terça-feira, 21 de junho de 2011

Recordando o Professor e Maestro Joel Canhão



Tencionava escrever estas simples palavras aquando da passagem do 1º aniversário do seu falecimento mas circunstâncias várias tal não me permitiram.

E porquê?

Além de excelente profissional e de valioso curriculum, foi meu professor de Canto Coral na Liceu de Santarém e depois Maestro no Grupo Coral Alfredo Keil que ajudou a fundar e onde modestamente participei até 1967, altura em que a carreira profissional me “obrigou” a ir para outras paragens.

Enquanto frequentei o Liceu Nacional de Santarém, Joel Canhão foi sempre o meu professor de Canto Coral. Era ainda um jovem, com 21 anos e só muitos anos depois reparei que só tinha mais dez anos do que eu. Por outro lado, nos anos mais adiantados tinha alunos praticamente da sua idade.

Era um homem muito rigoroso e disciplinador e sabia manter o respeito dentro das aulas.

Havia, naturalmente, quem não gostasse dele considerando-o muito emproado e vaidoso, o que não coincidia com a minha opinião.

Estava sempre com atenção nas suas aulas onde não havia notas de fim de período, mas sim musicais. O pouquíssimo que conheço sobre música e canto a ele o devo. Punha-nos a ouvir música clássica mas antes de pôr o disco a girar, fazia grande palestra sobre o autor, desde os dados biográficos ao pormenor, analisava e punha em evidência as suas características musicais. E ao fazê-lo vibrava com o que dizia.

Obviamente que exigia o máximo silêncio e quando isso não acontecia era implacável e as faltas injustificáveis sucediam.

Durante a audição, a sua concentração era máxima, fechava os olhos e a cabeça e o corpo davam azo à sua sensibilidade musical.

Claro que o professor tinha as suas preferências musicais. Além dos “monstros”, não me esqueço que tinha uma predilecção pelo espanhol, se a memória não me falha e já se passaram mais de sessenta anos, Manuel de Falla.

Foi com ele que aprendi a distinguir muitos instrumentos musicais, as pautas de clave de sol e clave de dó, a saber distinguir as notas e até a solfejar.

Era muito rigoroso na escolha das vozes. Eu fiz sempre parte do orfeão do Liceu, sendo a minha voz de soprano e mais tarde de tenor.



Ainda possuo um cartão identificativo dessa circunstância, escrito com a sua maravilhosa caligrafia e assinado.

Lembro-me que uma vez, na altura ele era o Maestro do Orfeão Scalabitano, convidou uns tantos alunos do liceu e eu fui um deles, para cantar o Hino Nacional juntamente com os elementos do orfeão numa festa realizada na Igreja da Graça, em Santarém. Calhou-me ficar próximo da grande solista Lurdes Dória que tinha uma voz espantosa. Resultado, ao abrir a boca verifiquei que estava desafinado e então limitei-me a fazer mímica, confessei-o depois ao Maestro e queixei-me à D. Lurdes Dória, que se riu.

Só mais tarde consegui essa independência de voz no Coro Alfredo Keil e até porque eu era o 1º tenor que ficava ao lado do 2º tenor.


Entretanto, a vida foi dando as suas voltas e dois ou três anos depois regresso à minha cidade. Entro numa desaparecida pastelaria que ficava junto à Capela de Nª Sª da Piedade e qual não é o meu espanto quando me aparece o professor Joel Canhão a cumprimentar-me efusivamente, acabando por me dar notícias da formação de um grupo coral e ao mesmo tempo convidando-me para fazer parte dele.

Apesar de não me sobrar muito tempo, pois além da ocupação profissional estava-me preparando para um concurso, aceitei o convite porque acreditava no projecto.

Lembro-me perfeitamente que gerou alguma polémica a escolha do patrono para o grupo, pois podia ser conotado com posições políticas e até porque interpretávamos muita coisa harmonizada pelo grande Maestro Lopes Graça.

O coro era masculino e rondava os dezoito elementos com base em ex-orfeonistas do Orfeão Scalabitano. Lembro-me muito bem do Maestro dizer:- Para ir para um palco com dezoito gatos pingados e as coisas saírem razoavelmente, temos todos de ser muito bons, cada um de vós tem de ser um solista!

Ensaiámos em diversos locais, por deferência dessas Entidades, numa dependência da igreja de S. Nicolau e no Seminário.

A nossa apresentação foi feita no antigo Ginásio do Seminário, praticamente para familiares e amigos e ainda possuo o programa.

Entre outras actuações, lembro-me de termos actuado para os doentes do Hospital da Misericórdia de Santarém, para os presos da Cadeia Penal de Alcoentre e do Presídio Militar.

[Dossier do Grupo Coral Alfredo Keil]

Numa festa organizada no Teatro Sá da Bandeira onde o Maestro Joel Canhão fez uma regência fantástica na peça, o Coletinho! Nunca tinha regido assim, mas o grupo seguia-o cegamente e como tal, saiu maravilhosamente. Claro que depois todos comentámos o assunto com alguma admiração.

Talvez a última exibição em que entrei teve lugar na Feira do Ribatejo de 1966 e lembro-me de termos cantado com sucesso a Canção do Vinho, num palco, ao ar livre.

É minha recordação o dossier do grupo coral, em que o tom amarelo do tecido começa a esbater-se com o decorrer dos anos. Guardo também o seu conteúdo constituído por todas as peças que cantei. Também lá se encontra o “programa” da apresentação que fizemos no Ginásio do Seminário, policopiada.

A forra dos “ dossiers “ foi trabalho feito e oferecido pela esposa do Maestro de que não recordo o nome.

Infelizmente a fotografia que possuía do Coro e tirada no Rosa Damasceno deteriorou-se com a humidade e estava colocada na parede de uma casa de residência temporária, o que muito me desgostou.

O convite formulado ao Maestro para dirigir o Orfeão Académico de Coimbra foi-nos naturalmente comunicado e todos ficámos eufóricos com ele, pois era uma grande distinção para Joel Canhão, que bem a merecia pelo seu talento e rigor no trabalho. Ainda que nos fizesse muita falta, todos o incentivámos a aceitar tão honroso convite acrescido de melhores condições de vida.


Para terminar apresento uma pequena nota biográfica sobre o Cidadão, o Músico e o Maestro.


[Igreja Matriz de Barosa]
Nasceu em Barosa, freguesia do concelho de Leiria em 1927.Estudou no Conservatório Nacional de Lisboa tendo obtido o diploma do Curso Superior de Piano.

Concluiu o Estágio de Professor de Canto Coral no Liceu Pedro Nunes sob orientação de Luís de Freitas Branco e de Frederico de Freitas.
Foi bolseiro do Instituto para a Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian.

Estudou Direcção Coral e Canto. Com Fernando Lopes Graça aperfeiçoou piano e harmonia.

Também foi bolseiro da Universidade de Coimbra frequentando os Cursos Internacionais da Costa do Sol.

Voltou a ser bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Universidade de Coimbra, aperfeiçoando-se em órgão passando depois a desempenhar o lugar de organista titular da Universidade de Coimbra.

Desempenhou as funções de professor de Canto Coral em vários liceus e foi docente na Escola do Magistério Primário de Coimbra, da Escola Superior de Educação de Coimbra e na Universidade de Aveiro.

Quando era professor de Canto Coral do Liceu Nacional de Santarém foi director artístico do Orfeão Scalabitano.

Fundou e dirigiu o Grupo Coral Alfredo Keil de onde saiu para dirigir o Orfeão Académico de Coimbra.

Foi fundador e dirigiu o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra.

Dirigiu numerosos concertos no país e no estrangeiro, como em França, Brasil, Japão, África do Sul, Angola, Moçambique, etc.

Foi condecorado em 1987 pelo então Presidente da República, Dr. Mário Soares, com o grau de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e agraciado em 2007 com a Medalha de Mérito Cultural pela Câmara Municipal de Coimbra.

No campo da investigação, tem o seu nome ligado à descoberta de um fragmento do Antifonário do Ofício, provavelmente do Séc. XII.

Publicou alguns trabalhos em livro sobre educação musical.

Desde bem novo que se dedicava à poesia utilizando o pseudónimo Moura Serpa tendo publicado três livros nesta área..

Faleceu em Coimbra em 2010 com 82 anos de idade e foi sepultado na sua freguesia natal.

domingo, 12 de junho de 2011

Vigário Miguelista em Pernes

Pequena nota
Tendo encontrado em pesquisas este interessante documento, transcrevo-o neste espaço para a leitura de possíveis interessados.
JV

Falla dirigida a S. M. pelo Vigario de Pernes

[Postal representativo da Vila de Pernes]

Senhor, - Rasgado finalmente com a faustíssima chegada do Serenissimo infante o Senhor D. Miguel á Villa de Santarém, e de Vossa Magestade a Villa Franca de Xira, rasgado sim o denso véo, que geralmente cegava a Nação, doces affectos assás encontrados se apoderárão dos habitantes de Pernes ; de tristeza hum , outro de summo prazer, e alegria: de tristeza em pensarem, que tinhão estado debaixo do jugo do systema Maçonico , enganados da fé publica: de summo prazer, por verem, que Vossa Magestade hia a ser restituido aos Direitos, que a legislação Divina lhes concede, e a retocar as Chagas, que á nossa Santa Religião tem aberto os impios Systemáticos.

Não se embaraçando já com medo dos Mações, e exaltando de prazer o Vigario da Matriz Manoel Cadima, no dia primeiro de Junho fez na Igreja das Congregadas daquella Terra, que se achava apinhoada de gente , hum copioso discurso, no qual á clara luz do meio dia demonstrou, que o Systema, chamado Constitucional, não era algum outro, que o dos Mações, homens Atheos, cujos fins são demolir os Thronos , e extinguir a nossa Santa Religião, humam religião, que foi plantada com os trabalhos, e sangue do Homem Deos, pregada ao través de tantos perigos pelos Sagrados Apostolos , regada com o sangue de mais de 18 milhões de Martyres , e sustentada com as virtudes de tantos milhares d`Anacoretas, Confessores, Virgens, e Pessoas de todos os estados, e ambos os sexos, protestando elle Vigario , que se enganado pela fé publica seguira geralmente com todos aquele Systema, agora que o conhecia, o detestava, abominava, e execrava de todo o coração, e que desde então nenhum de seus Paroquianos o podia seguir sem gravame de consciencia ; não devendo pessoa alguma escrupulizar sobre o juramento de causa má não liga, por não dever ser o juramento vinculo de iniquidade , como dizem todos os Theologos com Santo Agostinho. Grande foi a impressão, que aquelle discurso fez nos Ouvintes , especialmente nas Congregadas, de sorte que vendo o precipício a que se encaminhavão, derão graças ao Omnipotente Deos, por se haver dignado acudir-nos em tão grande perigo.

Naquelle mesmo dia tendo feito convocar todo o Clero á Matriz, ahi fez elle Vigario huma solenne acção de Graças, constante de Missa cantada, e Sermão, pela Incolunidade de Suas Magestades , do Sereníssimo Infante o Senhor D. Miguel, e de toda a Real Familia , e pela extincção do Systema, chamado Constitucional, celebrando a Missa o Beneficiado Joaquim Cadima, Presidente da Matriz, e Prégando elle Vigario hum discurso analogo . No fim da Missa houve hum solemne Te Deum, e á noite humam illuminação admiravel, dirigida pelo zelo, e actividade do mesmo Beneficiado, com largos repiques de todos os sinos. Tanto obrou aqulle Vigario , e pouco ainda para seus desejos.

O Vigario pois de Pernes, Senhor, com todos os seus Paroquianos, exultando de alegria, protesta a Vossa Magestade a maior fidelidade, e lhe offerece sua fazenda, e vida, continuando não só no incruente Sacrifício, se não tambem á Estação da Missa Conventual, a rogar ao Omnipotente Deos pelas preciosas vidas de Vossa Magestade, e de toda a real Familia.

Pernes 2 de Junho de 1823. – Beija a Augusta Mão de Vossa Magestade seu muito reverente e fiel subdito , o Vigario Manoel Cadima.

domingo, 5 de junho de 2011

Massa à barrão



De uma maneira geral, a indicação de um prato começa pela referência à substância mais importante ou mais abundante com que é confeccionado.

Não vou aqui apresentar uma receita formal com quantidades, tempos de cozedura, etc... pois não é isso que está neste âmbito.

O prato indicado, muito utilizado na freguesia da Várzea e em toda a região do “Bairro”, dá pelo nome, como o título indica, de “massa à barrão” pelo que se supõe que a massa seria a “iguaria” e à barrão por “inventada” pelo homem do “Bairro” designado popularmente por “barrão” e onde está impregnado algum sentido depreciativo.

Quando comecei a interessar-me por estes assuntos, há mais de 40 anos, conversei com uma varzeense (*) com alguma idade que sempre viveu na sua freguesia natal onde fez todos os trabalhos do campo destinados às mulheres, procurando indagar como era a alimentação nos seus tempos de trabalhadora rural.

Quando lhe falei na massa à barrão que eu já conhecia e referi a existência de bacalhau no cozinhado, foi peremptória dizendo-me que isso era agora porque no seu tempo de jovem não era assim, pois tratava-se apenas de massa (macarrão) guisada com batata cortada aos quartos. Azeite que na zona todos tinham, nem que fosse o proveniente do rabisco, ou rabiscão, cebola, alho, tomate salsa e louro, conforme as disponibilidades. Nisto tudo, a única coisa que se comprava era a massa e deve porvir daí o nome do prato típico.

Mais tarde e por ser um produto na altura considerado barato começou a ser introduzido o bacalhau que depois de cozido é lascado retirando-se –lhe as espinhas e é com o auxílio da água em que é cozido que o guisado é feito.

Naturalmente que de princípio era só um cheirinho de bacalhau mas quando as condições económicas foram melhorando, este também aumentou.

É um prato que muito aprecio e que não encontro na restauração.

(*) A nossa amiga já faleceu há muito mas tem por cá uma filha e netos com quem por vezes estou.