sexta-feira, 21 de março de 2014

Entrada dos toiros para as corridas


Santarém - Antiga e desaparecida Praça de Toiros

Com o andar dos anos, sem sabermos bem porquê, vêm-nos à memória coisas que passámos ou assistimos na nossa infância e que nos aparecem com grande claridade, o que não acontece com factos recentes que por vezes esquecemos totalmente ou quase.

Vem isto a propósito de recentemente vir - nos à memória como se realizava o transporte dos toiros que iam ser lidados no dia seguinte na antiga praça de toiros situada nas proximidades da Estrada de S. Domingos.

Acontece que os nossos avós paternos moravam numa casa que compraram e aumentaram, situada mesmo junto à praça de toiros havendo só entre elas um muro que ficou do antigo convento de São Domingos.

O quintal dessa casa fazia extrema com a manga pela qual entravam os toiros para a corrida através de uma porta de arco perfeito e cujas folhas eram de madeira, pintada de um vermelho escuro.

Os toiros provenientes das ganadarias próximas que eram, naturalmente, referidas nos cartazes de propaganda do espectáculo.

O que descrevemos passou-se há mais de sessenta anos, próximo dos setenta.

O transporte era feito de noite pelos campinos e os toiros, naturalmente, acompanhados pelos cabrestos indispensáveis nas corridas para a recolha aos chiqueiros após a lide.

Os santarenos sempre foram grandes entusiastas destes espectáculos e os que estavam na idade pujante sabiam o trajecto que os toiros levavam passando sempre pelo Campo Fora-de-Vila. Além de gostarem de assistir a essa passagem, procuravam tresmalhar um dos animais para seu gáudio, colocando a vida em perigo já que os amimais vinham em pontas.

Era um problema para os campinos, pois a situação dava-lhes grande trabalho, mas não se empertigavam com os homens, percebiam perfeitamente o gosto que as pessoas tinham por passar por estas situações.

Em casa dos nossos avós ninguém se deitava, a não ser a avó pois já estava muito velhinha e débil. Filhos noras e netos não deixavam de lá ir e colocavam-se junto à manga para poder apreciar a entrada acompanhada de gritos próprios e típicos de tal espectáculo, possivelmente hoje desconhecidos. “Lá vêm eles” era aquilo que todos nós queríamos ouvir. Fazia-se grande algazarra à sua passagem e quando calhava algum passar mais próximo do muro havia quem lhe passasse a mão pelo lombo.

A pessoa mais entusiasmada por esta situação era uma tia, grande apaixonada pelos toiros. Já entrada na idade acompanhámo-la várias vezes às picarias da Feira do Ribatejo ficando, naturalmente, na bancada e nós íamos lá para dentro, não para correr à frente do toiro mas para ir gerindo a posição do animal e precavermo-nos de qualquer situação menos agradável. Lembramo-nos que numa situação destas, talvez em 1962, ao ir chamar a tia para regressarmos a casa, vimo-nos em apuros, já que o cornudo apareceu e tivemos que nos elevar para que ele pudesse passar. O animal lembrou-se de parar e então ainda que de uma maneira leve tivemos que comer “sopa de corno” como se dizia (hoje não sei) em Santarém e arredores.

Só mais uma vez passámos por uma situação semelhante e aconteceu numa picaria na aldeia da Romeira, concelho de Santarém.

Anos depois os toiros começaram a ser transportados em jaulas nas camionetas e eram despejados à entrada da manga, deixando assim a possibilidade de procurar tresmalhar algum toiro como era apanágio dos escalabitanos.


Aqui fica mais uma memória dos “Quadros de Santarém do meu tempo” que transmitimos aos meus hipotéticos leitores, procurando retratar a vida de Santarém na nossa infância e juventude.