domingo, 3 de abril de 2011

Os gravateiros

(Publicado no Correio do Ribatejo de 8 de Abril de 2011)



A gravata é um acessório que vem de épocas recuadas e que o andar dos tempos tem provocado transformações.

Segundo os entendidos parece que a designação «gravata» seria proveniente da deformação da palavra croata já que os soldados desta origem e recrutados pelo rei de França, Luís XIII, traziam um lenço atado ao pescoço.

A primitiva razão da existência deste acessório pensa-se que tem a ver com o suor produzido, recorrendo-se a ela para o minorar, por isso, como sudário.

Em meados do século XVII começa a ser usada por Luís XIV, estendendo-se a toda a corte, de seda, adornada de rendas e já com um sentido diferente.

O uso, naturalmente, espalhou-se por toda a Europa e por todo o Mundo com transformações acentuadas.

Nos princípios do século XIX, se um homem tocasse o lenço no pescoço de outro a ofensa era tão grave que poderia acabar em duelo.

Em meados do século XIX começam a surgir novas maneiras de atar as gravatas.

Parece que o actual estilo de gravata é do primeiro quartel do século passado e tem origem nos Estados Unidas da América, tornando-se mais funcional, mais longa e mais estreita.

Três dos dicionários que consultámos apresentam as seguintes definições: “Pedaço de tecido, de formas diversas, que se ata em volta do pescoço” (Dicionário Prático Ilustrado, Dir. de Jaime de Séguier, 1972), “Manta, laço ou fita que orna o pescoço” (Dicionário da Língua Portuguesa de Fernando J. da Silva, 4ª Edição, 1984) e “acessório de vestuário masculino, que consiste numa tira de tecido, estreita e comprida, usada em volta do pescoço, por baixo do colarinho da camisa, formando um nó à frente” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001)

Como se pode verificar, os três dicionários que escolhemos com alguma distância no tempo, apresentam definições com alguma diferença, pois naturalmente verifica-se com o decorrer dos tempos o ajustamento adequado.

O dicionário mais recente já indica a gravata como acessório de vestuário masculino ainda que tenhamos visto muita mulher de gravata.

A pouco e pouco a gravata torna-se um acessório indispensável ao homem que o usa por obrigação em muitos casos, principalmente em determinadas profissões e em que não há liberdade de escolha, mas para o cidadão comum pode proporcionar um toque de elegância. Quem não pusesse gravata, julgava-se que não estava bem vestido!

No nosso tempo de liceu começou a ser obrigatório o uso de gravata pelos rapazes e quando não fossem portadores dela apanhavam uma falta a vermelho (de castigo). As raparigas não podiam “andar em pernas”, isto é, tinham de usar meias.

Apesar de tantos anos passados lembramo-nos da polémica que tal causou e havia um professor que não concordava nada com isso, ainda que nunca o tivesse dito, exigindo aos alunos que transportassem a gravata, mas não lhe interessava onde, acontecendo que se engravatavam as mais variadas partes do corpo.

Este professor de que nunca fomos aluno, não podemos precisar se antes ou depois, causou alguma polémica, para não dizer escândalo, usando umas bonitas sandálias, às quais, sendo poeta, dedicou uns versos.

Em todas as repartições públicas era obrigatório o uso da gravata, assim como em todas as profissões em que se tinha que atender público, ninguém o fazia sem estar convenientemente engravatado.

Ninguém ia para um baile sem levar gravata, ninguém ia para uma pequena festa sem levar gravata, isto para não falar em cerimónias mais pomposas como casamentos, baptizados ou festas de anos.

Quem é que ia a um funeral sem levar uma gravata preta? Ninguém.

A gravata passou a constituir um luxo e mudava-se quase diariamente.

É assim que em concorrência com as casas da especialidade aparecem os vendedores ambulantes de gravatas, os chamados gravateiros, que originaram o título desta croniqueta e que vendiam mais em conta.

Estes homens governavam a vida só vendendo gravatas, tal a venda que faziam! Usavam na sua actividade uma barra de madeira com cerca de um metro de comprimento à qual fixavam, nas extremidades, uma correia de cabedal com aproximadamente dois dedos de largura proporcionando um arco que passava pelo pescoço, suportando assim a barra onde colocavam as dezenas de gravatas que transportavam das mais variadas cores e padrões. Havia gravatas para dois ou três preços, proporcionando desta forma satisfazer toda a clientela.

Percorriam as ruas do velho burgo, fazendo aquilo a que se chamava a volta dos tristes, começando no “Largo do Seminário”, Rua de S. Nicolau, Rua da Misericórdia, Praça Velha, Rua Direita e voltando ao Largo do Seminário. É claro que por vezes faziam alguns desvios a ruas próximas, que tivessem na altura mais movimento ou onde pudessem passar fregueses habituais. Tiravam uma gravata do mostruário, simulavam um nó e procuravam mostrar ao freguês que lhe ficava muito bem com aquele fato.

Quando o negócio estava mais fraco na velha cidade, apareciam esporadicamente num bairro periférico ou então deslocavam-se em transportes públicos às vilas das redondezas, como Cartaxo, Almeirim e Alpiarça e possivelmente a outras.

Hoje a gravata já não tem o mesmo significado que tinha e o seu uso decresceu imenso, havendo mesmo homens que praticamente nunca a usaram ou se o fizeram foi em momentos muito especiais.

Pela nossa parte ainda possuímos uma ou duas dúzias de gravatas mas confessamos que raramente as pomos. Trabalhámos num concelho onde as altas temperaturas verificadas obrigavam-nos a tirar a gravata logo que terminávamos o trabalho e a partir daí nunca mais utilizámos a gravata como era de costume. Este texto no momento em que o escrevemos nem tínhamos gravata apesar de o ambiente estar fresco!

Esta diferença de comportamento pode ser observada no dia a dia em qualquer lugar, incluindo nos “audiovisuais” .

Em meados do século passado os gravateiros davam colorido ao velho burgo escalabitano sendo uma parte importante do fervilhar comercial que então a velha cidade possuía e hoje em completa decadência.

Gravateiro, uma actividade extinta como tantas outras!