sexta-feira, 9 de outubro de 2009

"As dez capelas que possuia no séc.XIX"

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 16 e 23 de AGOSTO DE 1991)
Em todas as obras colectivas, tipo enciclopédia ou dicionário que nos chegam às mãos, procuramos inevitavelmente o que se encontra sobre a freguesia da Várzea mas pouco ou nada diferem umas das outras, tratando-se de simples cópias mais ou menos disfarçadas. Quem quiser saber mais, tem de ir pelos seus próprios meios às fontes documentais e orais.

Não sabemos as origens dos relatos apresentados mas pensamos que devem provir das Memórias Paroquiais (1758) e também do Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, do último quartel do século passado.

Uma das coisas que em todos encontramos, è a referência à existência de dez capelas na freguesia no princípio do séc. XIX e isto enquadra-se bem no que diz Pinho Leal, se (...) esta freguesia uma das mais religiosas do distrito administrativo de Santarém.

Ao facto, que nos serve de título deste tema, todos acrescentam que foram profanadas pelos franceses.

Dez capelas numa freguesia rural cuja área ronda os 25 km2, é obra, não é normal.

Para quem não conhece e pensa existir uma capelinha em cada aldeia, diremos que não é verdade.

Antes de conhecermos a freguesia, já nos preocupávamos no sentido de encontrar as dez capelas, uma vez que nenhuma das referências era acompanhada da indicação total, ainda que refiram algumas.

Décadas passadas e após calcorrearmos toda a freguesia, de marco a marco, arriscamos identificar do seguinte modo as capelas existentes em princípios de oitocentos:- São Miguel, Santo António, São Francisco, Nª Sª da Conceição, Nª Sª da Piedade, Nª Sª do Amparo e as das Quintas da Laranjeira, Freixo Mafarra e Mocho.

Estará a nossa identificação correcta? Pensamos que sim. Reparar que quatro não têm ou não se conhece o nome da invocação, sendo conhecidas pelo nome das quintas em que se situam, das restantes sais, três situam-se também em quintas, restando três e mesmo destas, é possível que uma também fosse particular. Ao cero, só a de Santo António seria pública.

Como se vê, eram quase todas pertencentes às quintas. Dizia-nos um velho Amigo, nado e criado na aldeia de Vilgateira que uma quinta para merecer essa designação, tinha de possuir a sua capela, tão necessária como o lagar de azeite e a adega.

Pertencente à fidalguia que em muitos casos as teriam mandado edificar, acabaram por cair nas mãos da burguesia.

A capela era para o senhor “feudal” mais um símbolo de prestígio social e sinal de que, até na vida espiritual, afirmava a sua independência.

Perguntar-se-á o que é feito dessas capelas, onde se situam ou encontravam?

Diremos que algumas, bem poucas, continuam a missão para que foram erigidas, outras estão profanadas com utilizações diversas, umas tantas em ruína bastante adiantada e outras desapareceram completamente.

Iremos referi-las, pela ordem indicada, ainda que estejamos distantes daquilo que gostaríamos de dizer e que é possível obter se dispuséssemos de tempo para isso.

***
DE SÃO MIGUEL

Este velho culto que acompanhou a reconquista, esteve representado numa ermida situada”na extremidade nordeste da freguesia, em lugar alto, com belas e extensas vistas. (1)

Em abono deste culto, podia aludir-se à situação, um outeiro, o que concorda com o facto de os templos dedicados ao arcanjo S. Miguel, se edificarem, de preferência, em locais elevados.

A sua construção perde-se no recuar dos tempos. Sabe-se contudo que por e ruína da igreja paroquial, e possivelmente a ermida também o estivesse, passa a desempenhar essas funções, tendo sofrido obras de restauro e ampliação, isto por volta dos anos 60 do século passado. (2)

Desaparece assim a ermida de S. Miguel. Dando origem a actual igreja matriz.

Uma sepultura datada de 1646 e enquadrada na capela-mor, é certamente originária da ermida. Recentemente chegou-nos às mãos uma fotografia que nos mostra a seguinte inscrição – NO ANO DE 1689, aparecida numa das paredes do templo devido a recentes obras de restauro e ampliação.

Sabe-se que em 1522 dois casais de camponeses possuíam junto a Vila Gateira, “no limite de Nª Sª do Outeiro, as suas courelas” (3). Não terá esta referência ligação com a ermida? Pensamos que sim.

DE SANTO ANTÓNIO


Sobre esta capela que se situa em Vilgateira e dada como construção do século XVII (1623), já dissemos o que nos foi possível nas páginas deste jornal (4) pelo que o não vamos repetir agora, remetendo os possíveis interessados para aquele número.

Pertencente à Fábrica da Igreja Paroquial, serviu de matriz quando aquela esteve em obras (1987).



DE SÃO FRANCISCO

Também se situava em Vilgateira esta desaparecida capela que no último quartel do século passado ainda se encontrava de pé, apesar de profanada.

A localização não foi difícil de determinar por via da tradição oral, mas ainda nos lembramos, por volta dos anos cinquenta, de um nicho existente no estabelecimento comercial de Adelino Martins Coelho, recentemente falecido, construção que aproveitou restos da capela de que o nicho fazia parte.

Escrito, só tenho conhecimento do que Pinho Leal nos transmitiu. (2)

A capela situava-se muito próximo de uma antiquíssima residência, já desaparecida e que hoje lamentamos não ter fotografado ou desenhado. Pertencia à ilustre Família Azevedo Moncada e que devido ao hábito local poderia a capelinha ter pertencido àquela família, hoje desaparecida da freguesia.

DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

Sem dúvida que era uma das dez existentes nos princípios do século XIX.

Situava-se na aldeia da Aramanha numa quinta do mesmo nome, desmantelada por vendas e partilhas e que pertenceu ao Ver. Padre António Fragoso Rhodes, prior “collado” desta freguesia. (5)

A origem é atribuída ao século XVI (6) mas o lintel da porta tem gravado a era de 1744.

Era alpendrada e pelo menos no século passado ainda se encontrava bem conservada. Segundo nos informaram, a ruína e profanação começou a desenhar-se por volta dos anos cinquenta dos nossos dias.

Hoje, é um montão de ruínas, nem para pocilga já serve!

Reconhece-se ainda, além da porta rectangular de cantaria e encimada por uma cruz do mesmo material, uma coluna do alpendre adossada à fachada e a sineira, mas a sineta naturalmente desapareceu já que o bronze rende dinheiro.

Continuando a pertencer à Família Fragoso Rhodes, a imagem de Nª Sª da Conceição, de grande devoção, foi recolhida na Quinta da Narcisa, residência que foi da mesma família.

DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE

Situada na Quinta da Amendoeira (Perofilho), entre as dez que existiram na freguesia, é uma das três que na altura (último quartel do século XIX) Pinho Leal indica em condições de culto.

É particular esta pequena capela, dada como construída no século XVIII. (6)

A imagem da padroeira é de barro. Como as restantes, também teria sido profanada pelas tropas de Massena.

Está adossada ou mesmo incluída no edifício residencial da quinta que pertenceu durante muitos e muitos anos à distinta Família Canavarro.

Porta rectangular de cantarias lisas. Pequena sineta situada fora da fachada e uma armação de argamassa apropriada.

Tem sido considerada bem cuidada.

Segundo informação telefónica prestada em 1989, pertence actualmente a uma firma e ao perguntarmos se estava aberta ao culto, foi-nos dito:- Quando o povo quer, vem cá o padre e celebra a missa. (7)

Continua assim a sua função esta pequenina capela construída certamente para uso exclusivo dos seus proprietários.

DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

Também é pequenina esta interessante capela com sineira e antecedida de bonita buganvília. Segunda da mesma invocação, pertence à Quinta de São Martinho.

A primeira, que nos revela Pinho Leal, foi profanada também pelas tropas de Massena, entrou em ruína e no último quartel do século passado pertencia a Paulo Maria da Costa Barros, importante proprietário na freguesia.

DA QUINTA DA LARANJEIRA

Se o teve, desconheço o nome da invocação. A quinta desapareceu com vendas e partilhas, prevalecendo contudo na toponímia.

Era templo dado como do século XVII, com curiosos azulejos (6), vendidos segundo nos informaram, na década de setenta dos nossos dias.

Pertenceu também a Paulo Maria da Costa Barros, que já referimos e que Pinho Leal nos apresenta como “cavaleiro estimadíssimo” e que muito o auxiliou nos dados que apresenta no seu dicionário no que diz respeito a Várzea de Santarém e “Villa Gateira”, topónimos abordados.

Quando a visitámos em 1980, ainda tinha de pé as quatro paredes e a sineira. Sem telhado, servia de galinheiro e curral.

DA QUINTA DO FREIXO

Também desconheço o nome da invocação. Profanada pelas tropas francesas em 1810, como aconteceu a todas existentes na freguesia.

Na verga da porta, ainda se pode ler o ano de 1666 que possivelmente indica o ano da sua fundação.

Mantinha-se de pé, servindo há muito de palheiro, foi assim que a encontrámos em 1980.

Da família Sacoto Galache, passou para a de Jacinto Falcão Casqueiro e entretanto vendida pelos seus herdeiros.

DA QUINTA DA MAFARRA

Diz a lenda que aqui viveu e morreu uma princesa, D. Mafalda, e na capela está um túmulo que da inscrição só se consegue ler, Mafalda. Segundo Pinho Leal, Mafarra é corrupção de “Mahafarra” – a cova, porque efectivamente esta quinta está situada numa baixa. (2)

D. Maria Esteves Mafarra, que foi abadessa de Sta. Clara, na primeira metade do século XIV, foi sua proprietária. Mais tarde o convento veio a herdar a quinta juntamente com outros bens. (8)

Foi do Estado pois estava incluída nos “próprios nacionais”. Vendida quando esses bens foram postos em praça pelo liberalismo.

Em 1838 era seu feitor, Francisco Ribeiro Lemos. Num nascimento desse ano constava Quinta da Mafalda e não da Mafarra.

Desconhecemos o tamanho e características da Capela que nunca tivemos oportunidade de visitar.

DA QUINTA DO MOCHO

Quando dizemos que percorremos a freguesia palmo a palmo, é uma forma de dizer que a conhecemos relativamente bem. Acontece que a Quinta do Mocho só a temos visto da estrada nacional que lhe passa próximo, nunca dela nos abeirámos.

A única informação verbal que obtivemos dela foi de que estava em ruína e a sua área se dividia pelas freguesias de Várzea e S. Nicolau.

Sabemos que a capela perdeu o seu alpendre pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755, sendo propriedade na altura do Conde de Castelo Melhor. (9)

***

Aqui fica o que nos foi possível reunir sobre nove capelas da freguesia da Várzea, já que a de Santo António possibilitou um escrito separado, precisamente aquele com que iniciámos estes Temas Varzeenses.

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NOTAS

(1) – Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(2) – Portugal Antigo e Moderno, A.S. Barbosa de Pinho Leal, 1873/1890
(3) – Santarém Quinhentista, Maria Ângela Rocha Beirante.
(4) – “A Capela de Santo António, “Ex-libris” de Vilgateira”, in Correio do Ribatejo nº 5210, de 22 de Fevereiro de 1991.
(5) – Benemérito e homem culto. Serviu como Pároco da Freguesia desde 14 de Julho de 1833, desconhecendo quando cessou funções.

(6) – Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.
(7) – Informação gentilmente prestada em 1989.06.14, por uma senhora que presumo ser funcionária da firma.
(8) – Santarém Medieval, Maria Ângela Rocha Beirante, 1980.
(9) – O Terramoto do 1º de Novembro de 1755, em Portugal e um estudo demográfico, Francisco Luiz Pereira de Sousa, Lisboa, 1919