variáveis, não faltando os tremoços e saquinhos de serradura ou grainha.

A noite estava guardada para os bailes que se realizavam nas agremiações locais. No Clube Artístico juntavam-se a classe média e o operariado, gozando os seus bailes de justificada fama.

A sede da agremiação situava-se a meio da Travessa dos Sete Cantos, sinuosa e estreita ruela entre as ruas Direita e de S. Nicolau, onde existe hoje a larga Rua Guilherme de Azevedo e no local em parte ocupado pelo Hotel Central.

O alferes de Lanceiros, António Rodrigues Montez, natural de Santarém, companheiro de Mouzinho, bateu-se em Inhambane, Coolela e em Manjacaze, na luta contra o Gungunhana. No regresso à Pátria, passa no dia 28 de Janeiro na estação de Santarém onde lhe foi prestada apoteótica manifestação e em 2 de Fevereiro, na sede do Clube Artístico, é novamente homenageado por aquela associação, tendo-se procedido aos ornamentos que o caso requeria, sendo a escada de acesso ao primeiro andar com ramos de louro e outros enfeites e iluminada com tigelinhas.

Esta ornamentação manteve-se até ao dia 18 mas, apesar de ser Inverno, com quinze dias passados as ramagens secaram.

O baile iniciou-se e a animação crescia mas pouco depois das vinte e três horas ouve-se o alarme – Fogo! Há fogo!!

A confusão era enorme. As chamas irrompem da escada com grande violência, o que foi facilitado pelo seco das ramagens decorativas que ardiam facilmente.

O outro foco de incêndio localizou-se no rés-do-chão, onde existia um celeiro. Surpreendeu a rapidez com que abateu o sobrado o que causou muitas vítimas. Morreram trinta e cinco pessoas, vinte e nove mulheres e seis homens e rapazes, apesar de se terem conseguido salvar bastantes, principalmente através das janelas de onde se lançavam ou eram lançadas para a rua. Nesta missão destacaram-se o guarda da polícia António Coelho, o calceteiro Manuel António Suspiro, ambos vieram a ser agraciados e ainda Frederico Bettencourt que eu penso ter sido contador no Tribunal e ainda hoje muito lembrado, António Peixoto e outros.

Do edifício apenas restaram as paredes enegrecidas.

A rainha D. Amélia e o rei D. Carlos visitaram o local da catástrofe no dia seguinte solidarizando-se com o pesar do seu povo e acudindo aos mais necessitados.

Na inspecção feita aos escombros parece ter-se concluído que se tratou de fogo posto.

A agremiação tinha os seus inimigos e pouco tempo antes assaltaram a sede deixando no pano do bilhar escrita a palavra VINGANÇA.

A vingança teria sido a prática deste criminoso acto?

Termino como comecei:- agora que novos arruamentos vão crescendo nos arrabaldes da cidade, pensamos que não seria descabido que um deles ostentasse uma placa toponímica com os seguintes dizeres: RUA 18 DE FEVEREIRO DE 1896. Tem a palavra a edilidade.

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Correio da Extremadura de 29.02.1896
Ribatejo Histórico e Monumental, 1938, Francisco Câncio
Santarém Lenda e História, 1940, Eugénio de Lemos
“Santarém Viveu Horas de Horrível Angústia no Mês de Fevereiro de 1896”, Amadeu César da Silva, in Vida Ribatejana, nº especial de 1950, Vila Franca de Xira