terça-feira, 19 de março de 2013

Bacalhau à "Zé Nunes"



Como é do conhecimento geral, há 1000 maneiras de cozinhar este peixe tão “amigo” dos Portugueses por motivos ancestrais e que fazem parte da nossa cultura.

Daí virá a designação de “Fiel Amigo”, pois ao gosto aliava-se a circunstância de ser barato e consequentemente ser procurado pelas famílias de menores recursos, que para variar teriam inventado muitas maneiras de o cozinhar, cozido, assado, estufado, guisado e até cru. Hoje, é o que se sabe, quem tem pouco dinheiro não lhe chega a facilmente.

Não vamos enumerar as maneiras de confeccionar o bacalhau, algumas bem significativas da nossa gastronomia, como o bacalhau cozido com grão onde a salsa, cebola e alho picados são indispensáveis, além de bom azeite e vinagre. E o tão apreciado bacalhau assado na brasa onde o alho não pode faltar! E se lhe acrescentarmos umas batatas “a murro”?

Entretanto, apareceram os pratos novos com maneiras mais elaboradas de os fazer como acontece por exemplo com natas.

O bacalhau que vos apresentamos não faz parte de um prato novo, mas bem velho e que conhecemos desde criança.

Era o nosso pai que o confeccionava em casa e que tinha aprendido a fazer com a mãe, por isso nossa avó. Presumimos que tivesse sido trazido da sua região de origem, o distrito de Coimbra. Por ser ele que o fazia, habituámo-nos a chamar-lhe “Bacalhau à Zé Nunes” e assim continua e continuará dentro da família, pois os mais jovens já o sabem confeccionar desta maneira.

Nunca o encontrámos em qualquer restaurante nem conhecemos fora da família quem o cozinhe desta maneira. Temo-lo feito várias vezes para amigos e nunca houve ninguém que nos tivesse dito que já tinha comido bacalhau assim.

Quando abordamos estes assuntos dizemos sempre, porque é verdade, que isto não é uma receita, pois não saberia fazê-la, mas sim, dar a indicação da sua composição e feitura. As quantidades estão na mão e na sensibilidade de cada um, segundo pensamos e cada qual vai ajustando as quantidades aos sabores. Nunca cozinhámos por receita!

  
Ingredientes: Bacalhau, batatas que não se desfazem e couve portuguesa.
Condimentos: sal, alho, louro, colorau e azeite.

O bacalhau após demolhado e escamado é cozido só, num recipiente.

As batatas, depois de descascadas (vá-as deitando para um alguidar com água para não ficarem negras), corte-as às rodelas grossas.

A couve, depois de arranjada e cortada aos pedaços vai ao lume para levar uma leve fervura, tal como as batatas.

Entretanto, já se tinham pelado o alho e cortado às rodelas ou ao alto. As folhas de louro já devem estar cortadas aos pedacitos excluindo a nervura central. Noutro recipiente o indispensável colorau doce.

O bacalhau depois de cozido é feito em lascas, havendo a preocupação de lhe retirar as espinhas. Não deite fora a água em que foi cozido, pois é indispensável para a boa confecção do prato.

Cobre-se o fundo do tacho com azeite. Depois de quente é colocada uma camada de bacalhau às lascas a qual se polvilha com o alho cortado e um pouco de louro. É a altura de levar uma leve quantidade de colorau bem espalhado. Leva um levíssimo fio de azeite.

Nesta altura, já o fogão está no ponto mínimo da chama.

Seguidamente, coloca-se uma camada de couve que leva os mesmos temperos e de maneira semelhante. É a altura de colocar um pouco de água em que o bacalhau foi cozido.

A operação seguinte é feita em moldes idênticos com as batatas. Tanto estas como as couves são salpicadas com uma pitada de sal.

As camadas por esta ordem são quantas quisermos.

A água do bacalhau vai sendo introduzida conforme se vai verificando essa necessidade.

Ficará a estufar assim o tempo necessário.

A quantidade adequada do colorau é fundamental para o êxito do prato.

O cozinheiro tem de estar sempre atento ao desenrolar da confecção, para assim poder fazer as correcções devidas.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Santarém de outros tempos


 
Santarém em tempos que já lã vão, era considerada a segunda cidade de Portugal, como justificam as “rambóias” que vou contar; não porque vivesse nesse tempo (e que pena tenho de não viver nesse tempo, onde as “rambóias” e as praxes abundavam) mas porque ouvi contar algo a esse respeito pelo que foi esta a razão que me levou a escrever estas simples palavras.

A atestar que a Velha Scálabis era segunda “Lusa-Atenas” do país basta dizer-se que era obrigatório o uso da capa e batina para todos os rapazes e raparigas que estudavam. Naqueles tempos de 1893, o Liceu era frequentado por estudantes que chegavam a atingir vinte e tal anos; muito mais coisas se poderiam dizer sobre isto, mas vamos narrar uma das “rambóias” que esses briosos académicos fizeram.

Depois da prisão do terrível Régulo Gungunhana, o grande Mousinho a caminho do Porto, passa por Santarém. Ora a “malta” não podia ficar alheia a tal acontecimento cometido pelo nosso grande herói e resolveu comemorar o dia com uma ceia de artigos roubados. Um belo dia quatro estudantes com as capas e batinas lembraram-se de aproveitar o belo sol que fazia, para irem dar um passeio ao campo e comer qualquer coisa. Preveniram a dona da casa, esta arranjou uma merenda e eles lá foram acompanhados das respectivas guitarras, companheiras inseparáveis para o que desse e viesse.

Quando estavam a merendar, acompanhados pelo “verguinhas” que não podia faltar, apareceu por ali um belo suíno, atraído pela negrura das capas e pelas guloseimas que lhe davam.

Comeram e beberam todos, e quando quiseram regressar e porque o álcool começava a fazer-se sentir, quiseram trazer o porco com eles.. O suíno não quis ir na fita e um deles, já arreliado, pregou-lhe com a guitarra: o bicharoco não gostou e começou a grunhir. A malta não aplaudiu a brincadeira e lembraram-se de matar o porco; dito e feito; e teve que ser; a operação foi fácil como podem compreender, e o transporte muito mais; duas capas e dois paus e pronto!

Quando chegaram a Santarém comunicaram ao resto da malta o sucedido, reuniram-se para a desmancha e só faltava o mais fácil, comê-lo. No entanto um dos do grupo lembrou-se que uma ceia só de porco era muito “porca” talvez uma visita a quintais habitados por galináceos, não fosse má ideia. A opinião foi aprovada por unanimidade e, como de costume, dito e feito.

Assaltaram o quintal do Zé Paiva (Picador) e mobilizaram dois gansos que eram dois matulões.

No entanto, era de prever uma coisa, faltava o carrascão e arranjá-lo, não era empresa das melhores, mas para eles nada tinha dificuldade.

Dois dos colegas surripiaram a chave da adega do pai e o caso ficou resolvido. Contudo, faltava a sobremesa e passados dois dias o Guimarães e genro queixavam-se de que lhe faltavam dois queijos flamengos e uma caixa de bolachas.

A ceia foi feita por um hoteleiro que cobrou dois tostões por cada cabeça, dando ele o pão e foram quarenta boémios.

No fim de todos estarem batidos com aquele valente comezaina, marcharam para a estação para aclamarem delirantemente o grande herói. Este, quando soube do sucedido riu a bom rir.

Na ceia entraram, como não podia deixar de ser, um primo do Governador Civil, um filho do Administrador do Concelho e um sobrinho do Comissário da Polícia, que eram estudantes também. E, claro está, o processo ficou arquivado por falta de... provas.

Anos mais tarde, um dos célebres da ceia, que foi o autor do surripianço dos ditos gansos, arte na qual era mestre, formou-se em Direito e viu-se juiz.

Um belo dia, no decurso de sua carreira, que se antevia bastante brilhante, viu-se obrigado a absolver um pilha galinhas “por espírito de camaradagem!!!”

U da pêra

sábado, 9 de março de 2013

Gonçalo da Silveira


 (PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE MAIO DE 2001)


Referiremos hoje um almeirinense que, apesar de ter tido uma vida curta, conseguiu enriquecê-la, ficando o seu nome gravado na história da igreja e mesmo na de Portugal.

D. Gonçalo da Silveira foi o décimo filho de D. Luís da Silveira, primeiro Conde de Sortelha e de sua esposa D. Brites de Noronha Coutinho e nasceu em 1525.

A mãe faleceu três dias após o parto, sendo Gonçalo criado e educado por sua irmã mais velha, D. Filipa de Vilhena, casada com o Marquês D. Luís Álvares de Távora.

Em Mogadouro, onde viveu os primeiros anos, recebeu instrução no Convento de S. Francisco.

Continua os estudos em Coimbra, frequentando o mosteiro de Santa Cruz. Em 1540 estudava Retórica e três anos depois entra na Companhia de Jesus, contra a vontade de seus familiares, principalmente dos irmãos.

Em Dezembro de 1545 celebra a sua primeira missa, partindo cinco anos depois para Espanha, com mais quatro religiosos, dirigindo-se a Gandia onde frequenta a Universidade fundada pouco antes por São Francisco de Borja e se doutorou em Teologia.

Regressa a Portugal dedicando-se à pregação onde deu provas de bom orador em várias partes do país onde a sua presença era requerida, tendo por máxima, entre outras, pregar até enrouquecer.

Em 1553, D. João III entregou à Companhia de Jesus, em Lisboa, a Ermida de São Roque, estabelecendo-se Casa professa de que veio a ser primeiro Superior.

Em 30 de Março de 1556 embarca para o Oriente na armada comandada pelo capitão-mor, D. João Meneses de Sequeira, sendo o seu destino a Índia onde ao chegar lhe foi lida a patente em que Santo Inácio o nomeia provincial da Índia.

Nessa missão se mantém até 1559, organizando e visitando todas as casas e postos missionários.

Seguindo D. Constantino de Bragança em 1558, na expedição contra a fortaleza de Damão, depois da conquista da praça, acompanhou a armada que ia para o Estreito mas adoecendo, seu irmão Álvaro da Silveira, fê-lo regressar a Goa a fim de se tratar.

Durante a sua acção missionária, procurou que os pagãos convertidos à fé cristã tivessem leis proteccionistas e combateu tenazmente os judeus que procuraram assassiná-lo.

Tendo o rei de Monomotapa (Moçambique), zona banhada pelo rio Zambeze, mostrado interesse que lhe mandassem missionários e isto devido ao facto de um seu sobrinho se ter convertido ao cristianismo, em Inhambane e certamente por outras vantagens de tipo comercial, foi o padre D. Gonçalo da Silveira um dos primeiros a oferecer-se para cumprir tal missão e assim parte com esse destino a 5 de Janeiro de 1560, aportando a Moçambique um mês depois.

Deixou os companheiros em Tonga e decide acometer a conquista espiritual de Monomotapa. Sobe o Zambeze até Sena onde baptiza muitos negros. Desloca-se a pé até Tete onde continua a sua missão de evangelização, chegando finalmente, a 26 de Dezembro à zona de destino onde é bem acolhido pelo rei negro que o cumula de presentes que acaba por devolver pretendendo justificar que não eram essas as riquezas que pretendia.

Bem recebido, começa sem demora o trabalho a que se tinha proposto, baptizando o imperador e centenas de indígenas.

Avançando a fé cristã com rapidez, alguma árabes começaram a espalhar calúnias contra o missionário e conseguiram que o rei o considerasse um poderoso feiticeiro e decidiu-se mandá-lo matar, o que veio a acontecer, por estrangulamento, aos trinta e seis anos de idade. O seu corpo foi deitado a uma lagoa na confluência dos rios Mucengeze e Mutate.

D. Gonçalo da Silveira que foi o primeiro missionário que derramou o seu sangue por aquelas paragens, tinha fama de santidade.

Vários poetas e dramaturgos jesuítas se inspiraram na sua vida para realizarem trabalhos e o nosso Épico, que se crê tenha conhecido o missionário na Índia, celebra-o no seu imortal Poema.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube, Vol. XVI
Esta Almeirim Famosa, José Augusto Vermelho, 1950.
“A Vila de Almeirim e o seu termo”, Albertino Henriques Barata, in Correio do Ribatejo de 1977.02.18.
Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40