Santarém - Antiga e desaparecida Praça de Toiros |
Com o andar dos anos, sem sabermos
bem porquê, vêm-nos à memória coisas que passámos ou assistimos na nossa
infância e que nos aparecem com grande claridade, o que não acontece com factos
recentes que por vezes esquecemos totalmente ou quase.
Vem isto a propósito de
recentemente vir - nos à memória como se realizava o transporte dos toiros que
iam ser lidados no dia seguinte na antiga praça de toiros situada nas
proximidades da Estrada de S. Domingos.
Acontece que os nossos avós
paternos moravam numa casa que compraram e aumentaram, situada mesmo junto à
praça de toiros havendo só entre elas um muro que ficou do antigo convento de
São Domingos.
O quintal dessa casa fazia
extrema com a manga pela qual entravam os toiros para a corrida através de uma
porta de arco perfeito e cujas folhas eram de madeira, pintada de um vermelho
escuro.
Os toiros provenientes das
ganadarias próximas que eram, naturalmente, referidas nos cartazes de
propaganda do espectáculo.
O que descrevemos passou-se há
mais de sessenta anos, próximo dos setenta.
O transporte era feito de noite
pelos campinos e os toiros, naturalmente, acompanhados pelos cabrestos
indispensáveis nas corridas para a recolha aos chiqueiros após a lide.
Os santarenos sempre foram
grandes entusiastas destes espectáculos e os que estavam na idade pujante
sabiam o trajecto que os toiros levavam passando sempre pelo Campo Fora-de-Vila.
Além de gostarem de assistir a essa passagem, procuravam tresmalhar um dos
animais para seu gáudio, colocando a vida em perigo já que os amimais vinham em
pontas.
Era um problema para os campinos,
pois a situação dava-lhes grande trabalho, mas não se empertigavam com os
homens, percebiam perfeitamente o gosto que as pessoas tinham por passar por
estas situações.
Em casa dos nossos avós ninguém
se deitava, a não ser a avó pois já estava muito velhinha e débil. Filhos noras
e netos não deixavam de lá ir e colocavam-se junto à manga para poder apreciar
a entrada acompanhada de gritos próprios e típicos de tal espectáculo, possivelmente
hoje desconhecidos. “Lá vêm eles” era aquilo que todos nós queríamos ouvir.
Fazia-se grande algazarra à sua passagem e quando calhava algum passar mais
próximo do muro havia quem lhe passasse a mão pelo lombo.
A pessoa mais entusiasmada por
esta situação era uma tia, grande apaixonada pelos toiros. Já entrada na idade
acompanhámo-la várias vezes às picarias da Feira do Ribatejo ficando,
naturalmente, na bancada e nós íamos lá para dentro, não para correr à frente
do toiro mas para ir gerindo a posição do animal e precavermo-nos de qualquer situação
menos agradável. Lembramo-nos que numa situação destas, talvez em 1962, ao ir
chamar a tia para regressarmos a casa, vimo-nos em apuros, já que o cornudo
apareceu e tivemos que nos elevar para que ele pudesse passar. O animal
lembrou-se de parar e então ainda que de uma maneira leve tivemos que comer
“sopa de corno” como se dizia (hoje não sei) em Santarém e arredores.
Só mais uma vez passámos por uma situação
semelhante e aconteceu numa picaria na aldeia da Romeira, concelho de Santarém.
Anos depois os toiros começaram a
ser transportados em jaulas nas camionetas e eram despejados à entrada da manga,
deixando assim a possibilidade de procurar tresmalhar algum toiro como era
apanágio dos escalabitanos.
Aqui fica mais uma memória dos
“Quadros de Santarém do meu tempo” que transmitimos aos meus hipotéticos
leitores, procurando retratar a vida de Santarém na nossa infância e juventude.